POR FELIPE FIGUEIREDO MELLO*
Há quem diga que o grande ano do breve século XX tenha sido 1968. É difícil discordar!
Ano de distensões plenas, de divisões entre o arrojo progressista de uma juventude cheia de ideias e o conservadorismo do establishment. É o ano das Primaveras de Praga e de Paris!
No caso dos Beatles, o ano de grandes distensões, divisor de águas mesmo, foi 1965! Este foi o ano em que eles começaram a abandonar o frenesi maníaco, quase explosivo, das baladas amorosas, das turnês incansáveis, das drogas estimulantes e iniciaram jornadas pessoais e coletivas de autoconhecimento, de exploração musical, de viagens canábicas e, por que não?, de rompimentos amorosos.
1965 foi o ano que delineou praticamente toda a carreira da banda e dos quatro beatles como músicos solo.
O dia de hoje celebra os cinquenta anos de Rubber Soul, o primeiro álbum-conceito do rock e uma espécie de chave-de-ouro fechando este riquíssimo ano.
Sem trocadilho, Rubber Soul é um disco com alma! É um álbum com vida própria porque tem começo, meio e fim (o tal do ‘conceito’), porque mais do que a batuta de George Martin, foi a brilhante harmonia do quarteto que definiu sua estética.
Mas é um disco com alma, principalmente, porque dialoga profundamente com o ouvinte. É como se eles quatro estivessem abrindo suas caixas-de-pandora mais íntimas e particulares e nos oferecendo leituras artísticas delas para que nos fosse compreensível. É disso que se trata “Nowhere Man”, uma das mais belas letras já escritas, ou “In My Life”, que é puro Lennon exposto aos nossos ouvidos e corações!
E os Beatles tinham esse quê dos gênios (e dos loucos!), como se fossem ‘antenas’, captando sinais externos incompreensíveis, transformando-os em linguagem e difundindo-os para todos os cantos. Eles anteciparam, já em 1965, a difusão das drogas em escala global, o desprendimento amoroso e a expressão da rebeldia que marcaram 1968.
Não há no disco sequer uma música deslocada de contexto: “Drive My Car” e “Run For Your Life”, respectivamente, abre e fecha o álbum com um tema de romance desprendido, desapaixonado, como “Norwegian Wood”, que conta subliminarmente um caso extraconjugal de Lennon. Nessas três músicas, também, há um George Harrison de mangas arregaçadas e absolutamente criativo com sua guitarra e inovador com os acordes de cítara (sua porta de entrada para o Oriente!). “I’m Looking Through You”, “You Won’t See Me”, “Think For Yourself” e “If I Needed Someone” indicam um amadurecimento dos garotos no amor, como canções que celebram o rompimento com altivez, mais que a insegurança juvenil das canções dos anos anteriores.
Além da experiência com a maconha, Bob Dylan também (e principalmente) ofereceu ao quarteto uma interlocução com o folk, que tanto aparece nos arranjos das músicas do disco.
O nome Rubber Soul também indica amadurecimento estético, porque é um diálogo com o conceito da Plastic Soul, com o qual músicos negros classificavam a artificialidade da música dos brancos. O nome do álbum é, ao mesmo tempo, uma confissão de inaptidão e uma carta-de-apresentação dos músicos britânicos àqueles que eles tanto admiravam. Mostra de humildade e arrojo!
A capa é resultado do fotógrafo Roberto Freeman com o acaso. Paul conta que depois de uma sessão de fotos, Freeman propôs mostrá-las em uma projeção de slides sobre um pedaço de cartolina do tamanho de um vinil, para terem uma ideia exata do que seria o produto final. A certa altura, a cartolina caiu para trás e a projeção ficou deformada no papel: “Hey… Rubber Soul!”, disseram eles (antenas!), apontando para a foto.
Um último simbolismo do impacto do álbum foi que este desbancou, ainda nas últimas semanas de 1965, a trilha sonora de A Noviça Rebelde. Um prenúncio de que novos tempos estavam chegando…
* Felipe Figueiredo Mello queria ter vivido em 1965!
Rubber Soul:
E Rubber Soul em 8-bit!:
Fontes e +MAIS:
Efemérides do Éfemello
Às vezes não consigo lembrar de acontecimentos do do mês passado…porèm existem acontecimentos que marcam eternamente a vida da gente…Rubber foi um destes…não pelo lp..não pelas músicas más de como consegui ter este disco.Minha mão chegou um dia e me deu um maço de cédulas dizendo que havia economizado para que eu comprasse aquele disco que eu tanto queria….Bem o resto..é resto…
Curioso foi que estava pensando nesse disco hoje. Amanheci cantando “Word” sem saber que era data de aniversário. E fiquei pensando em como os Beatles inovaram. Desde o disco um havia novidades, coisas novas. Porém em Rubber Soul foi do princípio ao fim inovador. Descobriram a harmonia de vozes e que harmonia. A partir daí ninguém mais falava apenas no nome de uma música do disco. A gente dizia Rubber Soul. Porque era impossível ouvir só uma. Era preciso ouvir inteiro mergulhando na música. Ao final havia algo novo dentro de nós. E ainda é assim. Pura mágica. Outra mudança para nós. Foi a partir de Rubber Soul que nossos discos chegaram como os originais.
Quanto a In My Life, apesar de parecer mesmo toda Lennon, na verdade tem muito de Paul. Foi co-escrita. Não sei se na letra ou na melodia, mas há muitas passagens de Paul na música. Outra novidade: o som do piano barroco. Cortesia de George Martin. E o riff de George em Think for Yourself?
Me encantou também a canção Michelle, com frases em francês e Girl com som que veio da Grécia Ainda me lembro de quando ouvi o disco pela primeira vez. Via Serviço Brasileiro da BBC. Som cheio de estática…Mas vinha de Londres o que aumentava o encanto. Ao ouvir Paul cantando em francês eu derreti. Tive me sentar porque estava derretida por dentro. O radialista falou algo assim: Os Beatles conseguiram se suplantar. Melhores do que nunca. Não dá para selecionar a melhor faixa…Parece existir uma continuidade…” O tal álbum conceitual surgindo sem que nem se dessem conta.
. E lá estavam eles cantando o amor universal. Say the word and you’ll be free…the word Love. Muito avançados para o tempo. Vanguardistas do rock. Por isso eu digo que não formavam simplesemente a melhor banda. Isso é pouco para eles. The Beatles eram – e são – únicos.