O custo financeiro (cada vez mais alto) de ser fã
Nunca soou tão apropriado o título do álbum lançado pelos Beatles há 50 anos. A banda está à venda. E seus integrantes também. Mil vezes mais que nos anos sessenta. É um fenômeno dos tempos atuais. Nunca tantos lançamentos têm chegado ao mercado em intervalos cada vez mais curtos. E se tem sido assim é porque compensa. Há demanda, o produto é bom, vende muito e o faturamento é alto. Mas quem é que paga essa conta? Os fãs. Mas quais fãs exatamente? Para responder com precisão essa pergunta é preciso separar os apreciadores por grupos.
Temos de tudo na beatlemania. Desde os hard collectors, aqueles que são completistas e pegam tudo, até os apreciadores de ocasião que acham que ir a show de banda cover basta. No meio tem a geração do download, aquela que tudo baixa – de preferência sem pagar nada – e vai juntando suas coisas. E olha o sucesso que foi a experiência do Bootleg Recordings 1963 via i-Tunes!
Não se sabe o período certo de quando o ser humano começou a colecionar objetos. A hipótese mais aceita é que o início tenha sido com os homens pré-históricos que juntavam qualquer coisa, prevendo que poderiam utilizar mais tarde. Os museus e as bibliotecas são as instituições de colecionar mais antigas que existem. Na questão beatle não tem fauna mais diversificada que beatle fãs.
O tempo que corre é de arrumação. Em 1963, pouco depois do lançamento de Please Please Me, o jovem Ringo Starr deu uma entrevista histórica na qual afirmou que não sabia se o grupo ainda estaria em pé no final de 1964. John Lennon disse em linhas gerais a mesma coisa. Os dois estavam enganados. Cinquenta anos depois do começo da banda – e mais de quarenta passados de sua separação – os Beatles continuam aí. Muito presentes. Com meio século de existência suas primeiras gravações estão virando coisa de domínio público, e a marca Beatles é uma das mais conhecidas do planeta. Não dava mesmo para os jovens Lennon & Starr preverem que isso iria ocorrer quando tinham pouco mais de vinte anos.
Os Fab Four estão nas lojas, na internet, em formatos físicos e virtuais, analógicos e digitais. E na vida das pessoas. Estão nas livrarias, bancam gente que tira o sustento às suas custas (como é o caso dos músicos das bandas cover, cujas agendas de shows são sempre lotadas ano após ano). O fenômeno permanece muito vivo, fatura alto e tem hoje uma administração profissional e cuidadosa que não existia entre 1963 e 1970, mas o que de fato move a coisa toda é a música eterna que os Beatles produziram. E o poder deste som em atrair a juventude o tempo todo, mantendo sua atualidade. Outro peso é o carisma pessoal dos quatro. E a disposição de Paul McCartney & Ringo Starr de tocarem o barco em frente correndo o mundo como seus embaixadores. Esses e vários outros fatores mantém a beatlemania aquecida.
John, George e o showbiz
Não há como mensurar o que John Lennon pensaria disso tudo. Ele se foi com quarenta anos e o mundo de 1980 era outro, bem diferente do atual. Com John vivo teria rolado a série Anthology e a reunião dos Beatles para gravar e contar a história deles numa série de TV? John rivalizaria com Paul as atenções do mundo nos palcos por aí? Nunca teremos respostas para essas indagações, mas arrisco avaliar que George Harrison, se vivo estivesse, talvez continuasse brigando contra determinados modismos. Ele, entretanto, teve a oportunidade que Lennon não teve de testemunhar a evolução do mundo para a era digital. Viu Ringo e Paul de volta à estrada de forma sistemática. E entusiasmou-se com o projeto Anthology; relançou seu All Things Must Pass; apoiou LOVE e a ousadia da remixagem das canções no Yellow Submarine Songtrack.
