Por Irene Lacher
Especial para o Los Angeles Times
Tradução: Cláudio Teran
Ravi Shankar está com 91 anos. O músico mais famoso da Índia clássica no Ocidente, desde suas colaborações com Beatle George Harrison, e o violinista Yehudi Menuhin na década de 1960, fará uma aparição pouco frequente nos próximos dias (25/03), no Terrace Theatre em Long Beach.
Com sua voz mansa e gestos lentos e suaves, Ravi transmite paz de forma natural. Esbanja lucidez e vitalidade para um homem de sua idade e agora ostenta uma barba espessa e branca, que lhe confere a aparência de um monge. Ravi Shankar falou com exclusividade para o Los Angeles Times não somente sobre seu show. Ele também fala da relação com Phillip Glass e com a filha Norah Jones. E revela saudades de George Harrison.
Conte-me sobre o seu próximo concerto. O que você planejou?
Eu faço o meu desempenho habitual, a música clássica indiana, tocando em minha cítara. Tenho o acompanhamento usual de percussão e instrumentos tradicionais. Julgo que este vai ser um programa muito interessante porque o primeiro ato é um recital conduzido por alguém que por acaso é minha cunhada, uma cantora muito famosa chamada Lakshmi Shankar. Ela vai cantar algumas interessantes canções religiosas e coisas que ocuparão os primeiros 40 minutos. Eu entro no segundo ato. Além da minha percussão e instrumentos tradicionais eu tenho mais três instrumentistas no set – um maravilhoso flautista, um citarista que é um dos meus alunos e um terceiro músico que faz uma percussão muito interessante.
Você vai tocar suas próprias composições?
A maioria delas é de minha autoria. Estão todas baseadas em ragas indianas clássicas – formas melodia, tudo muito antigo. Nós improvisamos em cima delas e eu componho também baseado nessas peças. Digo que será um concerto calcado na música clássica indiana, mas principalmente minhas próprias composições.
Seu estilo musical é considerado distinto do de seus pares. Qual é a diferença?
A música indiana que eu faço tem este formato clássico como você tem no ‘Ocidente’ compositores como Bach. E as pessoas captam exatamente o que eles escreveram. É o sistema de música escrita para Baixo. Nós não temos esse sistema. O nosso é por assim dizer, muito científico. Seguem-se ragas – formas melodia – e há uma liberdade para desempenhar um raga talvez por três horas. Assim como você também pode torná-lo curto o suficiente para toca-lo em 15 minutos, ou 10 minutos. E estes formatos eu uso há muito tempo para me apresentar ao Ocidente. É como a edição em filmes. Então, eu faço um esforço para passar toda a gama de nossa música clássica, começando com o século 13 ou algo assim, coisas que têm sido ensinadas oralmente geração após geração. Nossa música não está escrita para Baixo, por isso temos a liberdade de improvisar. E cada vez que ela sai soa como nova. É por isso que aos ouvidos de quem conhece e entende e mesmo para os músicos indianos parece sempre um som fresco. Nunca me sinto como se eu estivesse me repetindo.
De que forma colaborações com compositores ocidentais, como Philip Glass afetaram o seu desenvolvimento artístico?
Começou quando eu toquei com Yehudi Menuhin e Jean-Pierre Rampal. Eu componho peças baseadas em ragas. Ensinava a eles e então a gente tocava juntos. A mesma coisa eu fiz com Philip Glass, mas com Philip tem uma diferença. Ele me deu quatro linhas de sua composição, e eu dei-lhe cerca de quatro linhas. A partir daí ele fez tudo o que queria fazer na base das quatro linhas que lhe repassei, e eu fiz o mesmo com as dele. Isso foi além da coisa meramente experimental. Não pode ser classificada como música clássica da Índia. Virou mais uma inovação, uma tentativa de fazer algo belo.
Há quanto tempo você mora em Encinitas, e por que você escolheu o sul da Califórnia?
