Plim! Plim! A Rede Globo e a Beatlemania Nacional

José Carlos Almeida e Adailton Lacerda

Uma afirmação comum, sobretudo nas redes sociais, é a de que a Globo é uma manipuladora de mentes. De fato, é impossível ignorar o forte fator alienante da emissora de TV que é líder nacional, devido à flagrante baixa qualidade da maior parte da sua programação. O canal tem como carros-chefe atrações de gosto duvidoso, como novelas rasas, programas humorísticos sem nenhuma graça e verdadeiros símbolos da mediocridade moderna, como o Domingão do Faustão, o Caldeirão do Huck e o Big Brother Brasil. O que dizer então dos intervalos com vinhetas irritantes de artistas da gravadora Som Livre, predominantemente Sertanejo Fake, Forró Elétrico, Gospel Moderno e outros sub-sub-sub-gêneros.

Mas nós, beatlemaníacos, temos boas razões para guardar muita simpatia pela Rede Globo. Ela está entre as nossas melhores – e piores – lembranças, principalmente para quem vivenciou a era da Beatlemania anterior à chegada da Internet. A grande maioria das referências feitas pela emissora aos Beatles pode ser considerada como peças históricas e até mesmo arqueológicas. Para nossa felicidade, parte dessa preciosidade está disponível no Youtube, o que nos permite matar a saudade que, em alguns casos, já durava décadas.

Sessão da Tarde – Para a geração que descobriu os Beatles ao mesmo tempo em que explodia o Rock Nacional dos Anos 80, a eterna Sessão da Tarde reserva pelo menos dois desses momentos mágicos, responsáveis pela formação de novas gerações de beatlemaníacos. Uma foi em determinada Semana da Criança, lá pelos idos de 1984 (ou 1985), quando foram exibidos os filmes Roberto Carlos em Ritmo de Aventura e… O Submarino Amarelo! Isso mesmo, o nosso Yellow Submarine já havia sido exibido pela Globo e, pelo que consta, não foi mais reprisado. Posso estar errado, mas tenho a impressão de que aquela dublagem foi usada na edição mais recente lançada em DVD.

Igualmente inesquecível e influente foram as inúmeras apresentações vespertinas dos filmes Febre de Juventude (I Want To Hold Your Hand) e Curtindo a Vida Adoidado (Save Ferris), respectivamente uma fanfic em cima da primeira visita dos Beatles aos EUA e uma comédia em que uma única cena, que mostra o personagem principal dublando “Twist and shout”, marcou época e criou uma onda de curiosidade sobre os Beatles (o grupo voltou às paradas de sucesso com essa música por conta do filme). Se quisermos ainda adicionar um bônus, podemos nos lembrar de outro clássico da Sessão da Tarde: o filme Namorada de Aluguel, cujo título original é Can’t Buy Me Love. A canção original dos Beatles é tocada no início e no final da trama inserindo o som dos quatro fabulosos em uma comédia adolescente típica da década de 80.

Madrugadas recentes – Muito mais discretas, mas não menos importantes, foram as exibições recentes dos dois primeiros filmes dos Beatles, A Hard Day’s Night e Help!, em versões dubladas. Inexplicavelmente, nunca aconteceram exibições em horários mais favoráveis para a criançada (ou pra quem tem o que fazer nas manhãs seguintes).

Paul ao Vivo – Outra forte presença “global” foi em pelo menos dois shows históricos de Paul McCartney em nosso país: um em sua primeira vinda, no longínquo ano de 1990, quando foi feita a transmissão ao vivo daquele grande show no Maracanã, que, por sinal, já havia merecido uma fortíssima campanha publicitária, fazendo o Brasil respirar Paul McCartney durante aquela quinzena. Em 1993, na segunda visita, a cobertura foi bem mais discreta. Mas quase duas décadas depois, em novembro de 2010, coube à Rede Globo transmitir o show do Morumbi “quase ao vivo”, com vários cortes, algumas vinhetas insossas, mas que serve ainda hoje como o principal registro daquele momento. Um ano depois, no Rio de Janeiro, foi a vez do site Terra fazer a transmissão do primeiro show do Engenhão, mais completa (porém, com alguns cortes) que igualmente se transformou num registro histórico.

Adeus, John e George – Foi na Rede Globo que os fãs de norte a sul do país choraram a morte de John Lennon (1980) e a de George Harrison (2001). Evidentemente, todas as emissoras noticiaram esses fatos, algumas com matérias bem completas. Mas aquela matéria do Jornal Nacional em dezembro de 1980, com Cid Moreira dando a trágica notícia do assassinato de Lennon, que mereceu depoimento emocionado da cantora Elis Regina, é a que ficará eternamente gravada na nossa memória. Da mesma forma que Pedro Bial, emocionado, abrindo a notícia sobre o falecimento de George com a pérola “ele é um beatle… e um beatle não morre nunca!”.

