Claudio Teran
Jamais tive ânimo para escolher o Beatle preferido. Isso porque prefiro encara-los como os próprios se definiram no comecinho da carreira, a partír da transparente divisão dos lucros em vinte e cinco por cento para cada um. John, Paul, George & Ringo. Os BEATLES eram esses quatro e sempre serão.
Na minha banda favorita, e no fechado universo dos Fab Four, Ringo Starr é peça tão fundamental quanto os demais – com vinte e cinco por cento de participação e importância. Exatamente como os outros. As provas são fáceis de detectar. Ringo foi o primeiro baterista de rock a ter bem gravado o som de sua bateria – ainda que ele próprio só aprecie a captação do áudio a partir de Abbey Road. Mas lá está em Please Please Me, sua performance inconfundível e proeminente. Foi sua a idéia de abafar o som do bumbo para melhorar os timbres graves e também é de sua lavra o processo de microfonar toda a bateria para definir o som de cada uma de suas peças durante as gravações.
O “starrtime” do Ringo também merece nota. A peculiaridade de sua percussão é tamanha que virou marca registrada do som dos BEATLES. Nas bandas cover, quando o baterista não consegue assimilar a métrica que Mr. Starkey consagrou, amarga ares de reprovação vindos da platéia.
Outra batida, ainda que com técnica competente, descaracteriza por completo as composições. Ringo Starr toca bem porque sempre foi, e ainda é, simples e eficiente. A humildade e o bom senso em jogar para a banda, e não em proveito próprio, é outra de suas múltiplas facetas.
Quem o conhece sabe que não vai encontrar arroubos de virtuosismo ou viradas desnecessárias nos desenhos de sua percussão. Todavia é difícil encontrar no olimpo da música popular alguém tão preciso e capaz de manter o tempo feito relógio suíço. Na verdade o que Ringo Starr tem de sobra é elegância, e quem ainda não notou após todos esses anos, então que o faça porque nunca será tarde.
Ouça Please Please Me, Devil in Her Heart, I’ll Be Back, What You’re Doing, Ticket to Ride, Rain, She Said She Said, Strawberry Fields Forever, A Day in the Life, Magical Mystery Tour, Get back, e tantas outras e haverá de concordar comigo. Durante os shows, é sabido que Ringo Starr era o mais sacrificado dos quatro. Não contava com amplificação, e nada escutava nos precários sistemas de retorno. Restava tocar por dedução e mímica. Acompanhava a próxima canção do tracklist valendo-se da leitura labial – atento para o que percebia que John, Paul e George estavam cantando. Magia? Sim um pouco. Mas a perfeita tradução para esse gesto é competência.
Ringo Starr nunca foi um grande cantor – reconheça-se. Mas cantava, tocava bateria sem ouvir nada, mantinha o tempo com perfeição e ainda sobrava fôlego para sorrir e balançar a cabeça. É muita coisa. Ringo embarcou nos últimos dez anos em memoráveis turnês-solo, acompanhado de grandes nomes do rock and roll. A liderança em todas as formações da All-Starr Band é exercida por ele, e se trata de um feito único, ou alguém conhece outro baterista capaz de formar uma banda com ícones do rock e sair em turnê pelo planeta? Ainda hoje é notável vê-lo na bateria, garantindo-se no tempo e na segurança, com o filho Zak Starkey, ou com Simon Kirke, ex-Bad Company.
Na turnê de 1997, lá estava Ringo Starr acompanhando clássicos como Sunshine of Your Love ou White Room, da legendária banda Cream, sem deixar nada a dever para Ginger Baker.
Por essas e outras não existe Beatle preferido a meu ver. A sua parte, ou seja, aqueles vinte e cinco por cento, resultavam em uma unidade cem por cento perfeita. E essa unidade sempre foi capaz de desvanecer diferenças, até no plural involuntário do nome “BEATLES” – com John, Paul, George… e Ringo.
Parte indissociável desse todo.
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