The Beatles

Passo a passo da criação do Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band

Quando os últimos acordes de Long Tall Sally se encerraram, e os Beatles – após a reverência de praxe – deixaram o palco do Candlestick Park na noite fria do dia 29 de agosto de 1966, sabiam que dali por diante as coisas seriam diferentes. Nos camarins, ou melhor, vestiários do estádio de baseball rebatizado hoje em dia como ‘Monsters Stadium’ eles suavam em bicas dentro dos impecáveis paletós escuros. A movimentação do ‘backstage’ era a de sempre: muita gente, autoridades, pedintes, mães com filhos doentes ou aleijados, fotógrafos, jornalistas, malas, penetras, groupies… Apesar da sempre presente falta de privacidade, um ciclo se fechava ali. Emparedados por um status quo que não estavam mais suportando eles decidiram parar de excursionar. E pararam mesmo. Os Beatles juntos nos palcos novamente? Nunca mais. Ainda há quem discuta se foi a decisão certa. Afinal, os Rolling Stones estão aí até hoje, apresentando-se ao vivo sessentões. Teriam os Fab Four durado mais se as turnês jamais tivessem sido interrompidas? Não há resposta para essa pergunta, somente divagações. Pelo que viria a seguir, e pelo que produziriam na seqüência, é possível que dar um basta nas exibições em teatros, arenas, e estádios tenha sido a decisão correta.

Mas os Beatles só abandonaram as turnês quando estavam – pode-se afirmar sem medo de parecer exagerado – no topo do mundo. Podiam tudo, eram os maiores, ‘os caras’, os mais celebrados, os mais paparicados, donos das maiores vendagens de discos e capazes de arrastar multidões, fossem onde fossem. Talvez um dia recebam o título de avós da globalização. Num tempo em que não existia internet, comunicação via satélite, e o mundo parecia expressivamente grande – com as nações isoladas em seus costumes, crenças, gostos – os Beatles unificaram.

Podem ter parado de excursionar por puro profissionalismo. Achavam que como não eram ouvidos, estavam acabando com a própria musicalidade. Os tempos sem dúvida eram tecnologicamente precários para apresentações ao vivo. E, no caso específico deles, a coisa estava ficando perigosa, tensa e incontrolável. Como ninguém de fato ouvia nada, ou quase nada, é possível que à distância os Beatles fossem apenas quatro caras num palco, balançando a cabeça e marcando os compassos com os pés no palco. Feito marionetes. Podia ser pouco para eles. Já era muito para o mundo. Quem teve a felicidade de estar nas arquibancadas de um Shea Stadium, por exemplo, e sair de lá para contar depois, sabe do que estou falando. O mundo – e talvez os próprios Beatles – ainda ignorava a revolução musical que estaria por vir.

Não é demais ponderar, todavia, que quando optaram por parar, eles estavam consideravelmente ricos e famosos. Rapazes bem jovens ainda na metade de 1966, os Fab Four de Liverpool pareciam ter feito tudo. Ringo e John tinham 26 anos. Paul, 24. George, 23. Eram milionários, poderosos e à frente do tempo de qualquer outro na idade deles. Inicialmente tiraram férias como mortais comuns. Não haveria mais turnês dali por diante. Como então divulgariam seus discos e continuariam a vender milhões de cópias planeta afora? E haveria mais discos?

“Nothing is Real”

Em seu livro The Beatles A Diary, Barry Miles aponta que o primeiro compromisso de um Beatle após o fatídico 29 de agosto de 66 foi uma viagem. John Lennon seguiu sozinho para Hannover na Alemanha, no dia 5 de setembro. Ele, que não era ator, aceitou um convite de Richard Lester para participar de How I Won the War, cujas filmagens estavam iniciando. Dali o set seria transferido para Almeria, na Espanha. Na chegada às locações alemãs, John teve a inconfundível cabeleira beatle ‘tosada’ para viver o maluco soldado Greepweed. Ao mesmo tempo, sem uma turnê para apoia-lo, o novo disco Revolver galgava sozinho as paradas, chegando ao número um da Billboard, onde permaneceria absoluto por seis semanas. E não é demais lembrar que não era um disco de ié ié iés, mas recheado de experimentos, fitas tocando gravações ao contrário, e faixas esquisitas jamais levadas ao público por uma banda de rock and roll antes, como “Love You To” e “Tomorrow Never Knows”. E o que dizer de “Eleanor Rigby”, onde a instrumentação clássica assumia o lugar das guitarras e da bateria rocker da banda? Nada mal, portanto. Sem excursões, e sem aparições no rádio e na televisão, as gravações dos Beatles pareciam auto-suficientes, capazes quem sabe de cair no gosto do público e da crítica sem a incansável presença deles na mídia conforme ocorrera desde 1963.

De George Harrison só se foi ter noticia no dia 14 de setembro, quando a assessoria de imprensa da banda divulgou que ele e a esposa Patty seguiram para Bombaim, na Índia, onde o beatle receberia lições de ‘indian music’ e aprenderia a tocar cítara com o mestre Ravi Shankar. Um sujeito que o mundo então pouco conhecia. Longe das suas Rickenbackers e Grestchs, George Harrison pode ter-se entregado à meditação pela primeira vez depois da fama. Quem sabe pela primeira vez na vida. Ficou cinco semanas por lá.

Os Beatles estavam em férias. Férias de verdade. Aparentemente sem planos. E todos na confortável condição de ter dinheiro para não fazer nada e dispor de muito dinheiro para o caso de querer fazer alguma coisa. Ringo Starr, sem outra ocupação melhor, seguiu para Almeria, na Espanha, e ficou lá acompanhando John Lennon no set de filmagens para How I Won the War. Depois os dois se esbaldariam em Paris acompanhados das respectivas esposas. Sgt.Peppers Lonely Hearts Club Band ainda não crepitava. Não mesmo? Então por onde andava Paul McCartney?

Ao contrário dos outros três, Paul permaneceu em Londres, na efervescente Swinging London de então. Era o único solteiro dos quatro. Podia badalar à vontade. E badalou. Consta que circulou por todos os circuitos artísticos que pôde e que tinha direito, acompanhando de tudo – cinema, saraus literários, peças teatrais, vernissages, performances clássicas, os mais variados lançamentos artísticos e o escambau. Esse período ‘folgado’ resultaria numa produção musical-solo. Paul compôs 28 minutos de música para a trilha sonora do filme The Family Way, no Brasil Lua-de-Mel ao Meio-Dia. Pode-se dizer que foi a primeira incursão de Paul na música clássica. O álbum com as faixas instrumentais ‘arranjadas’ pelo maestro George Martin foi lançado no dia 6 de janeiro de 1967. McCartney também se dedicou por demais em ouvir atentamente o que estavam fazendo outros rockeiros. Pet Sounds, dos Beach Boys tocava sem parar na casa dele, em St. Johns Wood, vizinho a Abbey Road.