O Jornal Nacional dedicou a grande parte de sua edição daquele 30/11/2001 a Harrison com informações de seu falecimento e evidenciando a importância do músico através de depoimentos de artistas nacionais como Lulu Santos, Rita Lee, Frejat e Cássia Eller. Em um raro momento de homenagem, William Bonner e Fátima Bernardes se despediram dos telespectadores ao som de Something, clássico de George, ao invés da tradicional vinheta de encerramento do Jornal. O Fantástico do domingo seguinte traçou um perfil de George através de sua obra com clipes comentados e lembrando a entrevista que o beatle concedeu ao programa em 1979 quando esteve por aqui.

Anthology – Em 1996 foi lançado aquele que é considerado o maior de todos os documentários, não só sobre os Beatles, mas sobre qualquer assunto. Atualmente a série The Beatles Anthology está disponível em uma coleção de 5 DVDs, com mais de 11 horas de vídeo (ainda aguardamos o relançamento na era do Blue-Ray). Mas seu formato original era mais compacto, com 6 horas de duração, feito para ser exibido pela TV em 5 capítulos. E assim foi exibido no mundo inteiro, inclusive no Brasil em dezembro de 1995 nas madrugadas daquela semana mágica nas telinhas e telonas da… Globo! Com direito ao hoje “refugado” apresentador Pedro Bial devidamente caracterizado com terninho cinza da fase “Ié ié ié” dos Beatles. Embora apresentado num horário realmente avançado, após uma mini-série insuportável (Flair), aquela semana pode ser considerada a mais didática da história da Beatlemania nacional. Dali foram feitas cópias piratas em VHS que, até o lançamento oficial no mesmo formato (posteriormente em DVD), viraram a grande piscina quentinha onde os Beatlemaníacos podiam mergulhar durante horas seguidas. Gol de placa!

É Fantástico! – O mais tradicional programa dominical também tem um histórico de matérias lendárias sobre os Beatles. Tantas que possivelmente não nos lembraremos de citar a maioria delas.

Em 1979, George Harrison esteve no Brasil para acompanhar o GP de Fórmula 1. O ex-beatle até tentou ficar incógnito, mas não escapou de uma entrevista exclusiva ao Fantástico. Todas as vindas de Paul McCartney mereceram matérias especiais. Em 1990, em um extenso documentário, foi feita uma entrevista e um resumo da carreira de Paul, com enfoque em vários fãs. Em 1993 a cobertura foi discreta, como a própria visita do ex-beatle. Mas em 2010, no domingo entre os shows de Porto Alegre e São Paulo, foram feitas matérias especiais com o apresentador Zeca Camargo, incluindo uma entrevista exclusiva com Paul. Nas suas devidas proporções, o Fantástico também deu uma rápida incensada em Ringo Starr, na semana anterior à sua chegada para uma bateria de shows pelo Brasil, com uma entrevista exclusiva exibida no domingo anterior ao primeiro show (Porto Alegre).

Aproveitando as consecutivas visitas de McCartney ao nosso país, o programa também o entrevistou em 2012 na ocasião do lançamento de seu Kisses On The Bottom. Algumas estreias de videoclipes de ex-beatles também ganharam espaço no Fantástico ao longo dos anos como Mull of Kintyre e Hope of Deliverance de Paul, e Drowning in the Sea of Love de Ringo, entre outros. Também já foram feitos vários especiais com assuntos ligados aos Beatles, direta e indiretamente, como os 20 anos da Beatlemania em 1982 e coberturas sobre lançamentos como Anthology, Brainwashed, e outros. Quando George Martin esteve no Rio de Janeiro em 1993 para conduzir uma orquestra e coral que apresentaram músicas dos Beatles, lá estava a produção do Fantástico registrando o show e o entusiasmo de fãs de todas as idades, encerrando a matéria com a exibição de clipes “perdidos” da banda (Help! e The Fool On The Hill). Cinco anos depois, o programa dominical entrevistou o próprio George Martin que anunciava sua aposentadoria com uma última produção: o disco In My Life em que cantores e atores interpretavam canções dos Beatles. O Fantástico também mostrou entrevistas com Pete Best e Julia Baird (irmã de John Lennon), além de homenagens aos falecidos John, George e Linda McCartney, entre outras.

Vídeo Show e Jornal da Globo – Muito antes de se especializar definitivamente em bastidores de novelas, o Vídeo Show citava os Beatles com frequência, principalmente quando era apresentado por Miguel Falabella. Datas importantes da história da banda e aniversários dos quatro costumavam ser lembrados pelo programa. Algumas matérias especiais também foram produzidas, como uma entrevista com Edu Henning do Club Big Beatles mostrando sua extensa coleção, e os 30 anos da separação dos Beatles com participação dos Paralamas do Sucesso. O Vídeo Show foi o responsável pela primeira exibição nacional dos clipes Free As A Bird e Real Love em 1995, antes mesmo de o documentário Anthology ser apresentado no Brasil. O Jornal da Globo, que vai ao ar nos finais de noite desde 1982, cobre eventos importantes da história dos quatro cabeludos até hoje. Em 2001, o telejornal procurou diversas bandas covers pelo país para homenagear George Harrison com My Sweet Lord. Aniversários de nascimento e de morte de John Lennon são lembrados pelo Jornal da Globo com uma matéria especial. Outro ponto positivo são as crônicas de Nelson Motta sempre impecáveis e sempre marcantes quando o jornalista trata dos Beatles, ou de um deles.