Então o que podemos depreender é que o próprio mercado e a necessidade de posicionar o fenômeno no tempo justificam tudo o que temos visto. E explicam os lançamentos em profusão. Até os do tipo ‘mais do mesmo’. A ordem é clara: lançamentos e relançamentos é o caminho seguro para ganhar dinheiro e manter a tocha acesa. Também se ganha tempo enquanto não saem coisas mais relevantes do grande baú, como o controverso filme Let it Be. Para os fãs, mais prazer. E uma gastança sem fim. Onde vamos parar? Não se sabe. Ninguém sabe. A poeira do tempo de transição e mutação permanente que vivemos talvez nunca assente. O que sabemos é que estamos dentro disso com olhos de caleidoscópio.
Um novo conceito de fã dos Beatles
Lembram aquela frase típica do tempo dos LPs? “Eu tenho todos os discos dos Beatles”, dizia alguém. Um colecionador radical replicava sem disfarçar o ar de pouco caso: “todos quais, os treze oficiais?” Sim, porque desde os tempos analógicos o hard collector já colecionava coisas que um apreciador comum nem sabia da existência. Sem falar no universo da pirataria que nasceu em paralelo ao fim dos Beatles. E a necessidade dos fãs mais profundos de ouvir novidades e coisas nunca lançadas.
Nos anos setenta a boca do mercado era tapada por um tempo com o lançamento de coletâneas. Capas e nomes novos para as mesmas músicas. Decepcionados, os entendidos em Beatles desceram a pirataria e o underground cresceu. LPs piratas eram tão caros que somente os bolsos mais abonados podiam comprar. E só ter dinheiro não adiantava. Era complicado achar um pirata de vinil. E eles não podiam ser copiados nem “baixados”, você tinha de adquirir o disco físico pagando fábulas para ter o que ninguém possuía. Não tinha graça copiar o vinil pirata para uma fita cassete. Não era a mesma coisa. E ainda por cima era raro ter aparelhos que garantissem uma boa gravação em fitas magnéticas.
Essa era foi fascinante para a música, não somente para quem é fã dos Beatles. Foi o verdadeiro tempo do colecionador. Porque se de um lado o sujeito gastava fortunas pelas raridades, por outro tinha dois prazeres. Primeiro o acesso a algo que poucos conheciam. Segundo, agregava valor ao seu acervo de discos incríveis e de acesso restrito.
Esse tempo a era digital matou. Como fica, por exemplo, o colecionador dos anos setenta que adquiriu a peso de ouro uma coleção de vinte e sete LPs com as gravações da BBC (The Beatles at The Beeb), se hoje em dia basta ir ao Google e baixar? Quem imaginaria em 1979 que um dia os próprios Beatles lançariam oficialmente dois volumes com uma ampla compilação desse material? Nos tempos atuais o conceito de raridade e de coleção se modificou. Virtualmente qualquer um pode ter tudo àquilo que um sujeito levou anos (e uma boa grana) para obter. E o caminho é sem volta. Afinal o download oficial e pirata está aí para dar acesso a quem quiser. Mas, no futuro como será avaliado o valor de uma coleção virtual de áudio com gravações que não tem capa, nem cheiro de disco novo, nem encarte com fotos e informações e que podem estar num CD-R ou num pendrive, ou permanecerem como mp3 num PC ou celular?
A resposta para isso pode ser até um tanto cruel, mas realista. Se aposta na longevidade de um fenômeno que já tem meio século. Daqui a mais cinquenta anos os fãs que aprenderam a colecionar objetos físicos não estarão mais aqui. Mas os Beatles permanecerão. Neste caso chegar para as futuras gerações será da forma que essas pessoas escolherem para ouvir música.
O Colecionador – critérios básicos
Mas enquanto esse tempo não chega, um colecionador nascido em 1962, como eu e tantos da minha faixa, fazemos o que? Continuamos comprando. Tenho meus critérios, naturalmente. Levando-se em conta àquela frase antiga, “eu tenho todos os discos dos Beatles”, um aficionado verdadeiro sabe que jamais terá todas as coisas que saem. E possivelmente também não terá dinheiro para “pegar tudo”. Então a priorização básica é pelo que realmente agrega relevância, no nosso caso, a música. Nenhum colecionador que se preze pode abrir mão de ter todas as canções lançadas. Não importa onde estejam. Terá de adquiri-las em caráter oficial.