O principal motivo veio do fato de eu ter feito turnês por toda minha vida, passando muito tempo em Londres, Paris, e New York. Por motivos de saúde, eu escolhi a Califórnia e especialmente esta área. Eu caí de amores por esse lugar aqui. É tão bonito, tem um clima fantástico. Nós vivemos neste lugar desde 1992.
Você ainda faz turnês?
Eu não faço tanto quanto fazia nos anos 60 e 70, mas a média atual é de 12 a 15 apresentações por ano nos Estados Unidos, Europa e Índia. Eu adoro excursionar e há uma demanda de público, então enquanto eu puder, eu continuarei fazendo.
Você ajudou a organizar no mês de fevereiro o Festival de Dança e de Música Indiana em Nova Delhi. Como foi esse trabalho?
No nosso Centro, a cada ano, temos um festival de quatro dias para que eu receba músicos jovens e mais velhos, músicos estabelecidos. Começamos isso em memória do aniversário de George, desde 2003. E ainda mantemos esse dia, a partir de 24 de fevereiro. Todos os anos fazemos isso. Sinto muito a falta dele.
O que você lembra mais sobre George Harrison?
Nós nos tornamos muito, muito próximos e íntimos a partir do momento em que o ensinei a tocar cítara. E então, gradualmente, vi seu interesse na religião e na música indiana e mais que isso. Percebi que ele se interessava muito pela filosofia e a cultura antiga. E eu o ajudei dando a ele muitos livros para avançar no seu conhecimento. E foi assim que tudo começou. Ele se envolveu tão profundamente e tão sinceramente no amor pela Índia e a religião indiana e seu aspecto filosófico que nos tornamos bons e fraternos amigos. Posso lhe dizer com clareza que George Harrison se tornou como parte de mim, por isso sinto tanto a falta dele.
Você já saiu em turnê com sua filha, Anoushka, que também escreveu um livro sobre você. Como foi essa experiência?
Comecei a ensina-la como tocar cítara quando ela tinha cerca de 9 anos de idade. Depois com 13 ou 14, ela começou a sentar-se comigo em concertos e, aos poucos, nós tocamos e fizemos muitos shows juntos. Ela é o meu melhor aluno, posso dizer sem qualquer hesitação.
Como é o seu relacionamento com sua outra filha, Norah Jones?
Maravilhoso. Ela está sozinha. E eu a amo. Ela e Anoushka são os meus dois olhos.
Você acha que poderia fazer algo musical com Norah?
Eu não sei. Eu não penso assim porque o mundo dela é completamente diferente do meu, e musicalmente falando um não faz o que o outro faz. Ela nasceu aqui, cresceu aqui e sua música é a música americana. É tão lindo, e não há conflito com a minha cultura nem a necessidade de fazermos algo juntos. Mas, quem sabe? Talvez um dia de brincadeira a gente acabe se entendendo musicalmente e fazendo uma parceria (risos).
Quantos alunos você tem atualmente?
Eu não tenho tido alunos regulares a um bom tempo, mas ainda ensino dois ou três. Muitos me procuram, mas eu admito apenas aqueles em que consigo notar um talento muito especial e a vontade sincera de trabalhar com a música indiana.
Você pensa sobre o legado que gostaria de deixar?
Parece muita coisa. Eu gostaria de deixar um legado onde alguns dos meus alunos – eu não diria todos – tenham amor e respeito por nossa música. Isso é uma coisa fundamental. Eu gostaria que eles entendessem isso não apenas como uma maneira de ganhar a vida ou um nome no hall da fama. Bom seria se fossem fundo na essência dessa música para mantê-la viva. Reconheço que manter uma cultura milenar com a sua profundidade, seu sentimento, seu aspecto geral não é muito fácil. Agora especialmente o mundo se tornou muito comercial, mas ainda acho que seja possível fazer um nome, um registro, e ao mesmo tempo respeitar e preservar esse trabalho. Então, se é clássica ocidental ou indiana, não é a questão crucial para nossa música. O mais difícil nestes tempos modernos é fazer com que os jovens amem e respeitem a tradição.
CLAUDIO TERAN
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