Nos estúdios Abbey Road, por sinal, George Martin e sua fantástica equipe de engenheiros de som aguardavam. Não exatamente parados. Desde os dias 16 e 17 de Junho de 1966, quando ficaram concluídas as faixas “Here There and Everywhere” e “Got to Get You Into my Life”, os Beatles não gravavam. Nada. Após o trabalho de edição e mixagem, Revolver saiu do forno no dia 5 de agosto de 1966. Depois dessa data, as súmulas de Abbey Road só registrariam atividades ligadas aos Beatles no dia 31 de outubro, quando Martin e seus técnicos começaram a preparar os takes que seriam incluídos na primeira coletânea britânica de grandes sucessos da banda, Oldies But Goldies. Era justo. Afinal o ano fecharia sem um LP de inéditas. O trabalho nesse período consistiu em ‘remixar’ para estéreo as faixas dos singles selecionadas para a compilação, que chegaria às lojas inglesas nas versões mono e estéreo no dia 9 de dezembro. Dezesseis dias antes, desde 24 de novembro, os Beatles estavam de volta aos estúdios para gravar. Davam início a uma nova era com a gravação de “Strawberry Fields Forever”. Germinava da mente criativa daqueles quatro caras, postados no topo do mundo, a semente para Sgt. Peppers.

“ONE DOWN, SIX TO GO”

As primeiras conversas de que se tem notícia para o disco que viria após o fim das turnês é que a temática seria voltada para as memórias da infância de John, Paul, George & Ringo. Lennon compôs “Strawberry Fields Forever”, onde sintonizava a mente nos seus tempos de garoto. McCartney respondeu com “Penny Lane”. Também nasceu nesse período embrionário,”When I’m Sixty Four”, quando a letra reflexiva tentava prever o futuro. De aposentadoria. Pois sim. De acordo com o publicitário Tony Bramwell, que trabalhava no staff de Brian Epstein, o primeiro nome pensado para o disco que viria a ser Sgt. Pepper era bem curioso: One Down, Six to Go. O título era uma referência ao número de álbuns que a banda tinha lançado até então. E não deixava de embutir um toque jocoso, típico dos Beatles ao fato de estar iniciando para eles uma nova jornada contratual com a poderosa gravadora EMI.

No dia 27 de Janeiro de 1967 foi assinado o novo contrato com a EMI para vigorar pelos próximos nove anos. O documento dava aos Fab Four maior poder de mando e de fogo pelo que representavam enquanto fenômeno de vendagem e aceitação popular. Pragmaticamente os executivos previam que aquela onda beatle não se encerraria tão cedo. Entre as cláusulas do novo contrato a banda exigia que seu próximo disco fosse publicado em todo o mundo, inclusive nos Estados Unidos, com a mesma embalagem e seleção musical da versão inglesa. A revolução e de certa forma a própria reinvenção do rock and roll estava em andamento e surpreenderia o mundo com canções e um álbum diferente de tudo o que se ouvira até então.

Como este ícone parece fadado a jamais envelhecer, recolhemos os fatos mais curiosos e mais importantes do processo que resultou no Sargento Pimenta. A leitura de agora em diante torna-se dinâmica, como se estivéssemos a folhear um diário impreciso, quem sabe com algumas folhas arrancadas, esquecido debaixo de um colchão e reencontrado após muitos e muitos anos.

“SGT PEPPERS INNER GROOVE”

Quinta-Feira – 24 de Novembro de 1966
Estúdio Dois – Abbey Road

O primeiro dia de gravações foi dedicado a trabalhar numa canção de John, “Strawberry Fields Forever”. A música soou pela primeira vez no estúdio apenas na voz e violão do autor. Foi uma sessão longa, iniciada às sete da noite e encerrada às duas e meia da manhã. Dela resultou um belíssimo take um, onde o avô dos sintetizadores e dos samplers, o mellotron foi o destaque da harmonia, além da própria voz de John Lennon.

Sexta-Feira – 25 de Novembro de 1966
Dick James House, New Oxford St, Londres

No escritório do editor e publicitário Dick james eles gravam Pantomime: Everywhere It’s Christmas, o quarto flexidisc natalino destinado ao fã-clube oficial. Dez sequências são gravadas, além da faixa-título, esta com Paul ao piano e vocalização dos demais.

Segunda-feira – 28 de Novembro de 1966
Estúdio Dois – Abbey Road

Os Beatles retomam as gravações de “Strawberry Fields” iniciando os trabalhos às 7 da noite e prolongando-se até uma e meia da manhã. Pela primeira vez a banda trabalhou do jeito que bem entendeu, produzindo as gravações sem pressões ou interferências da EMI. Três takes foram produzidos – do dois ao quatro.

Terça-feira – 29 de Novembro de 1966
Estúdio Dois – Abbey Road

Mais trabalho de pós-produção para “Strawberry Fields”. Das duas e meia da tarde às oito da noite ficaram prontos os takes cinco e seis, e um novo vocal de John. Mixagens e overdubs reunidos à vocalização resultaram no take sete.

Terça-feira – 06 de Dezembro de 1966
Estúdio Dois – Abbey Road

Das sete e quarenta e cinco da noite a uma da manhã os Beatles voltaram as atenções para uma segunda canção, “When I’m Sixty Four”, de Paul. Nessa longa sessão eles apenas ensaiaram, gravando dois takes da base rítmica.

Quinta-feira – 08 de Dezembro de 1966
Estúdios Um e Dois – Abbey Road

Paul McCartney foi sozinho para o estúdio e lá ficou das duas e meia às cinco da tarde gravando os vocais para “When I’m Sixty Four”. Pela primeira vez os dois principais estúdios estavam reservados para os Beatles. Uma longa sessão com os quatro presentes se estenderia das sete da noite às três e quarenta da manhã para gravar as orquestrações de “Strawberry Fields Forever”.

Sexta-feira – 09 de Dezembro de 1966
Estúdio Dois – Abbey Road

Nesta sessão todos os overdubs possíveis foram inseridos à gravação considerada quase definitiva de “Strawberry Fields Forever”. Até mesmo um instrumento indiano, o swordmandel, foi usado pela primeira vez numa gravação dos Beatles e provavelmente a primeira vez numa sessão de banda de rock and roll. O resultado final foi a primeira mixagem mono da canção, mas os Beatles anda não consideravam o trabalho pronto e acabado.


