The Beatles

ESTADO DE MINAS: Get back passou a limpo a história da separação dos Beatles

Os últimos dias foram de absoluto deleite para os beatlemaníacos. Em cartaz na plataforma Disney+ a partir de quinta-feira (25/11), a série documental “The Beatles: Get back”, assinada por Peter Jackson, entregou muitas novidades em oito horas de registro – divididas em três episódios – dos 22 dias em que a banda produziu no estúdio as faixas do álbum “Let it be”, além de canções que foram para o disco “Abbey Road”. Jackson garimpou a série em 60 horas de gravações que permaneceram quase integralmente inéditas.

As gravações ocorreram em janeiro de 1969, feitas por Michael Lindsay-Hogg para o documentário “Let it be” (1970), durante as famosas sessões “Get back”. Como foi lançado após a separação da banda, o filme ficou como uma espécie de epitáfio, uma crônica amarga sobre o fim, potencializado por momentos tensos e discussões entre Paul, John, George e Ringo.

Com 80 minutos, o documentário “Let it be” teve trajetória pífia. Os Beatles evitaram sua distribuição mais ampla, pois não ficaram satisfeitos com o filme. Cerca de 60 horas de gravação foram para a gaveta, onde repousaram por mais de cinco décadas, até que o realizador da trilogia “O senhor dos anéis” trouxe o material à luz, devidamente restaurado, recuperado e transposto para o digital.

“É impressionante você ter três episódios de mais duas horas causando o frisson que está provocando mundo afora. É um produto incrível em termos de linguagem, de recuperação de imagem e do que revela sobre os bastidores daquele período”, diz o jornalista Edu Henning.

Produtor musical, Henning faz parte do grupo capixaba Clube Big Beatles, que há mais de
30 anos se dedica ao repertório dos Fab Four, já se apresentou várias vezes em Liverpool e lançou álbuns com canções de John e Paul que permaneciam inéditas.

Henning destaca a qualidade técnica “extraordinária” de imagem e de som a que se chegou a partir do material, registrado em película, que ficou por tanto tempo guardado. Ele assistiu à série com fone de ouvido. Conta que prestou atenção no som do sapato marcando um compasso no chão, da porta batendo e de algum objeto sendo deixado sobre a mesa.

“Esses elementos não foram captados no áudio original, que tinha foco nos instrumentos e nas vozes da banda. Os confeitos do bolo, a magia do detalhe, isso tudo foi colocado agora com uma sensibilidade extraordinária. É tecnicamente perfeito. Caí para trás assistindo à série”, comenta.

“No que diz respeito à imagem, você vê a roupa, o anel, o dedo machucado do Lennon; a textura do casaco de couro e a cor da calça do Harrison; a blusa estampada do Ringo”, diz Edu.

O jornalista acredita que a série de Peter Jackson contribui para certa reabilitação de “Let it be”, ao expandir o quadro do que o filme de Lindsay-Hogg mostrava. “Quando a gente assistiu lá em 1970, foi muito decepcionante, pois o filme basicamente dizia que o sonho acabou. ‘Let it be’ sempre representou o término, a ruptura dos Beatles, em clima muito tenso e agressivo”, diz.

Em “Get back”, as discussões que aparecem em “Let it be” são contextualizadas, afirma ele. Vê-se que não se tratava propriamente de brigas. Ao longo dos últimos 26 anos, Henning tem ido com frequência à Inglaterra e percebeu que a maneira como os britânicos debatem algo é firme, mas não desrespeitosa ou agressiva.

“Quando você entende a postura desses caras, vai lá atrás em ‘Let it be’ e vê que não é tão pesado assim, eles estão debatendo, conversando. ‘Let it be’ mostra uma discussão do Harrison dizendo que toca do jeito que quiser, como quiser, na hora que quiser. Isso, para a gente, foi sinônimo de final de Beatles. Em ‘Get back’, a discussão dele com Paul é mostrada como um todo, e você vê que não é uma briga. A frase do Harrison está dentro de um contexto, não é tão agressiva assim”, aponta.