A busca básica por um item pirata também segue esse viés. Tomemos como exemplo o Decca Tapes. É um dos piratas mais famosos do mundo desde que surgiu, por documentar o teste de gravação no qual os Beatles foram rejeitados. Como nunca foi lançado comercialmente, continua fundamental como peça de colecionador. Por outro lado, não adianta ter um monte de piratas só para dizer que possui, já que neste mercado existem peças que defasaram com o tempo ou que estão fora de contexto. A era digital também beneficiou a pirataria, pelo ressurgimento de determinadas gravações com qualidade superior à dos antigos LPs. E a pirataria resiste na era digital, por vezes surpreendendo os mais calejados. A busca pela música se modificou também a partir da criação do vídeo doméstico. O casamento do som com a imagem iniciado com o VHS reinventou a forma de colecionar música. Documentários, filmes e apresentações ao vivo viraram “collectors itens” junto com os discos. Depois, com o DVD, os fãs compraram tudo de novo por conta da qualidade melhor. Mesma coisa agora com o blue-ray.
Voltando no tempo e ao fã que começou a comprar nos anos sessenta, esse sujeito viu multiplicado por 4 o custo com o coleção a partir do fim dos Beatles. E teve que incluir no orçamento os álbuns individuais dos rapazes. Outra base para o cálculo do custo da beatlemania é o colecionador que transitou do LP para o CD a partir da primeira metade dos anos oitenta e comprou de novo tudo o que já tinha. Essa, porém, é uma conta que colecionadores não gostam de fazer. Afinal a satisfação e o prazer de cada um não tem preço. E se tem (e é claro que tem) a maioria prefere não contabilizar com as contas do mês.
“Música é minha cachaça, é minha utopia. Compro sem dó”, me disse certa vez um amigo colecionador do Rio Grande do Sul. E tem razão. “Milhões de pessoas colecionam os mais diversos objetos em todo o mundo. O que as leva a isto? Numa primeira análise, colecionar poderia ser considerado apenas uma forma de entretenimento, um simples hobby. Mas, uma avaliação mais atenta logo demonstra tratar-se de uma atividade mais profunda e importante. O colecionismo, além da ideia básica de entretenimento, é uma arte e uma ciência e desenvolve o aprendizado, sendo uma atividade cultural por excelência”, explica o filatelista Geraldo de Andrade Ribeiro Jr. Ele coleciona selos desde 1959 e é o presidente da Federação das Entidades Filatélicas de São Paulo (FEF-SP).
O valor das coleções
Segundo o ponto de vista de Geraldo de Andrade Ribeiro Jr.
– Colecionar não é uma atividade elitista. Pode-se fazer uma coleção do tamanho do bolso de cada colecionador. Deve-se iniciar de forma bem simples, sem preocupação financeira. A coleção certamente irá crescer, tomará forma e rumo e, caso o colecionador queira, poderá aumentá-la na medida de suas possibilidades.
– O colecionismo é algo que pode ser praticado por todos, sem nenhuma distinção, pois as coleções são formadas por seus praticantes, no nível desejado ou possível, desde uma coleção simples, até uma especializada, com as mesmas qualidades, com o mesmo valor cultural e educativo, apenas com valor financeiro diferenciado.
– O colecionador propriamente dito não objetiva o lucro. Seu investimento se baseia na aquisição de conhecimentos, o que faz com que ele se torne um especialista em sua área. Se vier a ocorrer um lucro financeiro este surgirá de maneira espontânea, pois todo acúmulo de valores traz, afinal de contas, uma riqueza.
– Duas coleções, uma simples e modesta e outra de alto valor financeiro, possuem características em comum: para o proprietário o objetivo, a paixão, a importância, o aspecto cultural e, principalmente, a gratificação que proporciona são rigorosamente as mesmas. E acaba sendo uma questão que une e nivela os colecionadores.
Critérios pessoais
Dependendo do gosto e do bolso de cada um entra em cena o prazer, e neste caso o céu é o limite. Se o sujeito for músico buscará adquirir instrumentos musicais idênticos aos usados pelos ídolos. Se for um apreciador de bottons, bonecos, posters, camisetas, estatuetas ou o que for certamente irá compra-los. No caso musical irá adquirir o mesmo produto em vários formatos (CD, LP, versão básica, versão de luxo, edições de países diferentes etc). Neste caso, entretanto, vale como ponto de referência ter todas as músicas que foram lançadas. A disposição de comprar o mesmo item várias vezes por diferenças no selo ou porque saiu em formato de LP é decisão e gosto pessoal de cada um. O ponto básico da coleção musical de um ídolo é ter todas as composições.
