Você não pensou em provocar uma nova vinda do George Martin ao Brasil?
Não objetivamente, mas por algumas ocasiões fui procurado por gente que queria trazê-lo. Com o tempo, fui vendo que era a maior roubada estar nessa posição. Na primeira vez, fui procurado por uma empresa carioca que estava desejando trazer Martin para um concerto num parque da capital paulistana e não tinha o contato, nem a menor idéia de como fazer em São Paulo o que havia sido feito no Rio. Mandei fax, Martin a princípio topou vir, me passou as condições para que eu garantisse que tudo desta vez corresse como deveria. Estava tudo indo bem, foi mais ou menos na mesma época em que eu estava traduzindo o livro de Pepper – no primeiro semestre de 95. A coisa tava bem adiantada, lembro que já se falava numa data. De repente, o cara da produtora me ligou. “Olha, é o seguinte: nosso patrocinador é uma fábrica de refrigerantes e o diretor é muito amigo de um cara de um fã clube lá de São Paulo, que parece não gostar de você. Sofri uma certa pressão e tenho que te dizer que você está fora do projeto!” Caramba, depois de tudo quase pronto o cara me vem com esse papo babaca? O projeto tava indo bem, inclusive Renato Russo havia me dito que topava ser o crooner no show. Eu mandei o CD “Stonewall” pro Martin, depois ele me mandou um fax elogiando a voz do Renato. Tenho isso guardado. Quando viu uma xerox do fax, Renato guardou pra mostrar pros amigos e ficou tão feliz com o elogio (“he sings beautifully”) que me mandou alguns CDs de presente.
O que houve com o projeto então?
Era início de maio, agora me lembro. Num dos emails que me mandou, Martin fez uma confidência acerca do projeto “Anthology” – em que vinha trabalhando. “Tenho escutado diversas sobras dos Beatles em Abbey Road e na verdade semana que vem estarei com Paul, George e Ringo”. Não sei porque falou aquilo, mas tenho guardado até hoje e na época me bateu como “provocação” – no bom sentido, é claro. Por uma coincidência dessas que ninguém explica, Robertinho de Recife ligou-me na mesma semana dizendo que ia a Londres para masterizar o novo CD de Fagner (“Retratos”) no estúdio da Abbey Road! Robertinho ligou-me numa quarta-feira; no sábado estávamos embarcando! As melhores viagens são aquelas que você faz sem ter programado. Na véspera do embarque, enviei um fax para Martin dizendo: “Estamos chegando aí!”. Quando chegamos, ligamos pra sua casa e seu filho Giles marcou de nos encontrarmos com eles no AIR Studios na segunda-feira. Seria a oportunidade de conhecermos a tal igreja transformada no estúdio inaugurado em 1993. Quando lá chegamos, visitamos as instalações e almoçamos com Giles e Burgess, para depois do almoço seguirmos de táxi para Abbey Road – onde Martin nos aguardava. Quando nos anunciamos na recepção do estúdio, ele desceu e veio cumprimentar-nos (estávamos eu, Robertinho, sua esposa e uma irmã) – levando-nos em seguida para um tour pelos três estúdios principais do velho casarão (que eu já conhecia, da viagem de 92). Em seguida, tomamos um café e sentamo-nos todos no jardim de inverno do estúdio – ao lado da cantina. Ele comentou que estava ouvindo out-takes de “I´ll Be Back” e emendou na pergunta: “Como está o projeto para a ida a São Paulo?” Respondi que não sabia, pois havia sido desligado do projeto nos últimos dias. Ele boiou e eu tive que contar. Ouviu com atenção, absorveu e emendou: “Agora sou eu quem vai te dar uma notícia fresquinha: o Ringo não vai mais ao Rio!”
Epa, que história é essa?
