Imagine uma relíquia musical que captura os Beatles em um momento de vulnerabilidade, antes de se tornarem os gigantes que revolucionaram o rock. Pois esse tesouro acaba de ser desenterrado por Rob Frith, dono da Neptoon Records, uma loja de discos em Vancouver, Canadá. Ele encontrou uma fita de rolo raríssima, rotulada como “Beatles ’60s Demos”, que contém a audição feita pelo quarteto em 1º de janeiro de 1962 para a gravadora Decca Records – um teste que, pasmem, terminou em rejeição. O material, que inclui um trecho de “Money (That’s What I Want)”, foi compartilhado por Frith no Instagram, e a qualidade, segundo ele, é “surreal”, oferecendo um vislumbre cru de John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Pete Best antes da chegada de Ringo Starr.
A história dessa fita é quase tão fascinante quanto os próprios Beatles. Gravada em um dia de ressaca pós-Réveillon, após uma exaustiva viagem de 340 km de Liverpool a Londres em meio a uma nevasca, a audição não impressionou os executivos da Decca. O repertório, que misturava originais como “Love of the Loved” e “Hello Little Girl” com covers de Chuck Berry e Buddy Holly, não convenceu Dick Rowe, chefe de A&R da gravadora, que decretou que “grupos de guitarra estavam fadados a desaparecer”. Um erro histórico monumental, já que meses depois os Beatles assinariam com a EMI/Parlophone e explodiriam sob a tutela de George Martin. A fita, por sua vez, viajou de Londres para o Canadá nas mãos de Jack Herschorn, ex-dono da Mushroom Records, que pensou em pirateá-la nos anos 70, mas desistiu por receios éticos.
Hoje, essa gravação é um lembrete do quão imprevisível pode ser o caminho para o sucesso. As condições da audição eram longe de ideais: Pete Best, que logo seria substituído por Ringo Starr, não parecia à altura do talento do trio da frente, e o atraso do executivo Mike Smith – que curtia a ressaca do Ano Novo – só piorou o clima. Ainda assim, o registro sobreviveu, guardado por anos até Frith percebê-lo como uma cópia direta da master original, e não um simples bootleg. A descoberta reacende a curiosidade sobre os primórdios dos Fab Four e o famoso “não” da Decca, que, ironicamente, abriu portas para os Rolling Stones logo depois. Um pedaço de história que prova: até os maiores gênios já foram subestimados.