Cansei. Depois de tentar evitar ao máximo qualquer tipo de contato com a verdadeira sabotagem que a mídia tem feito em cima da figura de Lennon para esse 8 de dezembro, eu desisti. Uma ótima máxima para eles – “A mensagem de Lennon está mais perdida que nunca” – poderia estampar uma linda primeira página de qualquer grande jornal de qualquer grande centro desse começo de século vinte e um. Mas isso seria auto-sabotagem, pois não?
A verdade é que passar pelo dia 8 de dezembro é sempre uma coisa estranha. Como se algo não estivesse certo. Nesse dia meu ídolo foi assassinado. Mas é somente nesse dia que parece assim, pois nos outros ele é sempre o “witty guy next door”. E dessa vez, a coisa assumiu ares pecaminosos, extremamente revoltantes. Dizem que Lennon nunca foi muito bom em relacionamentos, e parecia às vezes que todos ao seu redor estavam sempre vampirizando-o. Ingênuo, como a maioria dos idealistas. Pete Shotton deve ter sido um grande amigo, assim como Yoko Ono, porém. E são justamente esses tipos de pré-conceitos que transbordam nesse desfile de pré-pós-conceitos que vêem sendo atribuídos a Lennon.
Determinado famoso jornal teve publicado que Lennon era na verdade um falso idealista, uma vez que em casa ele espancava a mulher e ignorava o filho (acho que alguns chamam isso de ser humano). Quando na verdade todo o barulho é por causa de um livro que Cynthia, sua primeira mulher, lançou há alguns meses onde disse que John podia ser um tanto ciumento quando eles começaram a namorar na época do ginásio, a ponto de lhe dar um sopapo em uma festa qualquer (nenhum ideal machista aqui, somente a ilustração de notícia corrompida); e também por uma mensagem postada há alguns outros meses no site de seu filho Julian, onde ele deixava claro alguns ressentimentos que ainda guardava por seu pai.
Ok, tudo entendido, faz sentido, mas, poxa, isso é procurar agulha no palheiro, me desculpe. Toda essa catarse já foi exposta publicamente por Lennon lá por volta de 75 ou antes. Outro famoso jornal decidiu encomendar vários textos para vários autores divagarem sobre Lennon e/ou sua(s) música(s). E divagaram mesmo. Depois de ler um tanto (2 folhas inteiras, ou algo do gênero), não consegui perceber nenhuma mensagem positiva na maioria delas. É aquela velha história do umbigo, sempre: “Tinha eu 14 anos lá em Sabatirica da Serra quando Lennon me apareceu pela primeira vez, daí eu cresci, fui trabalhar e matei minha mulher” (Lembrem-se que por aqui tem que ter final trágico, senão não passa no vestibular). Ah, sim, e outro jornal ainda, publicou um texto em que John estaria supostamente vivo, e teria supostamente se tornado o rei dos cínicos (que, dizem, é o trágico destino de qualquer sobrevivente dos anos 60). 1ª regra geral: esculhambação pública de Yoko Ono. Ah, sim, todos já estão tão confortáveis na posição de esculhambar a “japa” que hoje se pode fazer isso em qualquer tipo de texto, seja ele de teor jornalístico ou o que for. Mas vale lembrar por um instante, né?
Um dos maiores motivos de John não querer voltar com sua banda na época era justamente a mágoa que ele nutriu por muitos fãs dos Beatles, por não serem maduros o suficiente em aceitar a sua mulher, e pior, a culparem sem pudor de ter acabado com a banda. Sem entrar nesse mérito, entende-se facilmente: porque trabalhar para satisfazer alguém que odeia a pessoa que você escolheu para dividir sua vida? Tão simples assim… anyhoo…
Porque a mídia insiste em fazer isso? É como se, inventando novos motivos para criticar Lennon, eles estivessem assumindo aquela postura esnobe alimentadora de egos da classe média, tão característica de nossa cultura, algo parecido com o que fizeram com o Chico Buarque tempos atrás, “ah, vocês o valorizam demais”. Que é isso? Valorizamos demais? Desde quando jornais e veículos especializados têm cotovelos para sentir dor? E porque sentir inveja de alguém como Chico ou Lennon? Nada faz sentido. Assim como o próprio assassinato.
E o circo de horrores é tamanho que o big brother chegou mesmo à mente (ou pelo menos o que criaram dela) do horrendo impronunciável. Quer dizer que o talzinho lá tinha problemas de personalidade, não se achava nem um elo da corrente que John puxava ou qualquer coisa pífia e vendedora de jornais dessa maneira, então decidiu matá-lo. E, acreditem, fizeram 100 (!!!) horas de entrevista com esse doente!! Lógico, tudo em nome do bom jornalismo informativo e de suas decorrentes rechonchudas libras esterlinas. Ah sim, isso é cinismo. Então, o porquê mesmo de querer saber algo a respeito de Lennon, “comemorar” 25 anos sem Lennon? Nenhum interesse aqui. Eu fico é feliz com os relançamentos de (quem disse mesmo que são oportunos?) Sometime in New York City e Walls and Bridges, isso sim.
Volto à questão da ingenuidade de Lennon. Muitos dizem, apoiados por infindáveis pré-conceitos: “John Lennon, ingênuo? Só quando se casou com Yoko!”, da mesma safra do “John Lennon, tímido? E a capa do Two Virgins?” Mas a ingenuidade de John na verdade é por opção. Sim, podemos optar por sermos ingênuos, acreditar, imaginar utopias, essas coisas. Esquecemos disso, não é? Dopados por sexo, religião e TV como estamos. Na verdade, é simples ser conclusivo, e isso todos o sabem muito bem: não seria toda essa história uma maneira bem arquitetada de fazer-nos esquecer da história tal e qual documentada outrora? Podem me chamar de neurótico por enxergar conspirações imaginárias, mas Sean Lennon, filho de John e Yoko, assim disse: “M*** C****** não era apenas um maluco que matou meu pai por motivos pessoais. Sua morte interessava aos Estados Unidos, porque ele era perigoso para o governo americano”, como publicou um famoso blá-blá-blá. Bem, pelo menos isso faz um sentido, né? Teorias de conspiração sempre fazem…
Rafael Godoi
08/12/2005
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