Quinta-feira – 15 de dezembro de 1966
Estúdio Dois – Abbey Road

Quatro trumpetes e três cellos, cordas e outros metais foram gravados para um remake de “Strawberry Fields Forever” visando atender um desejo de John Lennon. Ele queria tentar uma versão rápida para a nova canção para ver que resultados teriam. Uma quilométrica sessão iniciada às duas e meia da tarde, encerrada à meia-noite, envolveu técnicos, músicos e a banda na produção de uma alucinada versão acelerada de “Strawberry Fields”, com pesada bateria, proeminentes sopros e vocalização endiabrada. John gostou. Na caixa com a fita original foi escrito ‘best’. E a gravação passaria por overdubs e mixagens para jamais ser aproveitada na totalidade.

Terça-feira – 20 de Dezembro de 1966
Estúdio Dois – Abbey Road

Das sete da noite à uma da manhã, John, George e Paul trabalharam as harmonias vocais para “When I’m Sixty Four”. Ringo adicionou sons de sinos. Neste mesmo dia um fato entraria para a história. Os quatro Beatles individualmente foram filmados e fotografados chegando aos estúdios Abbey Road. Exibiam bigodes. E trajavam roupas diferentes, abusando do colorido. O material gravado foi usado num programa da Rede de TV ITN com o título de Fim da Beatlemania. A produção associava-se aos rumores do fim da banda, questão que foi negada pelos quatro. Eles informaram que estavam atarefados produzindo novas canções e que não fariam excursões nem lançariam nada naquele momento. Tanto as imagens quanto as fotografias dessa época correram o mundo. Foi a primeira vez que os Beatles foram vistos em larga escala sem o visual de terninhos da fase das turnês. No Brasil, os artistas da Jovem Guarda reagiram de imediato. Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Renato Barros (Renato e Seus Blue Caps) imediatamente deixaram crescer bigodes.

Quarta-feira – 21 de Dezembro de 1966
Estúdio Dois – Abbey Road

O som de três clarinetes foi gravado neste dia, entre 7 e 9 da noite para inserção em “When I’m Sixty Four”. No período entre dez da noite às onze e quarenta e cinco, John Lennon gravou mais vocais e um novo take de piano para “Strawberry Fields Forever”, disparado a faixa mais complexa gravada pelo grupo, com suas quebras de ritmo e de tonalidade. Canção que no meu modesto entendimento, nenhuma banda cover devia aventurar-se a interpretar. “Strawberry Fields” é sagrada.

Quinta-feira – 22 de Dezembro de 1966
Estúdio Dois – Abbey Road

John não estava satisfeito com as duas versões marcadamente diferentes produzidas para “Strawberry Fields Forever”. Na cabeça dele a idéia era juntar as duas de maneira que a canção iniciasse lenta e finalizasse mais acelerada. George Martin disse-lhe que não seria possível pelas diferenças de tons. Mas John insistiu. George Martin e o engenheiro Geoff Emerick trabalharam para ver se era possível atendê-lo. Das sete às onze e meia da noite eles aceleraram a velocidade do take sete e reduziram a velocidade do take 26. Logo em seguida juntaram as duas partes e o resultado é a versão que o mundo inteiro conhece de “Strawberry Fields Forever”. Fatos como esses são reveladores do que estava nascendo dentro dos estúdios Abbey Road, enquanto os fofoqueiros de sempre alardeavam o fim da banda.


Quinta-feira – 29 de Dezembro de 1966
Estúdios Dois e Três – Abbey Road

George Martin passou a madrugada no estúdio três preparando mono e estéreo mixes das faixas finalizadas, “Strawberry Fields” e “When I’m Sixty Four”. Ao lado, no estúdio dois, Paul McCartney trabalhou sozinho, das sete da noite às duas e quinze da manhã numa nova canção, “Penny Lane”. Ele preparou toda a base rítmica com a gravação de diversos takes de piano, além de estranhos efeitos de percussão. Quando deixou os estúdios, levou para ouvir em casa provas da canção num trabalho provisório de mixagem.

Sexta-feira – 30 de Dezembro de 1966
Estúdio Dois – Abbey Road

Clima de virada de ano. Mas os Beatles estavam em Abbey Road trabalhando. Um novo mix foi produzido para “When I’m Sixty” Four com a aceleração do principal take produzido, deixando Paul satisfeito. Foi uma longa sessão, iniciada às 7 da noite e encerrada às 3 da manhã. “Penny Lane” também foi trabalhada com a gravação de novos vocais de Paul e harmonias vocais de John. A terceira canção preparada para o próximo disco dos Beatles – o álbum que ainda não tinha nome – ficaria para o próximo ano. 1967, o ano que deu ao mundo Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, estava a caminho.

“What do You See When You Turn out the Light”

Quarta-feira – 04 de Janeiro de 1967
Estúdio Dois – Abbey Road

Os Beatles voltam ao estúdio pela primeira vez no novo ano. Trabalham das sete da noite às duas e quarenta e cinco da manhã. O tempo é gasto na gravação de overdubs para “Penny Lane”. John gravou base de piano, George gravou a guitarra líder e Paul registrou novos vocais. O resultado foi a confecção do take sete, mas “Penny Lane” não estava pronta.

