No início da década de 1990, Paul McCartney teve seus álbuns do início da carreira solo e alguns do Wings remasterizados pelo engenheiro de som norte-americano Steve Hoffman. Considerado pioneiro na reedição de álbuns clássicos para o formato Gold Compact Disc (GCD), o nome de Hoffman é frequentemente vinculado ao projeto encabeçado pela DCC Compact Classics, selo americano que adotou de forma exclusiva a inovadora tecnologia lançada em 1988 e baseada em um disco compacto de 24 quilates de ouro (24 karat).
E assim chegavam ao mercado os famosos DCC Gold Discs 24 Karat. Diferente do disco compacto em formato convencional, ou seja, com camadas de alumínio, o Gold Disc veio ao mercado baseando-se na teoria de que seria o formato perfeito para armazenar áudio e dados, uma vez que, por ser metal nobre, não sofreria danos com a ação do tempo. Tudo isso, evidentemente, proporcionaria ao consumidor adquirir uma mídia com vida útil muito maior do que seu principal concorrente, o CD, o LP – já em pleno declínio na época – e as chiantes fitas K7.
Mas não era apenas a vida útil da mídia que representava o diferencial do Gold Disc. A qualidade do áudio, segundo seus entusiastas, era infinitamente superior ao CD de alumínio, já que as camadas de ouro não condicionariam o áudio à dureza digital e às irregularidades perceptíveis nos formatos convencionais. Também não ocorreriam – e isso é verdade – aquelas desagradáveis manchas escuras que vemos nos CDs antigos. Tenho um exemplar de 1998 e ele nunca manchou. Hoje em dia, um CD simples apresenta manchas com cerca de três anos de uso ou menos. Outra vantagem do Gold Disc é que o ouro impõe-se como um condutor de dados infinitamente superior ao alumínio e, para isso, não precisa ser expert no assunto, basta saber que o ouro é mais nobre que o alumínio. A fabricação foi feita em Tóquio, Japão, pela Superior Disc Corp. (hoje em dia com as portas fechadas) e a gravação foi realizada nos Estados Unidos.
O processo de digitalização também era cercado de cuidados. Hoffman trabalhava com as fitas mestres originais (master tapes), cuja técnica baseava-se em descartar toda e qualquer equalização, overdubs e outras “sujeiras” presentes nas gravações finais. Assim, com a fita original “crua”, Hoffman as colocava em um reprodutor DAT e as transpunha para o formato digital, preservando as curvas de equalização nos padrões NAB (EUA), CCIR (Europa) e até mesmo o velho AME (para masters anteriores a 1957). Evidentemente que um trabalho ou outro de equalização poderia surgir no decorrer do trabalho, entretanto, o compromisso maior de Hoffman era o de manter a qualidade original.
Pelo pouco que foi relatado aqui, deu para perceber que se tratava de um produto de elite, altamente segmentado para audiófilos ou para colecionadores exigentes. O custo dos Gold Discs também não era acessível para mercados mais modestos, como o Brasil naquela época, motivo pelo qual emplacou no Japão, Estados Unidos e Europa. Mesmo assim, o esforço dos fabricantes era o de popularizar o formato com o decorrer dos anos, coisa que nunca aconteceu até o fim de sua comercialização em 2000. Hoje, os Gold Discs são extremamente raros e alguns títulos podem ser comprados diretamente de colecionadores por cerca de 300 ou 500 dólares em sites de compra como eBay ou Amazon.
Críticas
Para os que não consideram o formato Gold Disc algo do outro mundo, as críticas giram em torno de sua “falsa promessa”, já que a diferença no armazenamento de áudio e qualidade de reprodução é tão pequena que se torna praticamente imperceptível. Seria uma espécie de “ouro de tolo” para iludir aficionados por perfeição sonora e conquistar um nicho de mercado disposto a pagar caro pela promessa. Para críticos mais moderados, o que diferencia o Gold Disc dos CDs comuns não são as camadas com 24 quilates, nem o rigoroso controle de qualidade em sua fabricação em Tóquio, mas o processo de digitalização das fitas originais, fator este que atribuem muito mais ao talento inquestionável de Steve Hoffman como engenheiro de som do que à mídia.