O custo da beatlemania em 2013
O critério que utilizei para essa compilação de valores serve de parâmetro para que o comprador avalie o tamanho do custo beatle em sua vida, sobretudo em seu orçamento pessoal. Como você inclui no orçamento as suas beatle things? Faça as contas e veja quanto gastou em 2013. É uma boa oportunidade para avaliar se valeu a pena.
PAUL McCARTNEY ITENS
Deluxe box set Wings Over America - R$: 500,00 (importado)
Wings Over America (vInil – 03 LPs) - R$: 300,00 (importado)
Rockshow no cinema (ingresso) - R$: 62,00
Rockshow DVD/Blue Ray - R$: 189,00 (importado)
Turnê Out There (ingresso – cadeira inferior) - R$: 280,00
Ingresso Hotsound Out There - R$: 3.000,00
Programa Out There - R$: 60,00
Camiseta oficial Out There – R$: 80,00
Poster oficial Out There - R$: 20,00
Detalhe: Quem viajou para ver Paul McCartney em 2013 deve incluir os custos com passagens aéreas (ônibus); hospedagem; traslado e alimentação.
CD “NEW” (nacional 14 faixas – De Luxe) - R$: 33,00
Vinil “NEW” (importado): R$: 200,00
CD “NEW” Standard (capa vermelha – doze faixas) - R$: 30,00 (importado)
CD “NEW” De Luxe (CD + DVD Japan Ed.) - R$: 110,00
CD “NEW” Japan edition (faixa bonus exclusiva) - R$: 80,00
RINGO STARR ITENS
DVD Ringo in Hyman - R$: 79,00
Livro Photograph (ed. Limitada – autografado): R$: 2.329,66
Livro Photograph (ed. Normal): R$: 1.350,81
Ingresso Frontstage show em SP/Curitiba – R$: 400,00 (cada).
Programa All-Starr Tour 2013 - R$: 50,00
Passagens aéreas ida e volta (FORT/SP/FORT): R$: 1.250,00
Hotel em SP (uma diária): R$: 380,00
THE BEATLES ITENS
HELP! (Blue Ray) - R$: 70,00
On Air Live at THE BBC Vol. 02 CD (nacional) - R$: 49,90
On Air Vol. 2 (3 LP version – import) - R$: 300,00
The Beatles Live at THE BBC Vol. 01 CD (relanc. Import) - R$: 50,00
BBC Vol 01 (3 LP version – import) - R$: 300,00
Pack BBC Vols 01 e 02 (04 CDs) - R$: 201,09
Livro - Here There and Everywhere (Geoff Emerick – Nacional) - R$: 39,90
Livro Mark Lewisohn – Tune in (De Luxe – Extended) - R$: 450,00
Livro – Tune in (ed. Normal) - R$: 142,00
Livro – The BBC Archives: 1962-1970 by Kevin Howlett – R$: 212,00 (importado)
Bootleg Recodings 1963 (59 songs i-Tunes) – 1,29 (dólar) por música.
THE US ALBUNS (box set – 13 discos) – R$: 377,18 (pré-venda 2013)
JOHN LENNON ITENS
Livro – John Lennon, Yoko Ono e Eu (Jonathan Cott – nacional): R$: 39,90
THE BERMUDA TAPES (app i-Tunes para i-Phone e i-Pad) - R$: 11,76
GEORGE HARRISON ITENS
Não houve lançamento em 2013. O Brasil deu de ombros para uma edição nacional em DVD e Blue-Ray do filme “Living in the Material World”, de Martin Scorcese. Este vídeo não circula oficialmente com legendas eletrônicas em português. Para 2014 aguarda-se o relançamento do álbum All Things Must Pass (disponível desde 2012 no i-Tunes), já que ele vai entrar para o Hall da Fama do Grammy.
CLAUDIO TERAN
Comente