Revista Bizz The Beatles

Discoteca Básica: Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967)

pepper(Discoteca Básica – Revista Bizz 01, Agosto de 1985)

“Cada década produz um ou dois momentos autenticamente memoráveis. Em regra, apenas uma guerra ou uma tragédia apavorante conseguem penetrar as preocupações de milhões de pessoas ao mesmo tempo e ocasionar uma única e bem orquestrada emoção. Mesmo assim, em junho de 1967, tal emoção brotou sem ter sido causada por nenhuma morte, mas pela simples audição de um disco.” Trecho do livro Shout!, de Philip Norman.

O tal disco era Sargeant Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Ainda hoje existem centenas de milhares de pessoas que lembram-se com clareza cristalina do primeiro dia em que ouviram um trecho ou uma faixa de Sgt. Pepper’s. Na maioria dos casos, ficou na memória a lembrança de um imenso pasmo – feita pelo grupo pop mais famoso do mundo, ali estava uma coleção de sons musicais absolutamente inédita, revolucionária. Nunca se ouvira (ou se imaginara) coisa parecida: rock’n’roll misturado com vaudeville, ragas indianas entremeadas a cravos renascentistas, atmosferas psicodélicas combinadas com climas circenses. E também havia as letras, que para o suplemento literário do jornal inglês The Times eram “um barômetro dos nossos tempos” – fragmentos de imagens coladas num ritmo vertiginoso, lado a lado com os comentários sócio-políticos mais agudos. Sgt. Pepper’s expandiu o vocabulário e o alcance do rock como jamais se sonhara, elevando o gênero à inédita de arte.

A idéia do disco surgiu de uma música de Paul McCartney – “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, que ele compusera inspirado na onda de nostalgia vitoriana que na época varria a indústria de moda londrina. A música falava de uma banda imaginária liderada, vinte anos atrás, por um tal Billy Shears. Nada de mais. Até que Paul sugeriu a George Martin, produtor dos Beatles: por que não fazer um álbum inteiro como se a Sgt. Pepper’s Band existisse mesmo? Como se fosse a banda do Sargento Pimenta que estivesse tocando?

Martin tremeu na base. As máquinas de quatro canais usadas nos estúdios da época não comportariam a quantidade de idéias que os Beatles faziam jorrar. A solução foi um intrincado sistema de interligação de gravadores que gerou uma enormidade de superposições de fitas. E as fitas nunca pareciam suficientes para a criatividade dos Beatles – encharcados de LSD, eles escancararam as portas de sua percepção.

A obra-prima de Sgt. Pepper’s foi uma das últimas verdadeiras parcerias de Lennon e McCartney. John havia começado a escrevê-la sozinho, baseado em dedicada leitura dos jornais e na morte da milionária Tara Browne, amiga dele e dos Stones, vítima de um acidente automobilístico. Paul ofereceu para John algumas frases curtas – “acordei, caí da cama, arrastei o pente pela minha cabeça”. “A Day in the Life”, a música escolhida para encerrar o álbum, foi, provavelmente, a faixa mais difícil – todas as demais davam uma sensação de picadeiro de circo, até mesmo a indianista e intimista “Within You, Without You”, de George Harrison, que terminava em gargalhadas. Em “A Day ín the Life” os Beatles queriam ser sérios. Como nunca. Para o grand finale da música John pediu, literalmente, “um som que crescesse do nada e chegasse até o fim do mundo”. Martin encomendou uma orquestra de 41 músicos. Deu a eles apenas uma instrução: disse quais eram as notas mais altas e mais baixas que teriam que tocar. No miolo, era cada um por si. O resultado estonteante foi comparado por um crítico ao som “de um sarcófago sendo fechado”, mas para os Beatles ainda não era um encerramento definitivo. Adicionaram, nos últimos sulcos do disco, duas coisas a mais: primeiro, um palavreado incompreensível gravado de trás para frente. Depois, uma nota na freqüência de 20.000 hertz, audível apenas para cães.

José Emilio Rondeau

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