Quando o prefeito do Rio, César Maia, começou com a história maluca de que reuniria os Beatles no reveillon de 95/96, ali no iniciozinho de 95, eu resolvi aproveitar a deixa. McCartney eu sabia que não tinha planos de turnê, muito menos George. Mas o Ringo vinha fazendo shows com relativa frequência, acho que estava no meio de uma turnê. Bem, tratei de enviar um fax para o gabinete do prefeito – explicando da impossibilidade de sua idéia, mas explicando que Ringo era uma opção e que talvez eu pudesse ajudar. Cara, eu mandei este fax de manhã cedo e saí pra trabalhar. Ainda na parte da manhã, meu pai ligou-me pra dizer que o prefeito havia me ligado (rindo). Eu retornei a ligação, o prefeito atendeu e perguntou se podia ir lá ainda naquele dia. Eu fui com meu ex-sócio no “International Magazine”, tablóide que eu começara a editar naquele janeiro de 95. Marcos tinha – e tem – experiência em produção, então realmente estávamos dispostos a tocar a coisa. O prefeito explicou de seu real interesse, então eu – de posse do fax do empresário de Ringo, conseguido com o pessoal do AIR em Londres – mandei uma carta me apresentando e explicando a idéia. Poucos dias depois, um fax baixou dizendo que a idéia do show aberto numa praia carioca apetecia – mas que, para que isso não ficasse caro demais pra prefeitura, um show fechado (com bilheteria) talvez fosse recomendável. Mandei então um fax para uma grande casa noturna da Barra, explicando – na ingenuidade – tudo o que estava sendo feito. Cara, eu demorei a entender quando, já no dia seguinte, saiu uma nota enigmática na coluna do Zózimo afirmando que a tal casa fechara contrato com Ringo Starr para shows no Rio. Tenho tudo documentado, mas vou tentar lembrar de cabeça. O prefeito veio a público, dizendo que teria show do Ringo na praia. Eu recebi um fax do tour manager de Ringo, dando-me um esporro porque soubera que o prefeito já estava anunciando o show – quando ainda estávamos apenas negociando. Eu expliquei que provavelmente aquela nota rolara em função de uma primeira, que ele desconhecia, e que fora aparentemente plantada por alguém que leu o fax que eu enviei propondo um show com bilheteria pra compensar o show gratuito na praia. O cara ficou sem graça, pediu desculpas e pagou um esporro em quem fez a sacanagem – e que foi exatamente quem havia lhe enviado cópia da segunda nota publicada, mas não da primeira. Pra tentar contemporizar, um famoso showman, que fazia o papel de relações públicas da casa, ligou-me para me sondar e percebeu que eu estava puto nas calças com a sacanagem. Convocou-me para uma reunião e fui com meu sócio e uma estagiária. Lá conheci a figuraça que havia feito a cagada, um trator em forma de mulher. Esta pessoa acabou saindo de lá em pouco tempo. Pra encurtar, a mulher me disse que só interessava fazer show do Ringo se não houvesse show na praia. Não acreditava que a casa pudesse lotar, se houvesse show gratuito na praia na mesma ocasião. Na mesma semana, o prefeito acabou mandando dizer que politicamente não seria interessante fazer competição com uma casa noturna famosa. Criou-se um impasse, devidamente por mim explicado ao tour manager de Los Angeles, mas nós ainda tentamos montar um esquema com um empresário que desejava incluir o show da praia numa rota que incluiria shows em São Paulo e em Buenos Aires. Chegamos a jantar com o cara no Leblon, mas acabou não dando em mais nada.
Com George Martin e Robertinho do Recife no Abbey Road Studios – Maio de 1995
Como ficou então?
Foi aí que de repente eu viajei pra Londres e soube da notícia por Martin. Ringo ficou um pouco desmotivado com a bagunça generalizada – e pública – que chegara ao seu conhecimento. Segundo Martin, quando os Beatles estiveram juntos no estúdio na semana anterior, Ringo comentara o problema e sua decisão de não mais vir. Martin disse que tanto ele quanto Paul haviam insistido para que ele viesse, pois tinham boas lembranças do Rio. Mas não teve jeito. Cara, eu nem me toquei daquela notícia que ele estava me dando, sabe? Quando ele falou que os três haviam estado ali na sexta-feira, três dias atrás, eu quase pirei. Por pouco não havia chegado na hora certa. Isso explicou aquele monte de tubos e instrumentos com a etiqueta Apple espalhados no chão do estúdio 2. Quando, em 1995, saíram as fotos de divulgação de “Anthology”, reparei que na foto dos três com Martin ele está com o mesmo colete de nylon azul com que nos recebeu. E entendi que, naquela sexta-feira, os três haviam ido lá pra fazer aquela sessão de fotos de Linda McCartney – em que Paul (de óculos escuros) e George (de terno branco) aparecem tocando violões, enquanto Ringo segura as baquetas. Só algumas horas depois daquele papo no jardim, que eu entendi que Ringo não mais viria. Semanas depois, também entendi que o próprio Martin também não mais viria. O excesso de terceiro-mundismo assusta os gringos. (…) Mas, voltando àquele dia em Abbey Road, depois do café no jardim, Robertinho subiu para o estúdio de masterização e eu continuei conversando com Martin no corredor. Ao final, vendo minha decepção por ter perdido o encontro dos Beatles, mandou-me uma na boca do estômago: “Paul estará aqui amanhã às 14hs”, já subindo a escada que o levaria ao Penthouse Studio. “Tá brincando, não posso perder isso!” Ele riu e disse: “Eu sei que você não vai perder!”, piscando o olho e sumindo. Já sabe o que fiz no dia seguinte, não?