Quinta-feira – 05 de Janeiro de 1967
Estúdio Dois – Abbey Road

O dia, ou melhor, a noite de trabalho começou às sete horas e estendeu-se até meia noite e quinze. Os acontecimentos dessa ocasião foram uma autêntica viagem de experimentalismo. Embalados pela inventividade, e certamente pelos alucinógenos da época, os Beatles se entregaram ao trabalho de produzir a gravação de estranhos efeitos de áudio para compor uma peça sonora chamada “Carnival of Light Rave”. Em princípio a gravação seria utilizada como trilha sonora de um espetáculo teatral com esse nome, programado para o Roundhouse em Londres. Posters chegaram a circular pelas ruas da capital britânica anunciando que o evento permaneceria em cartaz de 28 de janeiro a 4 de fevereiro, com “música composta por Paul McCartney and Delta Music Plus”. De fato a idéia de “Carnival of Light” partiu de Paul. A gravação é considerada bizarra por consistir numa junção de sons e distorções. No press release do espetáculo teatral dizia-se que “Carnival of Light” era uma gravação de ruídos eletrônicos. Os Beatles nunca haviam feito nada semelhante até então. O resultado das muitas horas de estúdio neste dia resultou num take com 13 minutos e 48 segundos e tornou-se a mais longa gravação ininterrupta da banda até a data. Foi montado um take básico e sobre ele inseridos numerosos overdubs dos mais diversos sons. O final incluiu pesadas, e porque não dizer hipnóticas, gravações distorcidas de bateria, órgão hammond, guitarras, órgão de igreja, e vários efeitos como o som de alguém gargarejando. O fechamento foi algo ameaçador, com Paul e John berrando feito dementes, frases e palavras desconexas como, “are you alright?” e” Barcelona!”. “Carnival of Light termina após quase 14 minutos de loucura com uma frase gritada por Paul: “can we hear it back now?” (podemos ouvir isto novamente?). Após montado um rude mono mix a gravação foi entregue aos organizadores do evento. Ao ouvirem, certamente tiveram certeza que aquilo era uma performance vanguardista, gravada pelos Beatles especialmente para eles. “Carnival of Light” jamais ganhou a luz, porém. A peça não foi encenada e esta gravação não circula, até essa data, nem na pirataria. Há quem diga que “Revolution 9”, de John Lennon, lançada em 1968 no Álbum Branco é integralmente inspirada em “Carnival of Light”.

Segunda-feira – 09 de Janeiro
Estúdio Dois – Abbey Road

Nesse dia, entre sete da noite e uma e quarenta e cinco da manhã foram gravadas quatro flautas e dois trompetes para inclusão em “Penny Lane”. No dia 12 seriam gravados mais dois trompetes, dois oboés, e até um double bass clássico para editar na mesma composição.

Terça-feira – 17 de Janeiro
Estúdio Dois – Abbey Road

Neste dia, “Penny Lane” ficou pronta. Paul queria uma sonoridade que não conseguia encontrar, até assistir pela televisão o músico David Mason tocar o “Concerto Número Dois de Brandemburg”. Telefonou-lhe. Ele veio para Abbey Road e gravou dois overdubs, um para o solo no meio da música, e outro para o final. A versão de “Penny Lane” com o solo de trompete ao final chegou a ser editada oficialmente nos estados Unidos.

Terça-feira – 19 de Janeiro
Estúdio Dois – Abbey Road

Das sete e meia da noite às duas e meia da madrugada, uma sessão histórica na qual começou a nascer “A Day in the Life”. Quatro takes foram gravados, mas não finalizados porque nesse estágio eles esbarraram no problema de andamento para juntar a composição inacabada de John, com a não concluída “Woke Up”, de Paul.

Sexta-feira – 20 de Janeiro
Estúdio Dois – Abbey Road

Das sete da noite à uma e dez da manhã eles chegaram ao take seis de “A Day in the Life”‘, com novas gravações de vocal de John, bateria de Ringo e baixo de Paul. Na sessão desta noite surgiu a idéia do relógio despertador para marcar o momento certo de unir as composições de Paul e John, fechando a idéia de uma faixa única que resultaria em “A Day in the Life”. Paul regravaria seu vocal no dia 3 de fevereiro, corrigindo pequenos erros.

Segunda-feira – 30 de Janeiro
Knole Park, Sevenoaks, Kent

Neste e no dia seguinte, com filmagens à noite e na parte da tarde os Beatles completaram o primeiro videoclipe da história, para “Strawberry Fields Forever”, uma invenção do diretor de TV sueco Peter Goldman. A idéia dele era usar a letra da música e a própria melodia para criar imagens que literalmente mostrassem a canção. Pelas décadas subseqüentes se tornaria uma fórmula eficaz para a divulgação de músicas, até com a existência de canais de televisão especializados na veiculação dessas peças.

Quarta-feira – 01 de Fevereiro
Estúdio Dois – Abbey Road

Das sete da noite às duas e meia da manhã é gravada a composição “Sgt Peppers Lonely Hearts Club Band”. É mais uma sessão histórica, porque até essa data o novo disco ainda não tinha nome definido. Foi nessa ocasião que surgiu a idéia da banda fictícia do Sargento Pimenta. Nove takes da base rítmica foram produzidos. No dia seguinte, das sete da noite à uma e quarenta e cinco da manhã, Paul gravaria nova vocalização, além dos backing vocals realizados pela banda. Futuros overdubs ainda seriam feitos na faixa que abriria o álbum e lhe daria o título.

Sexta-feira – 03 de Fevereiro
Estúdio Dois – Abbey Road

Das sete da noite à uma e quinze da manhã, muitos overdubs foram produzidos para “A Day in the Life”. A canção ganhou novos vocais de Paul. Ringo Starr gravou a bateria definitiva, um de seus melhores e mais elogiados trabalhos como músico.

Domingo – 05 de Fevereiro
Angel Lane, Stratford, Londres

Parecia óbvio que o promo filme para “Penny Lane” fosse gravado em Liverpool, para ficar de acordo com as menções da letra da composição. Mas assim como “Strawberry Fields”, as gravações do clipe para esta faixa foram feitas em Londres. John, Paul, George e Ringo foram filmados cavalgando em cavalos brancos e caminhando por Angel Lane entre meio-dia e quatro horas da tarde de um domingo. Para dar a ilusão que os Beatles passeavam por Liverpool, Peter Godman e sua equipe gravaram imagens na cidade natal dos rapazes. Aquelas cenas clássicas da barbearia, do ponto do ônibus e do letreiro no alto do coletivo mostrando que a linha passava por Penny Lane. Não se sabe em que data aquelas imagens foram feitas. Depois seriam montadas nas gravações feitas em Londres.

Terça-feira – 07 de Fevereiro
Knole Park, Sevenoaks, Kent

Os Beatles voltam ao local das gravações do promo de “Strawberry Fields” para filmar a sequência final de “Penny Lane”, na qual se sentam em uma mesa de jantar e são servidos por dois homens em trajes vitorianos e usando perucas. Um deles é Mal Evans. Os dois soberbos clipes foram filmados em cores e distribuídos para canais de televisão em todo o mundo. A BBC foi a primeira a exibir os promos, no dia 11 de fevereiro. Nos EUA os clipes teriam a primeira exibição no dia 25 do mesmo mês.

Quarta-feira – 08 de Fevereiro
Estúdio Dois – Abbey Road

Das sete da noite às duas e quinze da manhã nasceu uma nova composição, “Good Morning Good Morning”, de John Lennon, inspirada num comercial dos flocos Kellogg’s. Oito takes da base rítmica foram produzidos.

