Contrariando o que a grande maioria possa pensar, o Wings não acabou com a prisão de Paul McCartney no Japão em janeiro de 1980. Naquela época, os membros da banda ficaram realmente furiosos e experimentaram a frustração de não ganhar o dinheiro por uma turnê para a qual haviam ensaiado tanto. Os shows no Reino Unido em dezembro de 1979 haviam sido meros ensaios gerais para algo que pretendiam rolar mundo afora em 1980, repetindo o giro global que Paul havia feito entre 1975 e 1976. Denny Laine foi o mais decepcionado com o vacilo dos McCartney, que desembarcaram no aeroporto de Tóquio portando um saco cheio de erva.
Paul ainda estava na cadeia, quando Denny e os demais membros Laurence Juber e Steve Holly voltaram pra Inglaterra juntamente com o restante dos músicos de apoio e a equipe da turnê. Desesperado com a falta do dinheiro que nunca recebeu, e para comprar a casa própria que aquela grana teria lhe garantido, ele resolveu fazer um novo álbum solo. McCartney autorizou que Denny utilizasse três faixas suas que o Wings gravara nos anos 70 e nunca lançara em seus discos, e Denny finalizou com algumas novidades e soltou a bomba: “Japanese Tears”, numa forte referência à decepção japonesa.
Ao retornar da prisão, após algumas semanas, McCartney trancou-se na sua fazenda na Escócia e acabou resolvendo fazer um disco ocasional com as demos que havia gravado sozinho no verão de 1979. Originalmente duplo, “McCartney II” trazia as melhores demos de um disco que o Wings certamente teria gravado após a turnê melada pela maconha. Os amigos que haviam escutado as demos de Paul vinham insistindo para que ele as lançasse naquele formato, então ele uniu o útil ao desagradável e soltou o LP. “Coming Up”, o primeiro single, já vinha sendo tocada ao vivo pelo Wings e uma versão gravada com a banda em Glasgow ocupou o lado B e chegou a ser melhor trabalhada nas rádios americanas. Naquele verão de 1980, um clip de “Coming Up” com Paul fazendo praticamente todos os papéis numa banda (Linda fez alguns outros) surpreendeu o mundo. “Waterfalls” veio a seguir, numa época em que Paul já tratava de reunir o Wings.
No segundo semestre de 1980, com “Coming Up” estourada mundo afora, McCartney e sua banda reuniram-se num estúdio para ensaiar e também para gravar algumas demos, já pensando na pré-produção do próximo álbum. Mas McCartney também vinha trabalhando, homeopaticamente como sempre, num desenho animado com o personagem Rupert – cujos direitos ele havia adquirido no início dos anos 70, quando inaugurara sua MPL. Paul gravara uma nova demo com o tema “We All Stand Together” e outras pérolas, e chamara o velho amigo e produtor George Martin para produzir a gravação.
Martin, que era um dos grandes amigos de Paul, já havia feito o arranjo e produzido “Live And Let Die” para a trilha de 007 que lhe havia sido incumbida pelos produtores da série (o restante do LP traz orquestrações de Martin e pode ser considerado um disco seu). “We All Stand Together” foi gravada nos últimos dias de outubro de 1980 e, na seqüência, Paul perguntou a Martin se não gostaria de produzir seu novo disco.
Martin foi categórico: “Somente se eu puder realmente produzir, com autonomia até pra escolher ‘bons músicos’ pra te acompanhar”. McCartney entregou-lhe sua demo, que incluía absurdos como “Boil Crisis”, e foi pra casa esperar o veredito. Dito e feito, quando McCartney começou a gravar com Martin – em novembro de 1980, faixas que comporiam os LPs “Tug Of War” (82) e “Pipes Of Peace” (83) e uma série de lados B, somente Denny Laine pôde participar. Denny estava presente no estúdio no dia 9 de dezembro, quando a repercussão da morte de Lennon fez com que McCartney mergulhasse ainda mais no trabalho. Àquela altura, Laurence e Steve ainda esperavam ser chamados para as sessões, mas sabiam que tudo ficara meio no ar depois do assassinato do ex-parceiro de seu patrão.
Passado o Natal de 1980, Paul e a família acompanharam Martin e família na viagem que o velho produtor fazia para passar o reveillon e seu aniversário no Caribe. McCartney resolve então continuar as gravações no moderníssimo AIR Studios inaugurado por Martin na Ilha de Montserrat, e convidados ilustres como Stevie Wonder, Ringo Starr, Carl Perkins e o baixista Stanley Clarke são agendados para gravar entre janeiro e fevereiro daquele novo ano de 81. Ali caiu a ficha de Steve e Laurence, que compreenderam que somente Denny estava nos planos de Macca – e tão somente como músico, pois o disco em que vinha trabalhando era um novo álbum solo – dando prosseguimento à nova fase solo, iniciada incidentalmente com “McCartney II”. O mundo já sabia que o Wings havia acabado, pelas aparências, mas os dois músicos foram os penúltimos a saberem. Porque o último, como o tempo provou, acabou sendo Denny Laine – o qual, depois de tocar naquelas diversas sessões, encerrou sua ligação com McCartney participando da gravação de “All Those Years Ago”, que George Harrison fizera para homenagear Lennon e que contaria com os toques de Paul, Ringo e George Martin, além de Linda e Denny.
O fim do Wings foi anunciado oficialmente no final de abril de 1981. Denny Laine manteve-se calado por mais de dois anos, mas no final de 1983, quando a segunda metade daquele álbum solo de Paul saiu, ele vendeu sua história para um tablóide britânico malhando o ex-patrão e sua equipe. Publicada em capítulos diários pelo jornaleco, a história de Denny afastou-o definitivamente de McCartney – ainda que nos anos 90 eles tenham se reencontrado. Mas nem Denny nem os demais membros do Wings fizeram qualquer participação no projeto Wingspan de 2000. Talvez todos tenham saído aborrecidos da banda de McCartney.
* Marcelo Fróes é pesquisador da carreira dos Beatles e tradutor do livro “Paz, Amor e Sgt. Pepper”, do quinto beatle George Martin.
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