Você voltou às 14h.
Não, voltei antes. Cheguei às 13:30, pra não dar bobeira. Como estava acompanhando um trabalho que estava sendo feito, tinha credencial pra entrar e sair. Foi engraçado, pois às 13:50 passou um batalhão de fãs suecos, fotografando o estúdio por fora – bem ali, no pátio do estacionamento. Às 13:55 eles saíram pra fazer fotos na famosa travessia da Abbey Road e de repente a Mercedes de Paul entrou no estacionamento vazio. Eu estava na porta do casarão, no alto da escada – com minha câmera, minha mochila e uma sacola com um LP pra ele autografar. Quando ele saltou do carro pelo lado esquerdo, comecei a fotografar – mas ele foi rápido e só bati duas chapas antes dele começar a subir a escada. Quando aproximou-se, estendi a mão e ele a apertou com uma força que só os baixistas devem ter! (risos) Mas percebi então que minha posição e meu comportamento o assustaram. De onde eu estava, ele era alvo fácil. Por isso na foto você vê que ele olha para o que eu carregava comigo. Quando ele entrou, o secretário John Hammel partiu pra cima de mim violentamente. Você vê na foto, ele está abrindo a porta do carro e olhando atentamente. Ele ficou louco, queria que eu lhe entregasse o filme da máquina. Eu deixei ele falar, depois me identifiquei e expliquei porque eu estava ali. Expliquei que estava a trabalho e informei quem me dissera que Paul ia chegar. Ele se acalmou e me explicou porque a coisa era sempre tão tensa (como se precisasse me explicar). Ao entrar no carro para manobrar, eu pude ver no console um monte de cassetes com a letra do Paul nas caixinhas – como a gente veria depois no clip de “Young Boy”, lembra? Cara, aquilo realmente me deixou nervoso! (risos) Logo depois, lá dentro, vi a porta do estúdio entreaberta e dei um alô. Martin me apresentou, eu pedi desculpas pelo susto, mas tava tão sem graça que não pedi nem foto e nem autógrafo. Aquela era a terceira vez que eu estava diante de Paul.
Paul McCartney sobe a escada do Abbey Road – Maio de 1995
Como foram as vezes anteriores?
A primeira vez foi no dia em que ele chegou ao Rio. Foi a noite da primeira chuvarada, aquela que atrasou a montagem do palco e fez com que o show de Quinta 19/04 fosse adiado para Sexta 20/04/90. Eu tinha passado na porta do Rio Palace à tarde, quando começava a chuviscar, e estava a maior muvuca. Estive rapidamente com o diretor Richard Lester, que estava preparando o filme “Get Back”. À noite, quando vi na TV que o primeiro show estava adiado, respirei fundo… porque o dia 19/04 seria o casamento de meu irmão e eu já havia avisado que não perderia o show por causa de casamento algum. Com o adiamento, eu poderia ir ao show. Bem, naquela noite, bem tarde, quando a chuva já tinha parado, saí a pé pela Av. Atlântica em direção ao hotel. Eu morava a uns 2 km e fui caminhando, vendo os estragos da tempestade e aproveitando para pegar alguns dos galhardetes “Paul In Rio” que o vento arrancara dos postes. Quando cheguei ao hotel, não havia nenhum dos fãs que à tarde haviam aparecido na TV – como que acampados ali. Eu esperava conhecer gente, sabe? Não havia uma alma sequer, mas do lado de fora eu vi – pela janela do bar do lobby – a cabeça loura do Hamish Stuart. Resolvi entrar, meio sem jeito, com medo de ser expulso. Com o tempo, aprendi que só as putas e os pivetes não conseguem passar da porta dos grandes hotéis. Lá dentro estava um monte de gringos da produção, ansiosos para que o ônibus com a galera presa no Maracanã chegasse logo. Localizei Hamish, Wix e Robbie McIntosh com os olhos. O único papel que encontrei na carteira foi meu cartão de visitas de advogado, então fui pegar meus autógrafos. Quando estava saindo, vi alguém com aquele cabelo mullet sentado de costas, conversando com uma cara familiar – e que depois lembrei tratar-se de Barry Marshall, o tour manager. Aproximei-me pela lateral, era o Paul. Ele sacou logo qual era a minha, pois eu estava com o cartão e a caneta na mão. Demonstrou surpresa, levantou-se, autografou, me deu um tapa no ombro e eu saí sem entender nada. Foi muito rápido, eu não contava com aquilo. Voltei pra casa e demorei a dormir. Depois dos dois shows, depois de Paul ter ido embora, voltei sei lá porquê ao hotel com alguns amigos e descobrimos que Wix continuava no Rio. Ele deu uma entrevista pra gente, mas – como não estávamos esperando isso – foi uma entrevista informal, sem gravador e sem foto.
