O carioca Marcelo Fróes, produtor e pesquisador de música brasileira, também editor do tablóide “International Magazine”, tem uma história privilegiada com os Beatles nos anos 90. Em seu primeiro depoimento sobre o assunto, ele vai fundo na história e registra com exclusividade cada lance.
Como nasceu seu interesse pelos Beatles?
Bem, eu nasci em 4 de junho de 1966 – quando os Beatles já estavam terminando o “Revolver”, portanto não vivi nada da Beatlemania na época. Entretanto, como tenho um irmão 8 anos mais velho, desde os primeiros anos tenho lembranças das músicas. Lembro de “Uncle Albert”, “C Moon”, “Mary Had a Little Lamb” e todos aqueles sucessos do Wings – além de George e Ringo – tocando no rádio. Minha família tinha em casa discos que, ao longo da vida, influenciariam minha vida profissional: o single do “Só Quero Um Xodó” (Gilberto Gil), os LPs “Abbey Road” e “Hey Jude” (Beatles), o primeiro dos Secos & Molhados, o do Roberto de 1970 e os de Renato e seus Blue Caps e dos Fevers daquele mesmo ano. Meu primeiro contato com discos novos foi em 1974, quando meu irmão comprou o LP “Band On The Run” e o compacto “Mind Games”. Eu ouvia muito rádio e meu primeiro disco foi o compacto “You Should Be Dancing”, dos Bee Gees, ganho numa corrida-de-saco na olimpíada de férias do ginásio (risos). Só com o início da adolescência é que comecei a ganhar mesada e, já na idade de tornar-me um beatlemaníaco, pude começar a comprar todos os discos dos Beatles. Eu sempre dei igual valor aos discos da banda e aos discos solo, muito embora muitos não se interessem pelo que eles fizeram a partir de 1970.
Como era tornar-se um beatlemaníaco atrasado na fase pré-Internet?
Não era fácil. Infelizmente rolava muita mesquinharia entre os fãs cariocas, e eu sempre soube da rivalidade entre os fã-clubes de São Paulo. Existe muita vaidade no universo dos fãs, eu sempre verifico isso pois – como editor de um jornal de música – volta e meia tenho contato com fãs dos mais diversos artistas. Mas, em se tratando de Beatles, hoje vejo que a coisa beirava a animosidade. Os veteranos, aqueles que haviam vivido a Beatlemania originalmente, ainda que completamente longe do olho-do-furacão, por incrível que pareça, desdenhavam dos novatos – olhando-lhes com aquela cara de “você ainda tem que comer muito feijão pra chegar até aqui”. Nada contra que cobrassem bilheteria pra exibir vídeos, numa época em que vídeo-cassete era objeto de luxo no Brasil e vídeo de Beatles uma coisa muito difícil. Mas tinha gente que cobrava por xerox de letra, pra gravar fita cassete dos LPs piratas… e tinha até um cara que cobrava 200 dólares só pra (não) ter que copiar seus preciosos vídeos borrados. A gente mal tinha dinheiro pra comprar discos brasileiros, então a solução era se virar. Quando a “Beatles Monthly” voltou a ser publicada em 1982, tratei de fazer minha assinatura. Através dos classificados daquela revistinha inglesa, conheci alguns fãs ingleses e americanos e comecei a fazer trocas pelo correio. Naquela época, ainda não podíamos fazer compra com cartão de crédito internacional e a solução era essa, afinal era muito complicado para alguém durango colocar dólares numa carta pra comprar discos lá de fora. Foi um verdadeiro aprendizado, pois dominei finalmente o inglês lendo aqueles livros maravilhosos que eram publicados lá fora. Meus oito anos de cursinho não me ensinaram tão bem o idioma.
Por que você fala desse boicote dos veteranos com tanta veemência em termos de Beatles?
Porque isso realmente existia, e principalmente porque o acesso ao material importado era muito difícil. As pessoas valorizavam qualquer coisa que conseguissem trazer de fora. Hoje em dia qualquer novo fã se informa sozinho nos sites de busca, e só procura outros fãs quando realmente torna-se beatlemaníaco e deseja trocar mais e mais informações etc. Antigamente, eu entendo que muito iniciante desinformado procurasse os veteranos o tempo todo. Talvez isso cansasse e esse boicote fosse uma reação natural, mas há os que tornaram-se verdadeiros fãs e permaneceram em contato. Eu mesmo fiz alguns poucos amigos, com quem mantenho contato até hoje – e, na época, eles eram tão novatos quanto eu. Mas há os que passaram pela história e sumiram. Alguns deles, quando me encontram, perguntam: “E aí, como vão os Beatles?” Eu só posso responder: “Continuam separados…” Sabe como é? Pra sintetizar, acho que os fãs de artistas internacionais costumavam ser mais egoístas, ciumentos e materialistas. O acesso era mais complicado. As pessoas que curtiam Jovem Guarda, por exemplo, sempre me pareceram mais abertas. Pelo menos, quando fiz meu livro sobre o movimento, recebi muita colaboração desinteressada… e muito apoio também, enquanto que no livro dos Beatles rolou justamente o inverso.
