Faleceu a jornalista Maureen Cleave, aquela jornalista que realizou a entrevista com os Beatles, na qual John Lennon soltou a frase “Somos mais populares que Jesus Cristo” (é uma frase mais comprida, mas apenas esse trecho entrou para a história). Não temos ainda informações mais detalhadas sobre as circunstâncias do seu falecimento – aguardamos mais repercussões na imprensa mundial.
Em março de 1966, o Evening Standard de Londres publicou uma série semanal intitulada “Como vive um Beatle?”, a qual apresentava John Lennon, Ringo Starr, George Harrison e Paul McCartney. Os artigos foram escritos por Maureen Cleave, que conhecia bem o grupo e os entrevistava regularmente desde o início da Beatlemania no Reino Unido. Ela os descrevera, três anos antes, como “os queridinhos de Merseyside”, e, em fevereiro de 1964, os acompanhou em sua primeira visita aos Estados Unidos. Além disso, escolheu entrevistar os membros da banda individualmente para a série de estilo de vida, e não como um grupo.
Cleave realizou a entrevista com Lennon em fevereiro na casa do músico, Kenwood, em Weybridge. Seu artigo o retratou como inquieto e em busca de significado em sua vida; ele discutiu seu interesse pela música indiana e disse ter adquirido a maior parte de seu conhecimento lendo livros. Entre as muitas posses de Lennon, a jornalista encontrou um crucifixo em tamanho natural, uma fantasia de gorila, uma armadura medieval e uma biblioteca bem organizada com obras de Alfred Tennyson, Jonathan Swift, Oscar Wilde, George Orwell e Aldous Huxley. Outro livro, The Passover Plot de Hugh J. Schonfield, influenciou as ideias de Lennon sobre o cristianismo, embora Cleave não se referisse a ele no artigo. Ela mencionou que Lennon estava “lendo extensivamente sobre religião”, e citou-o dizendo:
O cristianismo irá acabar. Vai encolher e sumir. Eu não preciso discutir sobre isso; estou certo e serei provado certo. Somos mais populares que Jesus agora; eu não sei qual acabará antes – o rock ‘n’ roll ou o cristianismo. Jesus era bom, mas seus discípulos eram cabeças-duras e ordinários. Eles distorcem isso, e é o que estraga tudo pra mim.
A entrevista de Cleave com Lennon foi publicada no The Evening Standard em 4 de março com o subtítulo: “Numa colina em Surrey … Um jovem, famoso, preocupado, e esperando por algo”. O artigo não provocou controvérsia no Reino Unido. A frequência aos templos estava em declínio, e as igrejas cristãs tentavam transformar sua imagem para se tornarem mais “relevantes para os tempos modernos”. Segundo o autor Jonathan Gould: “Os comediantes satíricos fizeram a festa com as tentativas cada vez mais desesperadas da Igreja em se fazer parecer mais relevante (‘Não me chame de vigário, chame-me de Dick …’).” Em 1963, o bispo de Woolwich, John Arthur Thomas Robinson, publicou Honest to God, pedindo à nação que rejeitasse os ensinamentos tradicionais da Igreja sobre a moralidade e o conceito de Deus como um “velho homem no céu”, e, em vez disso, abraçasse uma ética universal de amor. O texto de 1966 de Bryan R. Wilson, Religion in Secular Society, explicava que o aumento da secularização levou as igrejas britânicas a serem abandonadas. No entanto, a fé cristã tradicional ainda era forte e generalizada nos Estados Unidos da época. O tema da irrelevância da religião na sociedade estadunidense, no entanto, tinha sido apresentado em um artigo de capa intitulado “Is God dead?” (“Deus está morto?”) na revista Time, em uma edição de 8 de abril de 1966.
Tanto McCartney quanto Harrison foram batizados na Igreja Católica Romana, mas nenhum deles seguia o cristianismo. Em sua entrevista com Cleave, Harrison também foi sincero sobre a religião organizada, bem como a Guerra do Vietnã e figuras de autoridade em geral, sejam “religiosas ou seculares”. Ele disse: “Se o cristianismo é tão bom quanto dizem, é necessário que se levante um pouco de discussão”. Segundo o autor Steve Turner, a revista satírica britânica Private Eye respondeu aos comentários de Lennon apresentando uma capa feita pelo cartunista Gerald Scarfe, que o mostrou “vestido com roupas celestiais e tocando uma guitarra em forma de cruz com um halo feito de um disco de vinil”.