Beijo do Gordo! – Eis um personagem controverso na Beatlemania nacional. Um dos sujeitos mais influentes da televisão brasileira, ganhou antipatia geral entre os fãs dos Beatles quando, em 2011, pouco antes da vinda de Ringo Starr ao Brasil, entrevistou a banda All You Need Is Love e não economizou críticas a Ringo Starr, com comentários jocosos como “ele era o mais fraco, o mais dispensável dos Beatles” e “tudo bem, mas era muito ruim”. Obviamente, apelação pura para arrancar sorrisos, já que seu programa respira Beatles. Sua banda, o Sexteto, apesar do estilo jazzy, quase que diariamente abre os blocos do Programa do Jô com versões instrumentais – e muito bem tocadas, diga-se – de músicas dos Beatles, principalmente “Eleanor Rigby” e “Day Tripper”. Entrevistas lendárias já foram realizadas naquele cenário, como as bandas Beatles 4ever e a já citada All You Need Is Love.

Globo News e RBS – O canal de notícias da Rede Globo não pode ser considerado um grande parceiro do fã brasileiro, mas daria uma boa coletânea as matérias jornalísticas sobre Paul no Brasil, inclusive flashes ao vivo dos estádios. A Rede RBS, associada na Região Sul, foi além e, unida aos jornais impressos de Porto Alegre e Florianópolis (respectivamente Zero Hora e Diário Catarinense) deram um show de cobertura, que garantiu recheio para um volume inteiro de um DVD triplo (bootleg) que circula na Internet. Entra na conta da Globo News ainda um mini documentário que, apesar de ser muito resumido, marcou presença nas comemorações dos 70 anos de Paul McCartney.

Fragmentos de Memória – Nos anos 70 e 80, os fãs dependiam muito de pequenos cacos que hoje são lembrados com muito carinho. Como esquecer, por exemplo, a turma do Muppet Show cantando “Nós vivemos num submarino amarelo, submarino amarelo, submarino amarelo”? Também pode-se alegar que foi na emissora do plim plim que o Brasil viu “participações especiais” lendárias dos Beatles na série The Simpsons, como Paul e Linda dando conselhos vegetarianos a Lisa, Ringo envelhecendo em meio a milhares de cartas de fãs e George Harrison observando rapidamente Homer e amigos revivendo o Rooftop Concert.

As Outras – Apesar da Globo ganhar em quantidade de material beatle, não é nem nunca foi a única a exibir conteúdo ligado aos Beatles. Daria um artigo apenas sobre esse tema. Rapidamente podemos lembrar de dois bons documentários “mudos” (apenas música, sem narração, mas com legendas) sobre os Beatles e o Pink Floyd exibidos pela TV Manchete e fez a festa da turma que havia comprado videocassete novo. Exibiu também o Making of Sgt. Pepper, reprisado depois pela Band. Inesquecíveis também são as exibições de filmes sobre os Beatles feitas pelo SBT, sempre com sua dublagem peculiar, de dramatizações como John e Yoko – Uma História de Amor, A História de Linda McCartney e Two of Us.

A Rede Bandeirantes exibiu um longo especial sobre os Beatles em 1993 para marcar os 30 anos do sucesso do grupo, mostrando shows completos como o Shea Stadium, diversos clipes, e cenas do filme Let it Be. A mesma Band proporcionou uma entrevista de Paul McCartney à Marília Gabriela em 1993, quando ele se apresentou em São Paulo e Curitiba. Já a Rede Record, embora tenha um razoável arquivo sobre a música dos anos 60, muita coisa foi perdida com o tempo. Sobre os Beatles, quase nada restou, mas ainda assim, alguns documentários daqueles burocráticos já foram produzidos pelo canal, bem como do seu canal de notícias, Record News. Se formos partir para as emissoras por assinatura, o assunto torna-se tão vasto que valeria a criação de um site ou blog só sobre o assunto.

Como podemos ver, apesar de a Rede Globo nos ter levado ao inferno da ira algumas vezes (a mais recente em um concurso fajuto de vídeos, que levou milhares de fãs a passarem pela situação ridícula de fazer vídeos amadores, para serem julgados por um trio de patetas), também nos levou ao paraíso muitas vezes. Fico aqui imaginando se um desses heróis da Beatlemania nacional que manjam de edição de vídeos e DVDs resolvesse catar todo esse material citado acima (e o que esquecemos de mencionar) e criasse um pacote equivalente a 3, 4 mídias, upasse um arquivo “t0rrent” e jogasse para a galera. Seria um sucesso e um documento histórico, um verdadeiro Brazilian Anthology! Fica a dica.