Life With Lions (1969)
Wedding Album (1969)
John Lennon e Yoko Ono
Pela terceira vez em cerca de 3 décadas, acabei de ouvir o LP “Unfinished Music n.1 – Two Virgins” de John Lennon e Yoko Ono. E o fiz para escrever para vocês, amigos do site. Sintam o drama! Foi em 1979 que comprei essa verdadeira bomba. Lembro-me da decepção que senti ao ouvi-lo, pois eu morava no interior de São Paulo e, aproveitando sua ida para Sampa, fiz um amigo peregrinar pelo centro da capital até encontrar o LP, que custou caro. Só não o quebrei em pedaços por causa da bendita coleção e da grana também, claro. Praga de colecionador!
Mas vamos aos fatos… a areia começou a emperrar as engrenagens dos Beatles quando John entrou na Indica Gallery, em Londres, para assistir a exposição de uma certa performer japonesa, a exótica Yoko Ono, então com seus 36 anos (corrijam-me se estiver enganado), e em vias de se separar do marido, o cineasta Tony Cox. Ela se aventurava por terrenos vários da arte performática tais como a poesia, pintura, artes plásticas, música concreta e outros bichos. Alguma coisa de interessante ela fazia, claro, mas o estardalhaço era sua maior característica. E a culpa foi do Paul! Sim! Dizem que foi ele quem deu a dica para um entediado Lennon que vagava sem compromissos todos os dias pela capital inglesa.
E numa dessas tardes melancólicas que se sucederam ao fim das apresentações ao vivo dos Beatles em 66, John resolveu conferir a dica do amigo. Impressionado, ele foi para casa com aquelas estranhas montagens de Yoko na cabeça, algo como subir numa escada e se deparar com um pequeno selo com a palavra SIM escrita nele. Bem, Lennon foi filmar na Espanha e depois seguiu sua vida com os Fabs, iniciando a fase psicodélica com Sgt. Pepper’s. Experimentaria um monte de ácido lisérgico e comporia alguns de seus maiores clássicos com o grupo, Strawberry Fields Forever, Lucy In The Sky With Diamonds, All You Need Is Love e I Am The Walrus, por exemplo. Uma fase maravilhosa, repleta de criatividade, genialidade, canções mais complexas, de inspiração idílica e pastoral, sons diferentes, letras surreais e uma verdadeira fascinação pelos truques de gravação, que os Beatles -incentivados principalmente por Lennon e Macca e sem o dedo de Yoko Ono, correto, Sr. Júlio Medaglia? – conquistaram para a música pop, inserindo na mesma uma inovação até então inédita, inimaginável. Transformaram a música pop em música ‘séria’. Depois que Brian Epstein morreu, fizeram o Magical Mystery Tour, filme praticamente dirigido por Paul e que foi bastante criticado pela imprensa na época.
No começo de 68, os quatro foram para a Índia (cuja divulgação da música tradicional no ocidente pode ser tranqüilamente atribuída a Mr. Harrison, pelo menos nessa época), onde meditaram com o Maharishi. Voltaram um tanto decepcionados com o guru. Lennon, particularmente, andava triste e frágil com as coisas; Com a morte de Epstein, viu-se responsável pelo seu dinheiro e negócios – que não sabia conduzir até então. Seu casamento com Cynthia estava monótono e havia caído na rotina há muito tempo; drogas como a marijuana e o LSD, que em princípio abriram sua cabeça para uma nova música, agora já viravam vício e muleta para suas fraquezas, deixando-o sonolento e um tanto disperso, sempre no mundo das nuvens, fato que culminou na ascensão de Paul à liderança dos Beatles sem maiores dificuldades.