Aggeu Marques, que integrou diversas bandas cover dos Beatles, como Hocus Pocus, Yesterdays e a Sgt. Peppers, diz que “Get back” dissipa a nuvem sombria sobre aquele momento da trajetória dos Fab Four, a qual “Let it be”, ainda que sem intenção, contribuía para perpetuar.

Ele destaca que Paul McCartney, em entrevista para Howard Stern (disponível no YouTube), admite, após assistir a “Get back”, que suas lembranças sobre aquele período foram de certa forma turvadas pelo clima do documentário “Let it be”.

“Paul diz que se lembrou, depois de assistir a ‘Get back’, de que o momento entre eles era bom. Você vê a interação alegre entre os caras. É uma fase importantíssima da carreira deles, que precedeu o lançamento do ‘Abbey Road’, o último disco gravado e é uma maravilha. O documentário do Peter Jackson esclarece como era o clima. Eles estavam numa situação boa, interagindo”, diz Aggeu. “Foi muito bom trazer à luz essa parte da história que não foi contada direito nem pelos próprios Beatles.”

O que mais chamou a atenção dele foi o processo de criação utilizado pela da banda.

“A proposta do ‘Let it be’, lá em 1970, já era mostrar o desenvolvimento de uma música, que começa do nada, ganha corpo e vai mudando até chegar à versão final. ‘Get back’ flagra isso com muito mais amplitude. Ali você vê que a interação musical deles era uma coisa maravilhosa, a forma como um entendia a linguagem do outro. Aquela imagem do Paul McCartney circunspecto, de barba, meio triste, é suplantada pelos registros dos quatro trabalhando, fazendo música de altíssimo nível, interagindo com momentos de discussão, sim, mas também com alegria”, ressalta.

O cantor e compositor Affonsinho considera que “Get back” equilibra o que em “Let it be” pendia só para um lado. “A série mostra o processo criativo deles com momentos de descontração, mas também tem a parte que se relaciona com ‘Let it be’, você vê os caras conversando e sabe que tem problemas ali, com um clima não muito bom, e eles meio sem saber para onde ir. O ‘Let it be’ pegou só esse lado triste; o ‘Get back’ pega os dois lados, o que tem mais a ver com a vida, com momentos alegres e outros tristes, com momentos de discordância e outros de consenso”, diz.

Dizendo-se “fã sem ser fanático”, Affonsinho gostou da série e pretende vê-la novamente para apreender detalhes: o microfone com o qual os Beatles gravaram, a forma como ele é posicionado em frente aos instrumentos, as conversas dos integrantes da banda sobre Yoko Ono – que, na série, está sempre no estúdio.

Profundo conhecedor da história dos Beatles, o produtor Jeová Guimarães conta que quando “Let it be” foi lançado, ele e os amigos costumavam ir ao cinema na primeira sessão, às 10h, e só sair depois da última, à meia-noite.

Depois dessas maratonas, Jeová concluiu que o documentário de Lindsay-Hogg era o canto do cisne da banda. “Ele ficou marcado como o filme que mostrava que os Beatles não se davam, mas agora, com ‘Get back’, a gente vê que eles não se davam em determinados momentos, mas se davam bem em outros. Estou conhecendo um outro lado.”

Outra coisa que chamou a sua atenção foi a coloração das imagens. Diferentemente do tom algo sombrio de “Let it be”, em “Get back” o colorido das roupas e do ambiente vem sublinhar o sentimento de interação que os registros capturam.

“Só não consegui acostumar com a coloração que deram aos personagens. A sensação que tenho é de que encheram a cara das pessoas de pó de arroz. Ficou tudo meio rosado”, diz.

O único porém que Edu Henning e Affonsinho apontam é o fato de “Get back” ser um produto de fã para fã. O não iniciado, muito provavelmente vai se entediar. “É um trabalho maravilhoso, mas não é para introduzir, não é para quem não conhece Beatles. Quem não conhece vai achar chato, fragmentado”, diz Henning. “Não é para amadores.”

Affonsinho concorda. “Para quem não é fã dos Beatles, pode ser meio chato, porque os caras tocam um pouco, erram, param, começam a brincar muito. Para quem não é fã, talvez seja um pouco cansativo.”

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