Quinta-feira – 09 de Fevereiro
Regent Sound Studio

Neste dia os Beatles são obrigados a trocar de estúdio porque Abbey Road estava locado para outras gravações. O Regent era um dos muitos estúdios que a EMI utilizava quando necessário, na forma de arrendamento. O tempo passado no Regent (não há informações de horário de chegada e saída do local) serviu para a gravação da base rítmica de uma nova canção de Paul, “Fixing a Hole”. Os três takes gravados seriam levados para Abbey Road e lá retrabalhados.

Sexta-feira – 10 de Fvereiro
Estúdio Um – Abbey Road

Mais um dia para ficar na história das gravações de Sgt. Peppers. Nesta data, seguindo uma ideia de Paul, a banda, os técnicos e o maestro George Martin montaram a colossal ponte sonora para interligar definitivamente as canções “A Day in the Life”, de John, e “Woke Up”, de Paul numa peça única. McCartney queria 90 músicos de formação clássica, mas George Martin após muita argumentação reduziu a cota para 40 profissionais. Cada músico de formação clássica recebeu as seguintes instruções:

· Começar tocando baixinho, e o mais alto possível ao final.

· Começar lentamente e acelerar o ritmo à todo vapor ao final.

· Fazer seu próprio caminho nas escalas, independente da nota que estivesse sendo tocada pelo músico ao lado.

A orquestra foi gravada quatro vezes e a gravação capturada numa máquina de quatro canais. O áudio foi transferido posteriormente para um único canal, quase triplicando a ideia original de Paul. O barulhaço colossal superposto dava a impressão de ter sido executado não por 40 ou 90, mas 160 músicos. E não foi só.

Com George Martin e Paul McCartney na condição de regentes, e com todos sabendo que aquela data seria especial, a sessão foi filmada profissionalmente e virou o promo psicodélico de “A Day in the Life”. Os músicos clássicos foram instados pelos Fabs a usar narizes de palhaço e outros adereços que adicionaram ainda mais non sense ao sisudo ambiente do Estúdio Um. Balões foram dependurados nos fagotes da Orquestra, de modo que inflavam e murchavam à medida que os instrumentos eram tocados. Todo o ambiente do estúdio foi decorado com luzes, balões, pedaços de panos coloridos e os mais diversos penduricalhos. A ideia de capturar um ambiente caótico e barulhento, centralizado em imagens quase surreais foi alcançada à perfeição. Os convidados especiais dos Beatles para a ocasião não somente compareceram como interagiram com a gravação das imagens: Mick Jagger, Marianne Faithfull, Keith Richard, Mike Nesmith (dos Monkees), Donovan and Simon and Marijke do famoso grupo de design The Fool. Marijke chegou a tocar um tamborim durante a gravação da orquestra, e o áudio desse instrumento entrou na mixagem final. Depois que a orquestra foi embora, tentou-se pela primeira vez gravar o acorde final para “A Day in the Life” com a participação dos Beatles e de seus amigos, o que significa que aquela ideia também nasceu durante essa sessão. O material filmado e transformado no promo vídeo de “A Day in the Life” nunca foi mostrado na época do lançamento do disco Sgt.Peppers porque a canção foi banida das rádios pela BBC e de diversos países pela associação ao uso de drogas.

Segunda-feira – 13 de Fevereiro
Estúdio Dois – Abbey Road

Das sete da noite às três e meia da manhã foram preparados quatro mono mixes para “A Day in the Life” e iniciada uma nova canção de George Harrison, “Only a Northern Song”, cujo título de trabalho foi “Not Unknown”. No dia seguinte a faixa ganharia novos vocais e overdubs. A gravação ficou fora de Sgt. Peppers e seria retrabalhada no futuro para inclusão no LP Yellow Submarine. O lançamento oficial de “Only a Northern Song” tal como foi gravada nas sessões de Sgt. Peppers só ocorreria com o advento da série Anthology, em 1995.


Sexta-feira – 17 de fevereiro
Estúdio Dois – Abbey Road

Dia no qual o single com “Strawberry Fields Forever”/”Penny Lane” é lançado na Inglaterra. O primeiro lançamento de faixas inéditas da banda desde o disco Revolver. Naquela noite os Beatles retomaram os trabalhos no estúdio às sete da noite e foram até às três da madrugada. A sessão marcou o nascimento de “Being For the Benefit of Mr. Kite”. A letra, como se sabe, foi inspirada num velho cartaz de 1843, do circo de Pablo Fanques. Curiosamente o cartaz foi comprado num antiquário próximo de Sevenoaks, no dia 30 de janeiro, por ocasião da gravação do clipe de “Strawberry Fields Forever”. Nove takes foram preparados da nova composição.

Segunda-feira – 20 de fevereiro
Estúdio Dois – Abbey Road

Das sete da noite às duas e quinze da manhã a banda e os técnicos trabalharam para materializar a idéia circense para “Being For the Benefit of Mr Kite”. Mas não seria nessa ocasião que a música ficaria concluída.

Terça-feira – 21 de Fevereiro
Estúdio Dois – Abbey Road

Das sete da noite à meia-noite e quarenta e cinco eles completaram “Fixing a Hole” trabalhando em cima do take dois gravado anteriormente no Regent Studios.

Quarta-feira – 22 de fevereiro
Estúdio Dois – Abbey Road

Uma longa sessão, das sete da noite às três e quarenta e cinco da madrugada para trabalhar o acorde final de “A Day in the Life”. John, Paul, Ringo e Mal Evans dividiram três pianos ‘golpeando’ simultaneamente os teclados na nota mi maior. Nove tentativas foram feitas, mas em nenhuma os quatro conseguiram tocar a nota ao mesmo tempo. O nono take acabou sendo considerado o melhor, resultando em 53 segundos de parede sonora para fechar não somente “A Day in the Life”, mas o próprio álbum. Na seqüência até o final da sessão eles trabalharam numa gravação experimental – mais uma – muito estranha, batizada “Anything”, que consistia simplesmente em 22 minutos e 10 segundos de Ringo Starr tocando bateria direto, sem parar. O material foi gravado, mas certamente jamais usado. Não consta se foi mixado. Não há informações se a gravação permanece nos arquivos dos estúdios Abbey Road para, um dia quem sabe.

Quinta-feira – 23 de Fevereiro
Estúdio Dois – Abbey Road

Nasce “Lovely Rita”. Das sete da noite às três e quarenta e cinco da madrugada eles produzem nove takes da base rítmica da nova composição de Paul McCartney. O lead vocal definitivo seria gravado no dia seguinte.