O problema é que Yoko Ono havia percebido tal fragilidade desde que conhecera John, e nas freqüentes conversas que tiveram durante o ano de 1967. Como ele dava um certa abertura e a achava ‘exótica’, Ono ficou em cima, telefonando sempre para o escritório da NEMS – empresa de Epstein que cuidava dos negócios dos Beatles – e para a própria casa de Lennon, pedindo que ele financiasse suas exposições e empreitadas artísticas. Para se ter uma idéia da perseguição, quando os Fabs foram assistir a uma palestra do Maharishi em Londres, no dia 24 de agosto de 67, Yoko apareceu ‘coincidentemente’ no local e ficou esperando até que John e Cynthia entrassem em sua limousine na saída do evento, quando então entrou abruptamente no carro, e com a maior cara de pau, pediu carona até sua casa! Um mês depois, convidou John – que estava na platéia mais uma vez – para participar de um happening de dança (sim, ela também realizava eventos de dança!) onde “as pessoas iriam se comunicar por telepatia”. Para se promover, Ono pedia que Lennon gravasse seus depoimentos sobre as “emoções” despertadas em práticas como “olhar a água evaporar”, “contar nuvens no céu”, “abrir sua mente até descobrir uma ilha” e coisas do tipo. Quando estava na Índia, John recebeu centenas de telegramas de Ono com recomendações tais como “respire”, “pense em mim”, “sorria”, etc. Um bombardeio que visava, claro, deixar uma pessoa que estava vulnerável e visivelmente em crise existencial dominar-se por algo supostamente ‘diferente’ e ‘genial’.
Antes dessa viagem de John para o oriente, Ono já havia conseguido dele o dinheiro para que publicasse seu livro de poesias chamado “Grapefruit”, em dezembro do ano anterior. Em abril de 68, desiludidos com a meditação transcendental, Paul e John resolveram concretizar planos que já se esboçavam desde a morte de Epstein, e assim, montaram a Apple, uma empresa multi- direcionada em vários ramos artísticos e até eletrônicos, cuja proposta era abrir espaço para novos artistas. Em 11 de maio, os dois deram uma grande entrevista coletiva em Nova Iorque, anunciando a empreitada. No dia 16 voltaram para Londres; três dias depois, numa reunião nos novos escritórios da Apple, John disse com ar sério e concentrado a Paul, George, Ringo, Mal Evans, Derek Taylor e Neil Aspinall, entre outros sujeitos perplexos, que era “o novo Messias”. Todos ouviram, ficaram alguns segundos em silêncio e depois, seguiram a conversa como se nada tivessem ouvido. Nosso herói não estava muito bem não…
No dia 20 de maio, aproveitando as ausências de Cynthia e Julian, Lennon resolvera receber a visita daquela estranha criatura que o instigava e perseguia há mais de um ano. Tímido, chamou Yoko para conhecer seu estúdio caseiro e ouvir suas fitas que continham loops e outras experiências com gravações e ruídos sonoros, paixão de John naqueles tempos psicodélicos. O resto todo mundo sabe. Depois de gravarem muitos grunhidos, gritos, berros, relinchos, acordes desconexos de piano, melotron, guitarra e fitas tocadas ao contrário, os dois transaram e iniciaram seu romance. Quando chegou à sua casa no dia seguinte, Cynthia deu de cara com uma tranqüila Yoko de roupão na cozinha, tomando café com um igualmente carudo John Lennon. Legal, né, Dr. Winston O’boogie?
Seguindo a cronologia desses dias fatídicos de maio, os Beatles se reuniram no dia 25 na casa de George para gravar as demos das dezenas de canções que haviam composto na Índia, já que estavam em vias de iniciar as gravações do novo álbum, que seria duplo; é por isso que podemos ouvir nas canções de John para o Álbum Branco os seus últimos momentos de inspiração sem a presença irritante de Yoko, reflexos de uma genialidade que dispensava a suposta ‘ousadia’ e ‘criatividade’ de Ono, ao contrário do que muita gente pensa até hoje. Há sim, nestas faixas, um Lennon em busca de um sentido para sua vida, um compositor angustiado porém ainda irônico, bem humorado, jovial, efervescente, com uma poética surpreendente e atrevida. Apenas “Hapiness Is a War Gun” parece ter sido escrita após o aparecimento de Yoko na história, canção essa que denuncia nos versos ‘a felicidade é uma arma quente(…) quando sinto meus dedos em seu gatilho, ninguém pode me segurar’ a ligação extremamente sexualizada, dependente e paranóica que Lennon desenvolvia com sua nova e estranha parceira.