A segunda vez foi em São Paulo, em dezembro de 93. Credenciado pelo “International Magazine”, eu poderia assistir à coletiva. Não contava com mais nada. Fui pra São Paulo com meus amigos Daniel Uram e Sérgio Nogueira e lá juntamo-nos a mais dois amigos. Fomos ao hotel onde a banda estava e conversamos com Hamish, Robbie e Blair Cunningham e, na tarde do show, pegamos o carro e fomos pro Pacaembu. Quando estávamos chegando perto, sentimos uma certa movimentação de carros e percebemos que era Paul & cia chegando ao estádio – então Daniel aproveitou o vácuo e foi atrás do comboio. Os portões de trás foram abertos e carro após carro foram entrando. Quando chegou a hora do último, que era o nosso, abri a janela do carona, sacudi a credencial e falei: “Também estamos com o Paul!”. O cara nem questionou, o carro nem precisou parar. Foi a sorte dos demais, pois somente eu tinha credencial. Estacionamos e fomos ver o que estava acontecendo. Paul e sua banda fizeram um ensaio num ginásio anexo ao Pacaembu por uns bons 40 minutos, e nós ficamos bem do lado de fora, a poucos metros, ouvindo tudo mas não podendo ver. Tocou aquele repertório que a gente costuma ouvir nos piratas de soundchecks. Depois ele foi ao palco passar rapidamente o som e foi fazer a coletiva. Assisti à coletiva, depois rolou uma rápida sessão de fotos e ele passou bem perto, olhando pra minha câmera na hora certa. Olha, já se vão perto de 10 anos e eu não lembro se a ordem dos fatos foi exatamente essa, mas rolaram essas quatro coisas lá atrás: ensaio, soundcheck, coletiva e fotos.
Robbie McIntosh – Dezembro de 1993
Blair Cunningham – Dezembro de 1993
Hamish Stuart – Dezembro de 1993
Nenhuma história com o George?
Calma! (risos) Quando conhecemos Derek Taylor na EMI em 1992, ele havia dito que a melhor forma de conhecer um ex-beatle seria trabalhando em algum projeto que os envolvesse. Eu guardei muito bem o que ele quis dizer. Na época do show do Martin, Ricardo chegou a pensar em algo que pudesse convencer Harrison a vir ao Brasil. Não sei dizer até onde foi naquilo, mas nós mandamos uma carta pro George através do Derek Taylor – acompanhada de um CD do Homem de Bem (“Xanti”, independente – um dos melhores discos que já ouvi). Mandamos também umas gravatas espalhafatosas pro Taylor, pois ele curtia essas coisas. Gravatas baratas, compradas numa loja da rua Gonçalves Dias – aqui no centro do Rio. Algumas semanas depois, Taylor me mandou um fax de sua casa – manuscrito, agradecendo as “belas” gravatas e dizendo que o George havia gostado muito do CD. Algum tempo depois, eu mandei outros CDs do Homem de Bem, mas já não tive mais notícias – até porque Taylor morreu ainda nos anos 90 e perdi meu contato na Apple. Nunca tive contato algum com Neil Aspinall. Mas, voltando ao George, há um lance interessante. Por ironia do destino, em 1994 conheci o fotógrafo Luiz Garrido e ele me mostrou o verdadeiro tesouro que são as centenas fotos inéditas que fez de John & Yoko no ano de 1969. Ele conheceu o casal na lua de mel em Paris, depois acompanhou o Bed In de Amsterdam e depois os encontrou em Londres por duas ocasiões. Vi as fotos e fiquei louco, logo pensando num livro que pudesse lançar aquele material com pompa e circunstância. Eu faria os textos, contando a história, e Garrido – além de entrar com as fotos – traria para o livro a entrevista que seu colega de sucursal havia feito. Apresentei a idéia à editora Genesis, de Brian Roylance, num fax imediatamente respondido. Ele adorou a idéia, pediu fotocópias das fotos (por segurança) e ficou realmente impressionado. Mantivemos contato por fax entre 94 e 95, ocasião em que tive a oportunidade de contar-lhe uma história sobre o projeto “Live In Japan”, de George com Eric Clapton.
