(Discoteca Básica – Revista Bizz 121, Agosto de 1995)
Em 70, John Lennon estava sofrendo de um acúmulo de tudo ao mesmo tempo, agora.
Com os Beatles reduzidos a ruínas após anos musicalmente brilhantes, mas que deixaram os quatro ex-integrantes da banda marcados por um desgaste físico, psicológico e artístico de proporções inéditas no rock, Lennon via-se num momento de transição, no qual suas convicções pessoais, prioridades profissionais e emoções foram radicalmente reavaliadas.
Recém-saído de sessões de terapia primal em Los Angeles com o doutor Arthur Janov,que pregava a libertação emocional através da exteriorização de sentimentos reprimidos desde a infância,John era um nervo exposto armado de uma metralhadora giratória apontada para tudo que ele havia construído até então – seu trabalho,sua obra musical,suas alianças pessoais – e para aquilo que,no seu entender,aprisionava-o:a idolatria,as drogas,a política e,sobretudo,os Beatles.
Com a cabeleira raspada em um ato simbólico cheio de significados para a época, ele se apresentava não mais como o “beatle ferino e mordaz” (que na verdade acabava sendo um produto de consumo em massa), mas como um herói da classe operária que emergia de um longo torpor induzido pela fama e muita grana. E chegava cheio de raiva.
Este disco veio de uma catarse pessoal tornada pública, sem paralelos no rock. Algo realmente chocante para o mundo daquele tempo, quando o “tudo bem” da “geração paz & amor” triunfava em Woodstock. Gravado da forma mais crua possível por Lennon e um reduzido núcleo de músicos (Klaus Voorman no baixo, Ringo Starr na bateria e Billy Preston nos teclados), o álbum se tornou tão imediato e urgente quanto a sua realização: no máximo, uma ou duas passadas por música, antes de ser gravada e entregue a Phil Spector para mixar.
Ao invés dos arranjos elaborados que marcaram os últimos lançamentos dos Beatles, um som descarnado, brutal. Que, curiosamente, veio a ser registrado no estúdio Abbey Road, em Londres, onde o quarteto trabalhou em suas mais célebres gravações.
Nas letras das canções, em vez dos inteligentíssimos jogos de palavras que eram a marca registrada de John, estavam diatríbes aliadas às confissões íntimas, nas quais Lennon tornava pública- pela primeira vez – a falta que sentia do pai (que o abandonou ainda bebê) e da mãe (morta quando ele era garoto).
E ainda revelava o seu plano de ação para o futuro: “O sonho acabou”, decretava ele na faixa “God”, depois de avisar ao mundo que já não acreditava mais em Elvis, nem em Bob Dylan ou nos Beatles. Apenas nele mesmo e em Yoko … “isso é a realidade”.
Até as canções de amor dedicadas à sua mulher teimavam em pingar algumas gotas de fel contra o mundo: “Segure firme, Yoko”, dizia ele nos versos de “Hold On”, “tudo vai ficar bem/venceremos a luta”.
José Emilio Rondeau
É neste album que se encontra a musica “God”. Os versos são extremamente tocantes!!John Lennon todavida foi o mais criativo!!Embora sua infância fosse um lamento!!!!E sua vida sempre crucificada por ela!!!!