Durante as gravações de seu disco duplo, os Beatles desenvolveram suas diferenças: George compunha mais e melhor e se revoltava em ter que deixar suas canções de lado; Paul compunha muito e queria incluir todas as suas composições por considera-las mais comerciais. Ringo, por sua vez, se ofendia em ter que ouvir Macca chamar-lhe a atenção sobre sua forma de tocar e sentia-se pouco valorizado dentro do conjunto. John ainda estava querendo manter seu espaço na banda, mas como também tinha algumas músicas ‘censuradas’ pelos parceiros, se irritava. Yoko jogava lenha na fogueira, incentivando-o a incluir no disco as colagens sonoras que ele montava em casa, o que deixava George Martin e os outros beatles doentes. No final, “Revolution 9” acabou fazendo parte do lançamento. E foi interessante por se tratar de uma peça diferente dentro dos padrões da música pop, trazendo a esse segmento de público que consumia rock uma amostra tímida das experiências realizadas anos antes pela música eletrônica. Contudo, essa faixa poderia ter esgotado dignamente esse lado psicodélico e anárquico de Lennon, o que não aconteceu. Ele extrapolaria seus limites, partindo para experiências bizarras e ridículas. Tudo sob a “inspiração” de sua mulher.
O Álbum “Two Virgins”, a primeira dessas experiências infelizes, foi lançado no dia 29 de novembro de 68 na Inglaterra, com o selo da Apple, uma semana depois do Álbum Branco dos Beatles. Sua capa trazia a famosa foto de John e Yoko nús, tirada em julho do mesmo ano no apartamento cedido por Ringo ao casal. Esta foto deixou a todos atônitos e desesperados. A EMI e a Capitol recusaram-se a distribuir o disco, que acabou ganhando as lojas através da Track Records na Inglaterra e da Tetragrammaton nos EUA. Só um tempo depois, exigindo que uma capa de papelão cobrisse a capa original, é que a EMI e a Capitol resolveram distribuir a bomba. Mas a dúvida que persiste é sobre o quê é pior… se a capa, ou o conteúdo do disco: Os grunhidos e ruídos gravados no dia 20 de maio. Para se ter uma idéia do quão ruim é, nas cópias das primeiras edições do LP inglês pode-se ouvir o próprio John comentar com Yoko no final da faixa do lado 2: “Eu já cansei disso, obrigado…vamos acabar com esse troço!”. Não tem conversa, pois trata-se de pura agressão e birra, uma armação adolescente de Lennon para atingir os Beatles e seu público, como o demonstram as declarações dele registradas na ocasião.
Chamar tal aberração de música concreta, eletrônica ou seja lá o que for é uma ofensa aos músicos que se dedicaram a esses estilos de composição musical sérios e importantes dentro do desenvolvimento da música ocidental. Ficaria evidente a partir desse momento, que o líder dos Beatles estava dando início a uma viagem puramente egocêntrica e ilusória para conquistar a mídia (como se isso fosse necessário), atribuindo a si e à pretensiosa espertalhona que o seduziu os rótulos de artistas de vanguarda; John sempre fora um excelente compositor de canções pop e um letrista sincero, emotivo e criativo, mas daí para “artista de vanguarda” há um espaço infinito. Infelizmente, Lennon passou a cuspir no prato em que comeu e que ele mesmo inventou anos antes: The Beatles.
Depois de “Virgins”, foi a vez de “Unfinished Music n.2: Life With The Lions” e “Weeding Album” – lançados em maio e setembro de 1969 respectivamente – prosseguirem a saga egocêntrica e amalucada. Aí o negócio descambou: Yoko gritava e urrava acompanhada por um saxofone (nesta gravação incluida no ‘Life With The Lions’ os dois entraram de ‘bicões’ num festival de jazz na universidade de Cambridge, em Londres, em março de 69, quando John & Yoko convenceram os organizadores a lhes darem um espaço para sua ‘perfomance’, para desespero dos outros participantes); o casal repetia os nomes ‘John’ e ‘Yoko’ em meio às batidas de seus corações, durante todo o lado A do “Weeding Album”. Eles ainda gravaram em um quarto de hospital a batida do coração do bebê que Yoko perdeu em novembro de 68, além de terem passado para as fitas uma corrida pelo dial de um aparelho de rádio, etc, etc. Santa paciência! Nesse ínterim, os Beatles se desintegravam a olhos nus, através da filmagem dos tensos ensaios de um novo disco que viria a se chamar “Let it Be”, da confusão e caos que vigoravam na Apple, das diferenças nas tentativas de organizar as hemorrágicas finanças do grupo e finalmente durante as gravações do espetacular “Abbey Road”.