Terça-feira – 28 de fevereiro
Estúdio Dois – Abbey Road

Das sete da noite às três da manhã os Beatles ficaram ensaiando uma nova composição de John Lennon, “Lucy in the Sky With Diamonds”. A canção só seria gravada – em sete takes – na sessão do dia seguinte, quarta-feira primeiro de março de 1967. Importante observar o tamanho do poder dos Beatles nessa época em Abbey Road, já que um dos estúdios mais caros do mundo era ocupado pela banda para uma longa sessão de ensaios, o que impediu outros artistas daquela época de utilizar o espaço para efetuar gravações.

Segunda-feira – 06 de Março
Estúdio Dois – Abbey Road

Dando vida à idéia de um concerto da banda fictícia do Sargento Pimenta, Paul McCartney chegou aos estúdios com a idéia de acrescentar muitos overdubs à faixa-titulo “Sgt.Peppers Lonely Hearts Club Band”. Coisas como aplausos, gritos, sons da plateia se acomodando das cadeiras, conversações dos músicos, ajustes para o começo do show. Das sete da noite à meia-noite e quinze eles se serviram dos arquivos de som dos estúdios Abbey Road para escolher o que precisaram. Até trechos do ruído do público das apresentações no Hollywood Bowl em 1965 foram utilizados na sessão de overdubs.

Terça-feira – 07 de Março
Estúdio Dois – Abbey Road

Numa demorada sessão de overdubs para “Lovely Rita”, foi utilizado um instrumento inusitado: um pente de cabelos envolto com um pedaço de papel higiênico (cada folha com a logomarca da gravadora, diga-se de passagem) foi soprado por Paul criando um som esquisito e percussivo.

Quinta-feira – 09 de Março
Estúdio Dois – Abbey Road

Das sete da noite às três e meia da manhã, uma nova canção nascia: “Getting Better”. Sete takes da base rítmica foram preparados, e a nova composição ganharia overdubs nos dias 10, 11 e 21 de março.

Segunda-feira – 13 de Março
Estúdio Dois – Abbey Road

Seis músicos da banda Sounds Incorporated, aquela mesma que abriu o show do Shea Stadium, tocam numa composição dos Beatles. Eles adicionam três saxofones, dois trombones e uma trompa francesa em “Good Morning, Good Morning”.

Quarta-feira – 15 de Março
Estúdio Dois – Abbey Road

Nasce “Within You Without You”. Se os estranhos experimentos musicais, “Carnival of Light” e “Anything” não seriam lançados comercialmente, esta faixa de George Harrison se tornaria a mais Indiana das gravações a aparecer num álbum dos Beatles. Das sete da noite a uma e quinze da manhã, George Harrison foi o único dos Fabs no estúdio, acompanhado dos técnicos da EMI e de músicos indianos. Nesse estágio a faixa não tinha título, mas o take foi integralmente montado, gravado e mixado. George esperou até às duas da manhã pela montagem provisória do take e levou o resultado para ouvir em casa. As guitarras do rock foram substituídas por instrumentos exóticos no ocidente como por exemplo: dilruba, swordmandel, droning tamboura e tabla.

Sexta-feira – 17 de Março
Estúdio Dois – Abbey Road

Das sete da noite à meia-noite e quarenta e cinco foram produzidos seis takes de orquestra para “She’s Leaving Home”. Um fato curioso aconteceu nesta noite. George Martin não dirigiu os trabalhos. Ele, apesar da associação com os Beatles, não era produtor exclusivo deles. Nesta ocasião estava ocupado com outros artistas que costumava atender. Paul McCartney não quis esperar e simplesmente chamou outro produtor, Mike Leander, que recebeu cachê de 18 libras pela noite de trabalho. Consta que George Martin não gostou. Leander usou dez músicos para gravar o arranjo orquestral para “She’s Leaving Home”, entre eles Sheila Bromberg, que tocou harpa. Sheila foi a primeira mulher a participar de uma sessão de gravação dos Beatles. George Martin, posteriormente, aprovaria os resultados desta sessão.

Segunda-feira – 20 de Março
Estúdio Dois – Abbey Road

Após conceder uma entrevista para a Rádio BBC os Beatles trabalharam, das sete da noite às três e meia da manhã na finalização de “She’s Leaving Home”. Paul gravou novos vocais. George Martin trabalhou na mixagem dos takes orquestrais. Nenhum dos Beatles tocou qualquer instrumento nessa gravação.

Terça-feira – 21 de Março
Estúdio Dois – Abbey Road

Uma beatle session especialmente curiosa nesta noite. Os trabalhos começaram normalmente às sete horas, ocupando inicialmente Paul e George com novos overdubs vocais para “Getting Better”. Sem nada a fazer de imediato, John Lennon entregou-se à uma viagem de LSD a bordo do estúdio dois de Abbey Road. Com falta de ar, decidiu subir para a sala de controle de som, onde se encontrava George Martin. Foi fácil para o maestro perceber que alguma coisa estava errada com John. Ele jura que à época – por pura inocência – não sabia que naquele momento estava diante de um beatle chapado. Achou que Lennon se sentiria melhor se tomasse um pouco de ar fresco. Mas não seria possível leva-lo para o lado de fora dos estúdios, onde era implacável o assédio das fãs. A solução foi subir com John para o teto dos estúdios Abbey Road. Nesse ponto a história tem duas versões. George Martin sustenta que John abriu os braços, respirou fundo, e – se não tivesse sido contido – teria voado lá de cima, chapadaço, enquanto se maravilhava com as cores da noite escura, do céu e das estrelas. George Martin alega não ter observado nada de especial no espaço. Mark Lewisohn conta outra história. George Martin teria deixado John Lennon lá em cima para tomar um pouco de ar fresco e retornara para a sala de controle. Paul McCartney e George Harrison perguntaram o que estava acontecendo. Informados que John ficara sozinho no teto de Abbey Road, correram para socorrê-lo. Trinta metros separavam o teto dos estúdios do solo, na porta de entrada. Uma queda teria sido fatal. George Martin então ficou sabendo que o causador daquele mal-estar tinha sido o LSD. A sessão de gravação foi retomada após o incidente. Deixou-se de lado o registro de novos vocais para “Getting Better”. Gravou-se o piano solo para “Lovely Rita”.

Quinta-feira – 23 de Março
Estúdio Dois – Abbey Road

Das sete da noite às três e quarenta e cinco da manhã a faixa “Getting Better” ficou pronta e foi mixada. Novamente George Martin e seu fiel escudeiro Geoff Emerick – com outros compromissos – não participaram. O engenheiro Peter Vince, que era da equipe da EMI, fechou a gravação de “Getting Better”.