Que história foi essa?
Em outubro de 1990, Eric Clapton fez aquele maravilhoso concerto na Praça da Apoteose aqui no Rio. Foi um dos melhores shows que vi na vida, até porque consegui ficar na primeira fila – bem pertinho. Após o show, fui com meu amigo Daniel pro hotel e lá demos de cara com os músicos da banda saindo para uma noitada. Fomos embora e, no dia seguinte, um domingo, resolvi voltar lá pra procurar Ray Cooper, o percussionista. Por que? Ora, além de sideman de Clapton e Elton John há muitos anos, Cooper havia colaborado em muitos discos de George e também gravara com Lennon (nas faixas com Elton John), com McCartney (“Press To Play”) e com Ringo (“Stop & Smell The Roses”). Levei comigo o LP “Somewhere In Englad” (George, 1981), que ele havia co-produzido. Ao chegar ao hotel, dei de cara com Cooper no balcão da recepção e fui logo puxando papo. Ele foi simpático e ficou feliz de ver o LP do George. Ficamos conversando um pouco, em pé ali mesmo, e ele autografou o disco. Perguntei pelo George, comentamos sobre o novo disco dos Wilburys – do qual ele também havia participado. Pedi a alguém que batesse uma foto e, depois de um certo tempo, me assustei ao ver que o próprio Eric Clapton estava sentado numa poltrona – assistindo ao papo. Avancei no cara, peguei um autógrafo e foi o baixista Nathan East quem bateu nossa foto. Estavam todos prontos pra embarcar no ônibus que os levaria ao aeroporto, tive muita sorte mesmo. (…) E aí, um ano depois, quando o George foi fazer aquela turnê pelo Japão com Clapton, numa das entrevistas ele comentou que a idéia da turnê havia surgido porque Clapton voltara de sua última turnê dizendo que “uns caras haviam perguntado por ele na América do Sul”. Cara, aquilo me arrepiou. Não quero bancar o Forrest Gump de história alguma, mas se houve algum sul-americano perguntando pelo George, com certeza fui um deles! Mas eu nunca imaginei que George pudesse cair novamente na estrada, depois de ter interrompido a turnê com Clapton tão abruptamente. Quando ele levou aquelas facadas no final de 99, eu estava em contato com os Capaldi por causa de um projeto beneficente. Liguei pra Aninha na casa deles em Henley, onde são vizinhos dos Harrison e muito amigos também. Eles também têm um apartamento em Ipanema. No meio do papo, ela comentou que George jamais voltaria ao Brasil – porque havia detestado o calor e a muvuca de 79. Ela disse que eles sempre insistiam, mas ele acabou não voltando mais mesmo, né?
Eric Clapton – Outubro de 1990
Que legal. Mas, continuando sobre o contato com o dono da editora Genesis.
Quando fui a Londres com Robertinho em maio de 95, o papo com Roylance já estava rolando há meses. Eu sabia que ele era amigo pessoal de Harrison, por causa de todos aqueles livros que haviam feito juntos desde “I Me Mine” – se não me engano. Roylance queria ver pessoalmente as fotos, com qualidade, e foi visitar-me no hotel – levando um livro que, segundo ele, “havia sido autorizado a dar-me de presente”. Era um limited edition do livro “Live In Japan”, do George. Esses livros são caríssimos, numerados e autografados um a um. Estava autografado e numerado, não era fora de série. Um presentão. Na mesma viagem a Londres, eu havia telefonado pro Derek Taylor. Deixei recado e ele retornou a ligação. Foi um papo furado, mas foi simpático da parte dele retornar. Eu havia lhe enviado as três primeiras edições que eu editara do IM no início de 95, e ele comentou que tinha voltado a escrever pra imprensa e que me recomendava conhecer a revista “Mojo”, que havia começado há não muito tempo. Eu realmente já estava comprando a “Mojo”, que é realmente espetacular.