Como acontecia desde as gravações do Álbum Branco, Yoko estava sempre ao lado de John no estúdio, dando palpites, fazendo intriga e ‘colaborando’ nas gravações. É óbvio que os outros três perderam a cabeça, tentando resgatar o amigo para o grupo novamente, isolando a intrusa. John, no entanto, estava cego. Alegou ter se viciado em heroína em função do ‘desprezo’ que ele e a esposa sentiam por parte dos Beatles, da imprensa e dos fãs. Mas ele também dava a entender que não estava nem aí com o grupo. Ou seja, só Yoko importava. O mais engraçado é que sempre se falou do fim dos Beatles como ‘sinal de amadurecimento’ de seus membros. Bobagem. Como se explica que outros grupos contemporâneos dos Beatles tenham sobrevivido até hoje, mesmo com todas as suas crises e desentendimentos internos? Tudo bem que Paul era fresco e exigente, que George chiava (com razão) por não ter suas canções gravadas e Ringo era meio desligadão e preguiçoso na bateria, mas que Yoko fez a cabeça de Lennon, ah, isso fez! Alguém concorda comigo que durante o “Let It Be” George tinha muito mais canções a oferecer do que o hipnotizado Lennon? E como se classificam as atitudes de John como amadurecimento, quando qualquer psicólogo razoavelmente bem informado percebe que ele na verdade buscou em Yoko a mãe que perdera muito cedo, uma espécie de porto seguro, já que Ono era uma pessoa autoritária, esperta, dominadora e forte?
Mais do que tudo isso, interesseira. Lennon parecia um menininho babão ao seu lado, completamente dominado e inseguro, um papagaio repetidor das baboseiras pseudo-feministas que sua esposa passou a divulgar, deslumbrada com o punhado de microfones que subitamente lhe apareceram à frente. Não quero aqui desdenhar o feminismo – sem dúvida uma conquista importante da mulher moderna – mas Ono expôs esse conceito ao ridículo com sua postura hipócrita e incoerente e seu talento desmedido para a publicidade. Era e é uma gralha desbocada. John Lennon foi e será sempre maior que o ‘marido da artista de vanguarda e feminista de vitrine’ Yoko Ono. O fato é que ele precisava da força dominadora dela, e ela, de seu dinheiro e segurança financeira. Yoko tinha uma família rica e tradicional, mas seus parentes se arruinaram na segunda guerra e provavelmente não achavam ruim que ela vivesse do outro lado do mundo. Rolaram coisas boas e importantes como a campanha pela paz, mas até que ponto isso tudo não foi também egocentrismo disfarçado de pacifismo e filantropia? Felizmente, John caiu na real um tempo depois, buscando descobrir qual era a sua fazendo terapia do grito primal. Disso tudo surgiu a obra prima Plastic Ono Band em 1970, quando sugeriu gentilmente à Yoko que cada um fizesse seu próprio disco. Até McCartney tratou de arrumar sua própria Yoko, mas convenhamos…Linda parece Norah Jones se comparada ao ‘vocal de 16 canais’ (como John uma vez se referiu a Yoko) da esposa de Lennon e só seguia Macca em discos e shows por teimosia e insistência dele mesmo. Quem tinha coragem de ouvir as “músicas” de Yoko encrostadas (sim, de ‘crostas’) nos discos de Lennon em 68/69/70 devia imaginar que o ‘sonho havia acabado e o pesadelo começado’.
Já imaginaram se os Beatles tivessem gravado juntos mais alguns discos, passando por cima das diferenças todas? Será que isso era algo por demais “imaturo”? Quanto não teriam enriquecido ainda mais a música pop, se tivessem agido com maior democracia (Paul), disciplina (Ringo) e menos egocentrismo (John, George)? Certamente muito mais que esses três atentados aos ouvidos humanos que Lennon “compôs” com sua gralha japonesa.
Para surpresa geral, “Two Virgins”, “Life With The Lions” e “Weeding Album” ganharam versões remasterizadas em 1997, excentricidade cometida pela Rykodisc. Ô trinca renegada, gente! E nesse caso, com a graça de todos os deuses do universo! Amén!
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