Terça-feira – 28 de Março
Estúdio Dois – Abbey Road

Mais longa sessão até a data, para Sgt. Peppers. Começou às sete da noite e encerrou às quatro e quarenta e cinco da manhã. Foi a primeira sessão de vocais para uma faixa até então instrumental, “Good Morning, Good Morning”. Paul McCartney fez a guitarra solo. Além da voz principal de John, ele e Paul trabalharam duro nos backing vocals. Nesta sessão também ocorreu a primeira sessão de overdubs de sons de animais. John queria que cada novo animal que surgisse fosse apavorando ou devorando o outro. Recorreu-se mais uma vez aos arquivos de áudio dos estúdios Abbey Road, de onde saíram os sons de aves, cavalos, gatos, cães, elefantes e outros bichos conforme ouvimos na gravação oficial. Com o dia quase amanhecendo, eles trabalharam em mais overdubs para “Mr. Kite”. George, Ringo, Mal Evans e Neil Aspinall gravaram sons de harmônica. John gravou um órgão, e Paul, guitarra-solo.

Quarta-feira – 29 de Março
Estúdio Dois – Abbey Road

Quebrado o recorde de sessão mais longa. Esta começou às sete da noite e durou até as cinco e quarenta e cinco da manhã. “Good Morning, Good Morning” ficou pronta. “Being For the Benefit of Mr Kite” começou a ganhar elaborados efeitos artificiais para ficar no clima circense desejado por John. Nesta quilométrica sessão, John e Paul apresentaram a solução para um problema: a ausência de uma faixa para Ringo Starr no novo disco. Nasceu “Bad Finger Boogie”, primeiro nome de “With a Little Help From my Friends”. Eles produziram nesta memorável noite nada menos que dez takes da base rítmica da nova canção. Também decidiram que ela funcionaria como uma sequência imediata para a faixa-título, “Sgt.Peppers Lonely Hearts Club Band”. Na reta final da sessão Ringo gravou um overdub do lead vocal, reclamando que não conseguiria sustentar a nota até o final. John Lennon o encorajou, ensaiou com ele e a gravação foi feita. Mantinha-se pois uma histórica sucessão de clássicos, montados e produzidos noite após noite, enquanto “Strawberry Fields Forever”/”Penny Lane”, o novo single dos Beatles, revelava ao mundo o amadurecimento da banda.

Quinta-feira – 30 de Março
Chelsea Manor Photographic Studios
Estúdio Dois – Abbey Road

No final da tarde deste dia os Beatles submeteram-se às lentes e luzes do fotógrafo Michael Cooper, maquiados e vestidos para a capa do futuro disco. Foram muitas e muitas tomadas, posando juntos e separados, com e sem instrumentos, sentados, agachados, em pé. O material bruto seria encaminhado ao designer Peter Blake. Essa histórica sessão fotográfica atrasaria sobremaneira a chegada em Abbey Road. As gravações começaram às onze da noite e prosseguiram até às sete e meia da manhã! Trabalharam até finalizar “With a Little Help from my Friends”. A faixa ganhou overdubs de guitarras, e aquele incrivel baixo tocado por Paul McCartney. Ringo adicionou um tamborim e foram realizados os backing vocals.

Sábado – 01 de Abril
Estúdio Dois – Abbey Road

Aproximava-se o final das sessões, ao mesmo tempo em que se completavam quatro meses do início dos trabalhos para o novo disco dos Beatles. Uma questão pessoal obrigaria Paul a viajar aos Estados Unidos no dia 03 e lá ficaria até o dia 12. A EMI pressionava. Havia um compromisso dos Beatles em entregar o mono master tape de Sgt. Pepper até o dia 21. Então, em mais uma quebra de recorde de horas de estúdio, eles começaram a trabalhar às sete da noite deste sábado, e só pararam às seis da manhã de domingo. Com a concepção de que o disco Sgt. Pepper teria a ambientação sonora de um show, Paul McCartney teve a idéia da inclusão de uma reprise. A canção-título foi escolhida para enfrentar um novo e abreviado arranjo. “Sgt. Peppers (reprise)” nasceu acelerada, com pesado trabalho de bateria e guitarras. A intenção (plenamente alcançada) era injetar energia como se fosse o final de um show. Nove takes rítmicos foram realizados. Paul fez overdubs do vocal definitivo, Ringo adicionou mais percussão, e muitos efeitos sonoros da coleção de Abbey Road foram utilizados. Lembram da história do cacarejar de uma galinha que se fundiria ao riff de uma guitarra? Foi nesta gravação. Um take mixado em mono foi finalizado.


Segunda-feira – 03 de Abril
Estúdio Um – Abbey Road

Só George Harrison apareceu para gravar. Na primeira etapa da sessão, entre sete e dez e meia da noite, George Martin gravou o som de oito violinos e três cellos para juntar ao instrumental indiano de “Within You Without You”. Das dez e meia da noite às três da manhã George gravou o lead vocal e o som de uma cítara. Também adicionou um violão. Os técnicos ainda trabalharam até às seis e meia da manhã na montagem do mix mono. George Harrison foi embora achando que ainda faltava alguma coisa.

Terça-feira – 04 de Abril
Estúdio Dois – Abbey Road

Mais uma sessão ‘solo’ de George Harrison. Das sete da noite à meia noite e quarenta e cinco, quando “Within You Without You” ficou pronta e foi editada em mono e estéreo. Para completá-la, George definiu o que desejava: alguns segundos de risadas no final da faixa. Novamente os risos foram buscados no arquivo de sons de Abbey Road.

Quinta-feira – 06 de Abril
Estúdio Dois – Abbey Road

Mixagens mono e estéreo do álbum virtualmente pronto. Das sete da noite à uma da manhã foram realizados dois crossfades, um efeito que ligava, digamos assim, o final de uma canção ao começo da outra. Ficaram prontas as ligações sem intervalos pelo meio entre “Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band” e “With a Little Help from my Friends”. E entre “Sgt. Peppers (reprise)” e “A Day in the Life”. Um protótipo do novo álbum foi montado, apresentando uma especificação única: não havia intervalos entre as canções! Outra novidade era a ordem diferente das faixas em relação ao que seria a mixagem final. As cinco últimas canções do lado A eram: “Being For the Benefit of Mr. Kite”, “Fixing a Hole”, “Lucy in the Sky With Diamonds”, “Getting Better” e “She’s Leaving Home”.

