Beatlemania Nacional

Edu Henning relembra seu primeiro encontro com Lizzie Bravo, há exatos 36 anos

Perdemos Lizzie Bravo.
Passei o dia com o corpo dolorido. Que dia triste, desconfortável.

Lizzie é de uma gigantesca importância no universo dos Beatles. Mas, sempre achei que a sua história deveria ter sido muito mais valorizada e respeitada pelos brasileiros.

Lembro que nos anos 70 ouvi de alguns (que eram influenciadores da época) que o acontecido com a Lizzie não passava de uma fantasia. Na verdade naquele momento não tínhamos o mar de informações que atualmente nos cercam. As literaturas eram raras e aqueles poucos que levantavam dúvidas eram considerados “os grandes Beatlemaníacos brasileiros”. Não demoramos muito tempo para perceber que esses poucos, apesar do poder de influência que tinham naquele momento, estavam completamente errados ou inteiramente enciumados (e alguns daqueles sujeitos estão até hoje por aí fazendo negócios em cima dos menos avisados).

Lembro onde, quando e como conheci Lizzie Bravo. Foi na sede da EMI, na Rua Mena Barreto, Botafogo, Rio de Janeiro. Lembro o exato ano: 1987. No mês de outubro. E tenho isso na memória por um simples motivo: a gravadora tinha criado uma ação de marketing em torno dos 25 anos do lançamento de “Love Me Do”. Promoveram o relançamento do primeiro compacto dos Beatles (e com o som melhorado através dos mais modernos equipamentos disponíveis na época).

Então, para propagar, distribuíram um depoimento da Lizzie Bravo em vinil (em formato de LP) para os convidados do evento. Além do vinil com Lizzie contando parte da sua incrível história, a gravadora colocou nas lojas um pôster gigante dos Beatles (com a frase “tudo começou há 25 anos”) e distribuiu plásticos para vidro de carro com a logo do projeto.

Observei que nesse evento não estavam aqueles que se colocavam como guardiões brasileiros do legado dos rapazes de Liverpool. Não vi nenhum daqueles que comumente levantavam dúvidas sobre a veracidade do fato de uma brasileira ter tido a honra e o prazer de dividir o microfone com John Lennon e Paul McCartney. Lizzie Bravo recebia ali o grande reconhecimento por parte do braço brasileiro da gravadora dos Beatles.

Fui apresentado para Lizzie naquele dia. Eu já atuava como representante da EMI no Espírito Santo (fiquei cinco anos com essa responsabilidade). O engraçado é que fui contratado pela EMI por causa dos Beatles. Na verdade, no trabalho de radialistas e como produtor e apresentador do programa de rádio Clube Big Beatles, vivia telefonando, mandando correspondências e faxs para a EMI reclamando da péssima qualidade dos discos dos Beatles lançados no Brasil. Um dia o departamento de promoção precisou de um representante em terras capixabas e lembrou daquele sujeito que perturbava todos o tempo todo.

Então, ao ser apresentado a Lizzie naquele evento, o diretor do departamento de promoção fez questão de dizer que eu era um apaixonado pelos Beatles. Realmente o executivo da gravadora tinha razão, mas eu estava diante de uma doce mulher que conviveu, conversou, tirou fotos e até mesmo gravou com os meus ídolos. Pouco falei. Muito observei. E saí do evento com pôster gigante, release, plástico para carro, vinil promocional debaixo do braço e com o prazer de ter apertado a mão e trocado poucas palavras com a brasileira que faz parte da história da maior banda de todos os tempos.

Esse primeiro encontro tem exatos 36 anos. E depois disso fiquei amigo dessa gigantesca e simples mulher que mais tarde descobri que fora casada com Zé Rodrix, que era uma sensível fotógrafa, que emprestou sua voz em discos que nunca cansei de ouvir e que era a verdadeira e única “esperança de óculos” do clássico “Casa no Campo” (de autoria de Tavito e Zé Rodrix) e popularizada na voz de Elis Regina.

Os amigos (e modestamente me incluo nesse grupo) acompanharam o quanto Lizzie se manteve ao lado da mãe que sofria de Alzheimer. Bem provavelmente esse tenha sido o motivo de tanta demora para o lançamento de seu incrível e tão bem editado livro (Do Rio a Abbey Road).

Agora, com 70 anos, se preparava para disponibilizar o livro em inglês e estava diretamente envolvida no processo de execução de um documentário sobre a sua história de vida.

Mas, o bondoso e benevolente coração da “esperança de óculos” resolveu parar. E essa não foi a primeira vez que isso aconteceu, não. Seu coração com certeza já tinha parado naquele dia em Londres quando dividiu o microfone com John e Paul na gravação de “Across The Universe”. Só que agora Lizzie segurou a respiração e foi passear em todo o universo (Across The Universe).

Editor

José Carlos Almeida

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