O que aconteceu com o projeto do livro com Garrido?
Depois de andar bem, começou a emperrar. Não sei bem ao certo, mas a editora ia falar com Yoko. É provável que ela tenha embarreirado – por algum motivo. Em 95 ou 96, ela lançou um livro pela editora – com as fotos que Bob Gruen fez do casal nos anos 70. Depois de deixar a coisa esfriar, eu voltei à carga em 2000 – ocasião em que Garrido resolveu oferecer o material a Yoko Ono. Eu fiz contato com o advogado dela, que cuida de todos os seus lances, e dei início ao papo. Foi naquela época que liberei uma descoberta para “O Globo”, anunciando que nas fotos havia o registro de uma música inédita de Lennon. Yoko chegou a confirmar a existência da letra e aí, quando foi demonstrado um real interesse no material, Garrido achou por bem colocar um advogado fera no assunto pra discutir o assunto frente a frente em Nova Iorque. O cara foi lá e foi um balde d´água fria. Yoko não deixa fazer nada com as fotos, e oferece pouco pelas mesmas. Criou-se um impasse, o que é uma pena. Não se pode fazer nada com as fotos.
E a música inédita?
Bem, quando eu lidei com as fotos em 94 e 95, não prestei tanta atenção. Quando voltei às mesmas em 1999, pra tentar organizar a história que as mesmas contavam, vi que havia realmente algo ali. Garrido conheceu os Lennon na lua-de-mel em Paris, depois foi assistir o Bed-In de Amsterdam. No mês seguinte, creio que em maio, aproveitando o contato, foi a Londres com seu colega repórter. Fizeram uma longa entrevista com o casal no escritório da Apple. Tem uma foto que mostra Mick Jagger chegando pra ensaiar no estúdio da Apple, tem outra de John com Ringo no escritório. Agora, o que mais me chamou atenção é que Lennon é fotografado com um bloco, sentado à mesa e fazendo anotações. Ampliando bem a foto, deu pra ler que o título da letra era “Rock Peace”. Eu imediatamente lembrei-me de que havia algo inédito com esse título, então – remexendo a papelada – encontrei uma notinha numa “Beatles Monthly” de 1969, que dizia que um single solo de Lennon seria lançado com “Rock Peace”, um rock instrumental pesado que teria sido gravado no Olympic Studios, logo depois de uma sessão de Billy Preston. Pesquisando mais, realmente vi que John e Paul estavam mixando o LP “Get Back” num estúdio e que George estava produzindo Billy Preston no outro estúdio, lado a lado. É bem possível que essa instrumental tenha sido gravada numa jam qualquer, mas esta fita não apareceu nem no levantamento de John Lennon (para a caixa lançada em 98), nem quando eu contei esta história pra Mike Heatley e ele mandou vasculhar o arquivo da EMI. Suponho que essa jam tenha ficado num rabo de fita qualquer, e que ninguém hoje tenha condições de verificar. A letra fotografada em maio de 69 poderia ensejar a gravação de um vocal naquela base instrumental noticiada na revista, mas nunca saberemos. Nem Yoko lembra. Mas o fato é que, em outra foto, a gente já vê o John sentado ao piano, tocando e fazendo anotações, e sobre a tampa do teclado a gente vê uma prova da arte-final de um compacto que teria as faixas “Rock Peace” e “You Know My Name”. Não estou autorizado a publicar foto alguma, mas tenho ampliações comigo e mostro a quem quiser. De qualquer forma, no final de maio de 69, John foi fazer o Bed In no Canadá, compôs “Give Peace a Chance” da noite pro dia e resolveu gravá-la no hotel mesmo, para aquele primeiro compacto de sua Plastic Ono Band. É até onde a história pode ir, mas se Yoko lembrou-se da letra já é uma fumaça branca, né? A história saiu em alguns fanzines internacionais para os quais escrevo, e às vezes penso em procurar o Mark Lewisohn pra ver se ele acha esse tape perdido.
Com Rene Van Haarlem e Kenji Maeda – Agosto de 1995
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