Como assim?
Cara, teve gente que literalmente parou de falar comigo depois que o livro saiu. Nunca entendi direito, mas com o tempo logo desisti de querer entender. Lendo essa declaração, aqueles que sentirem a carapuça irão dizer que eu é que fiquei besta e deixei de falar com eles. Mas acho que devo ter profanado o imaginário de muita gente, conhecendo aquilo tudo lá e de uma certa forma convivendo com aquele universo que existe em torno dos Beatles e que muita gente até hoje imagina como intangível.
Como funcionava esse boicote?
Ah cara, não tinha uma fórmula. Variava, mas a gente sentia na pele. Por exemplo, na minha adolescência, eu sempre que recebia algo ou sabia de algo ligava para alguns desses veteranos para comentar. Tinha uma figura, que morava perto de mim, para a qual eu sempre ligava quando recebia algum disco do Paul em primeira mão. Precisava ver, eu desligava o telefone e ia pra janela esperar: ela vinha correndo feito uma preá pela rua. Mas essa turma, ao contrário, quando tinha acesso a alguma novidade, ficava na encolha e fazia segredinho. Era tudo “não tenho… não sei…”, mas eu sabia que eles sabiam e tinham, entende? Sempre que alguém recebia um bootleg novo ou um advance cassete do novo disco do Paul, se reunia pra ouvir o disco. Eu não era convidado, apesar de conhecer a turma. Aí resolvi me afastar, e finalmente senti até onde poderia ir a baixaria quando saiu o LP “Choba B CCCP” somente na Rússia em 1988. Eu, com meus contatos via correio, havia descoberto um cara na Polônia e, quando o disco saiu, recebi um precioso exemplar aqui em poucos dias. Chamei alguns amigos próximos pra ouvir, mas nenhum dos outros. Acredita que uma das abelhas-rainha ligou pra minha casa, pediu pra falar com um dos convidados e ficou perguntando como era o material e me xingando? (risos) Cara, eu morri de rir daquilo. E comecei a entrar na pilha, só pela sacanagem. Me diverti muito com aquilo, até enjoar.
Como foi o projeto “Os Anos da Beatlemania”?
No início de 1992, reencontrei o biólogo Ricardo Pugialli e ele – que já havia feito livros sobre piscicultura e aquarismo – sugeriu que fizéssemos algo pra comemorar os 30 anos dos Beatles em outubro. De sua idéia inicial, que era a de contar a história em fascículos semanais, migramos para um livro. Procuramos algumas editoras, até acharmos interesse na Gráfica JB. Ele conseguiu marcar uma reunião com alguém da EMI e, no dia marcado, a reunião acabou sendo na sala da presidência e com boa parte da diretoria! (risos) A verdade é que o então diretor de marketing, que muitos anos depois viria a tornar-se meu sócio no jornal, percebeu que era a chance da gravadora fazer um bom badalo com a verba que tinha para celebrar os 30 anos de “Love Me Do”. Na reunião, falamos do livro – intitulado “Os Anos da Beatlemania” – e que ia sair pelo JB. Eles perguntaram o que poderiam fazer por nós, e eu falei que poderiam agitar entrevistas por telefone com George Martin, Paul McCartney, Derek Taylor etc. O presidente imediatamente falou: “Eu acho que isso vocês deveriam fazer pessoalmente”. E assim literalmente ganhamos uma viagem de 10 dias para a Inglaterra. A reunião foi no começo de junho e embarcamos no final de julho, pois o livro teria que sair em 5 de outubro. Um corre-corre danado.
Como foi a viagem?
