É de repente que Paul McCartney baixa em Cauby Peixoto. Quando fala sobre conservar os graves de sua voz em noites de sono bem dormidas, seu queixo treme, suas mãos gesticulam e ele olha para quem está por perto com pupilas saltadas, como se aquele camarim do Bar Brahma fosse seu palco. A música vem sem idioma definido, mas com melodia certa. “De loooongin uaidiiing rooouud… Roouud… Ouviu? Roouud… Essa é a voz aguda. Agora veja: De looongin uaiding rooooad, essa é a voz grave. Gosto mais dos graves, eles têm mais nuances.” Cauby canta “The Long and Winding Road”, canção dos meninos de uma banda inglesa que ele descobriu há poucos meses. Espertos, esses Beatles não só parecem ter clonado seu figurino para posarem na capa do LP Sgt Peppers, de 1968, como criaram músicas para seu vozeirão. “Só ouvi o que eles gravaram agora. Quando estouraram, eu só curtia Frank Sinatra.”
Sobretudo por suas canções mais doces, os Beatles são a bola da vez no circuito homenagens de Cauby Peixoto, 80 anos. Ele já professou sua fé em discos aos ídolos Frank Sinatra e Roberto Carlos e, antes de fazê-lo a Nat King Cole, lança a caixa “Cauby – o Mito – 60 anos de Música”, pela Lua Music. São ao todo três CDs: “A Voz do Violão”, “Caubeatles” e “Cauby ao Vivo – 60 Anos de Música”, que sai também em DVD.
“Caubeatles” é uma façanha sob vários ângulos – além do próprio nome. Cauby Peixoto dá a Lennon e McCartney o vozeirão de era do rádio que eles nunca tiveram. O beatlólogo purista pode se contorcer de raiva. As fãs de Cauby, de emoção.
A própria existência de um disco só com músicas dos Beatles já é um feito. A autorização a um projeto assim não vem fácil, e bancá-lo é um investimento de risco. O artista primeiro grava o disco todo e então envia o material ao escritório dos Beatles em Londres para ser ou não aprovado. “Mas Cauby sempre consegue”, diz sua produtora. Roberto Carlos, outra pedreira para dar sim aos que o querem em disco, aprovou as interpretações de Cauby em 48 horas para o álbum “Cauby Interpreta Roberto”. Os homens que cuidam de Frank Sinatra também não criaram problemas para darem o aval antes de Cauby dedicar-lhe um CD.
Cauby Peixoto tem uma história maior com o rock and roll do que se supõe. Em 1957, apenas seis anos depois de Ike Turner cortar a fita inaugural com “Rockett 88”, a estreia do rock no planeta, Cauby lançou no Brasil “Rock and Roll em Copacabana”, anotada como o primeiro gênero da espécie lançado em português. Em inglês – e essa vale muito conferir no YouTube – Cauby canta “That”s Rock” no filme “Minha Sogra é da Polícia”, com coral feito por Carlos Imperial, Roberto Carlos e Erasmo Carlos.
Quando 1962 começa, dois anos depois de John Lennon e Paul McCartney criarem uma bandinha de fundo de colégio em Liverpool, Cauby vai morar nos Estados Unidos sob o codinome Ron Cobi. O projeto de roqueiro latino rende pouco. “If You Go To California, I Go” fez relativo sucesso, mas Cauby sentiu logo que era hora de voltar para não sumir do mapa. “Se eu não voltasse, meu público iria se esquecer de mim. Não me arrependo, afinal, consegui conquistar minhas fãs aqui. Mas se tivesse ficado nos Estados Unidos, seria hoje um cantor mundial.”
A rota seguida por aqui foi outra. Cauby se tornou rei entre os vozeirões que falam de amor e abandonou qualquer traço da vida junkie dos roqueiros que James Dean pintava em seus filmes. O popstar, que não bebe, não fuma, não joga e nunca foi um pegador de fãs, sente ter feito escolhas certas quando fica sabendo de casos como o de Axl Rose, do Guns”N Roses – um rapaz 40 anos mais jovem capaz de subir ao palco diante de 100 mil pessoas no Rock in Rio para mostrar os últimos grunhidos de um dos casos mais flagrantes de decadência artística. Se Axl ouvisse Cauby… “Eu me alimento bem e durmo muito, duas vezes por dia. Não fico contrariado com nada, não tenho tempo para discussões. Bebida com álcool, nunca. Água, só natural.”
Ao final, a conversa com Cauby ganha ritmo de iê-iê-iê: Esse sucesso ainda pode passar? “Se eu deixar, se eu descansar, se eu não cantar bem…” O palco é o que para você? “O tipo de amor perfeito. Eu recebo aplauso e dou minha música.” Com quem gravaria um disco de duetos? “Com o Tony Bennet. Só ele tem a extensão de voz que eu tenho nos agudos e nos graves.” Quando foi que descobriu sua voz? “No colégio minha professora mandava eu cantar mais baixo, não gostava da minha voz.” Gosta de seus discos? “Às vezes não.” As músicas que ficaram para a história, como Conceição, poderiam ser melhores? “Sim. A gente gravava muito às pressas. Eu nunca gostei disso.” (Julio Maria – AE)
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