Sexta-feira – 07 de Abril
Estúdio Dois – Abbey Road

Os Beatles praticamente se ausentaram dos estúdios quando começou o trabalho de mixagem estéreo para o novo disco. Em seu livro, Here There and Everywhere, Geoff Emerick afirma que os quatro consideravam a mixagem mono a coisa real, e indiscutivelmente superior às versões estéreo. Dispensaram, portanto, suprema importância e prioridade aos mixes mono, acompanhando o trabalho de perto. Os mixes estéreo foram integralmente confiados ao maestro George Martin.

Segunda-feira – 17 de Abril
Estúdio Dois – Abbey Road

George Martin trabalhou das sete às dez e meia da noite na mixagem estéreo de “She’s Leaving Home”. O resultado gerou dois takes distintos da mesma faixa. Em mono, “She’s Leaving Home” é mais acelerada, e dura 3 minutos e 26 segundos. A edição estéreo, mais lenta, tem 3 minutos e 34 segundos.

Sexta-feira – 20 de Abril
Estúdio Dois – Abbey Road

George Harrison pediu e os Beatles voltaram aos estúdios para trabalhar em “Only a Northern Song”, canção que não teria lugar no novo disco. Das sete da noite às duas e quinze da manhã eles gravaram vários overdubs, adicionando baixo, trompete e glockenspiel. Vocais também seriam adicionados. O retrabalho em “Only a Northern” Song foi complicado e envolveu os takes 3 e 11. Quando os overdubs ficaram concluídos, juntou-se partes distintas dos dois pedaços, resultando em “Only a Northern Song”. Para George Martin, a canção não era suficientemente boa para figurar no novo álbum. E acabou não entrando. A versão finalizada nesta sessão permaneceria inédita por 28 anos até ser ‘exumada’ para inclusão no disco dois da série Anthology, em 1995.

Sexta-feira – 21 de Abril
Estúdio Dois – Abbey Road

Pensava-se, no começo dos trabalhos desta noite, iniciados às sete horas e encerrados à uma e meia da manhã, que o disco Sgt. Peppers estava finalizado. Não estava. Mixando-se as canções em estéreo, um problema surgiu em “A Day in the Life”. Após o acorde final de piano, o som ia sumindo e ficava literalmente um buraco entre os sulcos finais e a área lisa próxima ao selo dos LPs – aquele espaço onde a agulha do pick up por não encontrar o que ler, acionava o mecanismo que fazia o braço dos toca-discos retornarem à base. A solução foi encontrada pelos Beatles, rapidinho. Os quatro sentaram-se no chão do estúdio e ficaram brincando, literalmente tagarelando coisas sem sentido. Gravaram isso por duas vezes, e a mistura incluiu sons de piano entre outros ruídos. Poucos segundos seriam aproveitados. John Lennon deu a idéia de montar o material no disco numa alta velocidade de quinze quilo ciclos, audível, portanto somente para cães. Assim entrou no disco aquele finalzinho conhecido como “Sgt. Pepper’s Inner Groove”! Com essa sacada, o disco Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band estava finalmente pronto, 700 horas após o começo dos trabalhos, e representando 318 vezes mais tempo que o período gasto para gravar o LP Please Please Me, em 1963. O que viria daí por diante? Que reações o disco causaria? Será que alguém imaginava que após tantos anos esta memorável produção estaria sendo alvo – ainda – de todas as honras, que o apontam como o maior de todos da história da música popular?

“NO MORE SHE LOVES YOU”

Sexta-feira – 19 de Maio de 1967
BBC Radio

A poderosa BBC de Londres é a primeira emissora de rádio do mundo a receber uma advanced copy do novo LP. Nesse mesmo dia o Conselho da estatal escuta atentamente o disco, faixa a faixa, e decide banir “A Day in the Life” de todo o seu serviço radiofônico, por entender que a música fazia apologia ao consumo de entorpecentes.

Chris Denning Sábado – 20 de Maio de 1967 

BBC Radio

Depois de muitas chamadas ao longo da programação, a Rádio BBC levou ao ar o programa Where Is At, apresentado por Chris Denning. Foi a primeira vez que o disco Sgt. Peppers tocou numa emissora de rádio. Entrevistas individuais gravadas com os quatro Beatles no dia 6 de dezembro de 1966 por Kenny Everett foram usadas no programa. John Lennon dizia enfáticamente que não haveria mais turnês: “no more She Loves You’s”, disse John entre risadas. Todas as faixas foram tocadas, exceto “A Day in the Life”.

Quinta-feira – 01 de Junho de 1967
De Lane Lea Recording Studios

Dia histórico, quando a EMI solta no mercado aquele que se tornaria o álbum mais aclamado da história da música pop. O disco que elevou o rock and roll da condição de som meramente mundano para o estado da arte. Enquanto a EMI gastava dinheiro a rodo para distribuir o mais rapidamente o novo LP, onde estavam os Beatles? Ficaram das dez e meia da noite às três e meia da madrugada neste estúdio alugado pela gravadora, tocando sem parar – de forma amadorística, em jams sessions despretensiosas, sem maiores planos. Os sons produzidos foram instrumentais. Eles, enquanto Sgt. Pepper ganhava o mundo, já trabalhavam numa outra história, Magical Mystery Tour, e em novas canções. Mais que nunca, e acima de tudo, instalavam-se definitivamente no teto do mundo.

Sexta-feira – 02 de Junho de 1967
Estados Unidos da América

Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band amanhece em todas as lojas de discos das principais cidades dos Estados Unidos. Todos os grandes jornais publicaram críticas. Langdom Winner escreveria a sua cinco dias mais tarde para o New York Times, assinalando:

“Foi uma semana maravilhosa. Acordei cedo, no dia dois para voltar para casa. Entrei no carro, liguei o rádio e tocava aquilo. Beatles? Sim! A inconfundível voz de John Lennon cantando Lucy in the Sky With Diamonds. Trocava de estação e eles estavam tocando outra faixa, “Getting Better”? “With a Little Help from my Friends”? Em cada cidade que parei naquele dia, em cada posto de gasolina aquelas melodias mágicas vinham de um rádio ou de uma vitrola portátil ao longe, como se o mundo todo tivesse parado para ouvir. Foi, leitores, a coisa mais admirável que já vi. Acho que no último dia dois, enquanto as novas canções dos Beatles tocavam, a consciência ocidental mesmo que fragmentada irreparavelmente, foi num instante unificada pelo menos na cabeça dos jovens do mundo.”

Por Claudio Teran

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