Naturalmente maravilhosa, afinal eu não esperava conhecer a Inglaterra tão cedo. Naquele ano, eu havia ido a Nova Iorque – que era meu grande desejo consumista, pois lá – nas lojas do Village – eu sabia que encontraria todos aqueles CDs piratas que aqui chegavam muito caros. Bem, no mesmo dia em que chegamos a Londres, tivemos uma reunião com o então diretor de marketing Mike Heatley, hoje vice-presidente mundial da EMI e responsável por estes relançamentos remixados e remasterizados de John Lennon, dentre outros projetos. Ele parece se dar muito bem com Yoko Ono. Heatley montou uma agenda de visitas a Abbey Road etc, e foi muito útil no contato com George Martin. Não que ele tenha intercedido, mas é que – na véspera de nosso embarque – o presidente da EMI brasileira havia recebido um fax do próprio Martin, desculpando-se por não ter tempo para receber os dois brasileiros que estavam indo à Inglaterra. Aquilo havia caído como um balde d´água fria, afinal McCartney a gente já sabia que não iria falar e George Harrison também mandara a secretária dispensar-nos (via fax). Quando comentei que Martin havia fugido, foi Heatley quem me estimulou a insistir. “Aquele pedido foi feito pelo presidente da EMI brasileira; faça agora um pedido seu”. Sentei-me no seu computador e fiz um fax realmente emocional, explicando que não éramos jornalistas e que estávamos ali fazendo um projeto por amor ao Beatles. O cara mandou o fax e nós fomos conhecer Londres. Visitamos Abbey Road com Heatley e com Ken Townshend, o velho engenheiro da época dos Beatles, entrevistamos e almoçamos com Mark Lewisohn, visitamos os diversos locais ligados aos Beatles – em Londres e também em Liverpool. Derek Taylor, um cara muito legal, atendeu um pedido de Heatley e aproveitou uma ida ao dentista para ir nos encontrar no prédio da EMI na Manchester Square – aquele onde os Beatles haviam feito as fotos das capas de “Please Please Me” (63) e “Get Back” (69). Batemos na porta da casa de Bill Harry, sem ter avisado antes, e ele sentou-se conosco num restaurante num shopping em frente. Movido a vinho, ele ia abrindo o bico de acordo com o teor de álcool no sangue. Foi divertido.
Com Bill Harry – Agosto 1992
George Martin – Agosto 1992
E o encontro com George Martin?
Bem, numa última reunião com Heatley, antes dele sair em férias em agosto, ele trouxe a boa nova: George Martin daria a entrevista. Marcou para um determinado dia, em seu estúdio – ainda na Oxford Street. Saí dali louco pra comprar uma versão de “Sgt. Pepper” em vinil, para colher um autógrafo. Seria algo realmente emocionante. Na véspera do dia marcado, o telefone tocou no quarto. Eu estava no banho e corri pra atender. Era a Sra. Judy Martin, esposa de George, muito simpática. Perguntou como estava sendo o passeio etc, e informou que seu marido não poderia mais nos encontrar no dia seguinte. Antes que eu enfartasse, ela comentou que – como nós ainda ficaríamos por dois dias e como o apartamento deles em Londres ficava a uma quadra de nosso hotel (uma coincidência inexplicável, pois Londres é imensa) – ele iria visitar-nos na manhã de nosso último dia. Eu não acreditei naquilo, mas tive que acreditar. Nem lembro quantas dezenas de despertadores foram envolvidos na operação, para que não perdêssemos a hora. Fato é que, na hora marcada, fomos para a porta do hotel de terno e gravata (risos). Olhávamos os carrões que se aproximavam, as limousines e Rolls Royces. A EMI hospedou-nos num senhor hotel em Lancaster Gate, para nossa sorte. De repente, olhei para o lado e o cara já estava a dois passos da gente – vindo a pé. “Vocês são os caras do Brasil?”, veio logo perguntando o gigante, andando a passos largos que quase nos atropelaram. George Martin anunciou que teria 40 minutos, mas a entrevista e o papo posterior somaram bem mais de uma hora de duração. Foi utilizada na íntegra no prefácio de nosso livro.
Como rolou a vinda de George Martin ao Brasil?
Na volta, no avião, lendo uma matéria de capa no Caderno B do Jornal do Brasil, vi que o Teatro Municipal estava carecendo de bons espetáculos – ou coisa parecida. Como George Martin havia expressado imensa vontade de conhecer o Brasil e como havia comentado sua surpresa ao ser ovacionado por 2 mil pessoas no Canadá, imaginei que talvez algo pudesse ser feito para trazê-lo ao Brasil. Através de meu tio, consegui o telefone de Robertinho de Recife – pois precisava pegar uma cópia de seu “Rapsódia Rock”, no qual regravara Pepperland (de Martin), para enviar ao maestro. Comentei com Robertinho sobre a idéia louca de trazer Martin e ele falou que o Municipal não era a melhor opção, mas sim o Projeto Aquarius de “O Globo”. Ele marcou então um jantar em sua casa, para apresentar-nos à produtora do evento. Foi assim que a coisa começou. A partir dali, quando enviei o CD do Robertinho, seguiu junto uma carta em que eu perguntava objetivamente se um projeto para trazê-lo ao Brasil seria benvindo. Algumas longas semanas depois, recebi uma carta assinada por seu sócio John Burgess no AIR (também ex-produtor da EMI em Abbey Road), que fazia as vezes de empresário e me comunicava de que qualquer projeto seria benvindo. Em poucos dias, enviei-lhe um projeto bem montadinho e inclusive uma fita de vídeo com trechos do show do Genesis pro Aquarius nos anos 70. A partir dali, foram dezenas de faxes indo e vindo e depois telefonemas, até tudo ficar acertado. Martin viria ao Brasil em outubro de 1993.