De fato, o nome de Hoffman é unânime quando se trata de qualidade. Por suas mãos, passaram álbuns clássicos de artistas como The Eagles, The Doors, Paul McCartney, Bob Dylan, The Beach Boys, Nat ‘King’ Cole, Frank Sinatra, Elvis Presley, Ray Charles, Roy Orbison, Cream, The Cars, Blondie, Jim Croce, Linda Ronstadt, Jethro Tull, The Doobie Brothers, Jackson Browne, Steve Miller Band, Elton John, Van Halen, Bonnie Raitt, Al Green, Joni Mitchell, Paul Simon, Stan Getz, Miles Davis, John Coltrane, Art Pepper, Rod Stewart, Judy Garland, Ella Fitzgerald, Peggy Lee, Wes Montgomery entre muitos outros. Todos os lançamentos pela DCC foram celebrados pelos fãs e são muito disputados até hoje.
Os álbuns
Dos quatro ex-beatles, apenas Paul McCartney e Ringo Starr foram privilegiados pelas mãos de Steve Hoffman. Paul teve seu álbum de estreia, McCartney, relançado no formato Gold Disc em 1992. Ram e Band on the Run foram lançados em 1993; Venus and Mars em 1994; por fim Red Rose Speedway e Wings at the Speedy of Sound em 1996. Wild Life, de 1971, seria lançado em 1997, mas o projeto foi repentinamente cancelado. Já Ringo Starr teve apenas seu clássico Ringo, de 1973, relançado pela DCC.
Deve-se destacar o cuidado da DCC em preservar a arte original dos álbuns. No meu exemplar de Ram, o livreto tem acabamento envernizado, traz todas as informações e arte do LP original, inclusive o selo da maçã. Veja relação abaixo:
1992 – McCartney (Catálogo GZS-1029)
1993 – Band on the Run (GZS-1030)
1993 – RAM (Catálogo GZS-1037)
1994 – Venus and Mars (GZS-1067)
1994 – Ringo (Catálogo GZS-1066)
1996 – Red Rose Speedway (Catálogo GSZ-1091)
1996 – Wings at the Speed of Sound (Catálogo GSZ-1096)
1997 – Wild Life (lançamento cancelado – disponível só no mercado pirata)
Todos masterizados por Steve Hoffman, em format Gold Disc e lançados pelo selo DCC Compact Classics.
Como encontrar os Gold Discs?
Dificilmente serão encontrados em uma loja de CDs, pois estão fora de catálogo ou foram recolhidos. Alguns podem ser comprados no site http://www.audiofidelity.net/24kgold, numa loja eBay ou Amazon, desde que estejam dispostos a pagar pelo alto valor em dólar ou euro. Na internet, rodam pelos sites de torrents versões digitais que podem ser baixadas em formato de alta fidelidade (sem perda), ou seja, FLAC, WAV ou AIFF que chegam a 500MB para cada álbum. Se você tiver uma boa conexão de internet e espaço em seu disco rígido, pode tentar, mas fique de olho nas cópias piratas e nas infrações de direitos reservados.
Em todo caso, comprando ou baixando, é recomendável ouvir em um aparelho de som razoável. Se você ouvir no seu notebook ou nas caixinhas multimídia do seu PC, não será possível apreciar a qualidade do som. Deste modo, é altamente desejável que se ouça em um sistema de som com boas caixas acústicas, nada muito profissional, um aparelho doméstico da Sony ou Samsung de 1100W – desses que vendem nas Casas Bahia – dão conta do recado. Garanto que, em uma época como a nossa, dominada pela pobreza sonora do MP3, a experiência será excelente.
Marcílio Duarte é comunicador e designer. Nas horas vagas, no trabalho e no banho ouve… Beatles.
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