Fróes e Martin – Passeio de Iate – Outubro de 1993
Tudo assim, à distância?
Sim, até um determinado ponto. Tenho todos os faxes, toda a negociação encadernada num livro de capa dura – de tantas que são as folhas. Quando chegou a hora de colher a assinatura, um “produtor profissional” foi chamado e ganhou a passagem pra ir a Londres. “Agora deixa, que nós vamos produzir”, lembro de ter ouvido isso. Foi a primeira decepção, afinal alguém estava indo a Londres só para pegar uma assinatura e uma mala cheia de partituras pra orquestra ir ensaiando o repertório. Quando George e sua família desembarcaram no Rio, antes de entrar no carro que os levaria até o hotel, ele insistiu para que nós o procurássemos naquela mesma tarde. Pelo que ouvi depois, ao chegar ao hotel, Martin chamou sua intérprete e lhe perguntou quem era quem naquele projeto. Quando lá chegamos e nos anunciamos na recepção, Martin desceu sozinho e veio buscar-nos para sua suíte. Foi um papo muito descontraído e ele entregou-me uma cópia de sua autobiografia “All You Need Is Ears” em capa dura. Pelo que percebi, era um exemplar da primeira edição. Num dos faxes eu havia dito que vinha procurando e não conseguia. Ele tirou da própria estante e me trouxe o livro, escrevendo na dedicatória: “Para o Marcelo: um velho livro, de um autor mais velho ainda”. Ao despedir-nos, ele confirmou: “Amanhã a gente se vê no passeio, né?” Eu falei que não estava sabendo de nada e ele surpreendeu-se de saber que não havíamos sido convidados para o passeio de iate que os “produtores” haviam organizado para o domingo. Fez questão que fôssemos, insistiu muito. E nós confirmamos presença.
Que estranho. Por que disso?
Sinceramente, não sei. Só sei que, naquele mesmo dia, ao chegar em casa, recebi um telefonema de um dos produtores e ele ficou gago quando eu comentei que estava chegando do hotel e que o velho havia nos convocado pro passeio. O cara ficou sem graça e sugeriu que fôssemos tomar um chopp… pra zerar qualquer desconforto. Cara, foi muito chato aquilo tudo. O passeio foi legal, mas o clima poderia ter sido melhor pra todo mundo. Durante a semana Martin fez ensaios, tanto no auditório do jornal quanto na Sala Cecília Meirelles, e fez uma matéria especial para a revista Manchete – fazendo uma sessão de fotos numa travessia do Arpoador, com direito a fusca branco na calçada do lado esquerdo. Ele foi de terno azul marinho e perguntou se o fotógrafo preferia que ele atravessasse descalço. Muito divertido. A coletiva de quase duas horas no hotel foi muito interessante, pois ele respondeu a todas as perguntas – feitas por jornalistas, mas principalmente por uma legião de fãs que credenciei e mais uma porrada de penetras! (risos) Ao final, deu autógrafos e saiu pro calçadão da Av. Atlântica para posar para os fotógrafos. Ao voltarmos pro hotel para um chá, Martin foi abordado na porta por um cara de fã clube de São Paulo, que carregava uma sacola cheia de LPs para serem autografados. Martin autografou três discos e afastou-se: “Me desculpe, mas preciso entrar…”. Quando estávamos descendo as escadas, o cidadão veio atrás com sua sacola e tive o ímpeto de detê-lo… pois ele realmente estava sendo inconveniente. Logo depois, já lá embaixo, enquanto tomávamos o café, Martin foi procurado por uma criança, creio que filho do fã paulista que havíamos barrado, trazendo mais um LP para ser autografado. Rindo, Martin autografou dizendo: “Você se parece com alguém que eu já conheço”. No ano seguinte, eu vi uma matéria que este cara fez num fanzine, dizendo que havíamos ganho o apelido de urubus porque havíamos barrado a passagem dos fãs paulistas. Esse tipo de coisa foi me afastando cada vez mais desse universo brazuca, JC.
E como foi o espetáculo?
Bem, uma super banda foi montada pra parte rítmica do concerto. Martin ficou muito impressionado com a habilidade de Robertinho, mas num intervalo do ensaio com a orquestra desceu do palco e veio até onde eu estava com meu pai e disse: “Marcelo, esta orquestra não é lá muito boa”. Morri de vergonha. Dois dias depois foi a passagem de som na Quinta-da-Boa-Vista, que tive a chance de filmar e gravar – por sorte, afinal foi um verdadeiro ensaio geral – com banda, coro e orquestra. Ao final da noite, uma chuva começou a cair. Eu realmente fiquei preocupado com o espetáculo, pois outubro é um mês chuvoso e o artista que havia feito o design do palco havia se “esquecido” de projetar uma cobertura para o mesmo. Não deu outra. No domingo, caiu uma chuva torrencial no Rio e o espetáculo atrasou. As quase 50 mil pessoas esperaram umas duas horas debaixo d´água e Martin acabou subindo ao palco para tomar uma chuveirada sem a orquestra – que não poderia ter seus instrumentos molhados. Regeu o coral das Meninas Cantoras de Petrópolis, enquanto os músicos da banda se espremiam debaixo de uma pequena tenda improvisada. Foi emocionante, mas também foi um vexame. Pra mim, um dos pontos mais legais foi no meio, quando rolou uma mensagem em vídeo – gravada especialmente por Paul num camarim de sua turnê em curso. Quando o concerto de Martin fora confirmado, tratei de enviar um fax diretamente pro Paul no escritório da MPL – pedindo que ele gravasse um vídeo saudando a platéia e também o velho amigo. Alguns dias depois, baixou um fax perguntando qual o nosso sistema de vídeo. Eu mal pude acreditar. Mas, bem, depois do “espetáculo”, todos foram se secar e mais tarde nos reencontramos numa churrascaria na Tijuca.
Churrascaria – Outubro de 1993
Ah não, esse jantar foi algo realmente especial e para poucos. Desde que ficou confirmada a vinda de Martin, imaginei que seria interessante apresentá-lo a alguém de nossa música. Pensei em Tom Jobim por ambos terem trabalhado – na mesma época – nos arranjos das músicas mais regravadas de todos os tempos: “Yesterday” e “Garota de Ipanema”. Tom topou e o British Council patrocinou o jantar na Churrascaria Marius, realizado no dia seguinte ao concerto. O engraçado foi que, na sua coletiva à imprensa carioca, Martin havia declarado que curtia a música de Tom “desde pequeno”. Quando viu a cor do cabelo de Tom, perguntou-me: “Quantos anos ele tem?” Ao saber que eram contemporâneos, ele riu. O jantar foi muito legal, mas não consegui comer. Fiquei só prestando atenção no papo dos dois, que girou sobre amenidades como as esquisitices de Michael Jackson e Yoko Ono. De repente, Martin perguntou: “Marcelo, você não vai comer?” Ao final da noite, nos despedimos pois Martin e a família passariam uma semana em Búzios. Mas eu ainda os veria no aeroporto, na semana seguinte, quando embarcaram de volta a Londres. Um ano depois, o Tom faleceu e Martin escreveu um pequeno texto para um jornal do Rio, falando sobre a importância de Tom e de sua música.
Cenas do encontro entre George Martin com Tom Jobim – Outubro de 1993
Você manteve contato com Martin depois disso, não?
Sim, claro. Além dos tradicionais cartões de Natal, em 94 ele anunciou o lançamento de seu livro “Summer of Love: The Making Of Sgt. Pepper´s”. Enviei-lhe um fax, perguntando se poderia traduzi-lo para o Brasil e, tão logo saiu a primeira edição inglesa, ele enviou-me de presente no Natal de 94. Devorei o livro, procurei uma editora aqui no Rio e comecei a tradução no início de 95. Acabou que a versão brasileira – intitulada “Paz, Amor e Sgt. Pepper” pela editora – ficou a mais correta, pois localizei alguns errinhos bobos – como uma foto de Maureen Cox com o nome de Patti Boyd na legenda! – e ele autorizou-me a corrigir. No final, mandou uma introdução especial para a versão brasileira que realmente lavou minha alma – pois coloca meu nome na história de sua vinda ao Brasil. Afinal, na época do show eu fiz o release… mas limaram minha assinatura ao final. Cedi foto que eu havia feito do George em Londres, para ser distribuída como foto de divulgação… mas esqueceram-se de dar-me o devido crédito obrigatório. E as matérias publicadas acabaram não contando a verdadeira história deste projeto.