Por Luciana Sarmento Scheiner *
Era início de Janeiro de 2011, quando minha cunhada veio me contar de um bloco de carnaval, de nome Sargento Pimenta, que só tocaria música dos Beatles. Mandou-me o link para a página deles no Facebook e comecei a ver os vídeos e pensar sobre o assunto. Inevitável a primeira torcida de nariz, como se eu fosse Theodor Adorno julgando escolas de samba: “zero! Nota zero”. Porém, ouvindo e vendo os vídeos, comecei a achar que a coisa tinha qualidade. E várias pessoas começaram a me escrever e me ligar para contar da novidade (eu adoro quando as pessoas ouvem Beatles e lembram de mim!). Adicionei os caras no Facebook quando eles não tinham mais do que 200 amigos. Neste exato momento em que escrevo, eles contam com 3515 amigos.
Antes de prosseguir, gostaria de esclarecer dois pontos de vista que tenho sobre a vida e o mundo. O primeiro é que eu odeio carnaval. Odeio calor, odeio multidão, ruas fedidas, gente suada, todo mundo se encostando. Não sou lá muito apaixonada por samba enredo, acho escola de samba uma palhaçada… gente, vocês já assistiram desfile? “Este carro representa a décima quinta pena do cocar do cacique Peri, o mesmo cocar que ele usava quando avistou Ceci pela primeira vez…” Faça-me o favor! Arte não precisa de legenda. E é muito difícil você entender o que cada carro e fantasia representam sem a explicação dos adoráveis narradores dos desfiles. Coloco como a exceção desse ano a Unidos da Tijuca. Mas aí já é outro texto. Enfim, é isso.
Sempre tive a certeza de que nasci no hemisfério errado (e ainda nasci em Fevereiro, dá pra aguentar?). Portanto, a idéia de me enfiar em um bloco de carnaval nunca me soou das mais festivas… Acabei me rendendo à minha paixão por Beatles e à possibilidade de vê-los sendo festejados na esquina da minha casa (talvez se fosse em outro bairro, eu não tivesse me mexido…).
O segundo ponto de vista é sobre os Beatles, themselves. Nasceram no auge da expansão e consolidação do mercado adolescente. Não nos enganemos. Sempre foram negócio. Brian Epstein que o diga. Seria muita ingenuidade tratá-los como mártires desprovidos de ambição de uma geração que lutou pela liberdade. Sempre fizeram parte e sempre farão parte do mercado capitalista. O que não significa que eles não tenham talento, muito pelo contrário. Foi o próprio mercado capitalista que os deu tanto dinheiro que os permitiu que desenvolvessem esse talento quase ao seu ponto máximo. Se não ganhassem dinheiro com isso, talvez ainda estivessem morando em Liverpool, com sua aposentadoria de estivadores ou oficiais da marinha (será que chegariam a isso?). Os Beatles foram (e são!) usados pelo mercado capitalista para fazer mais dinheiro. E os Beatles usaram o mercado capitalista para difundir sua ideologia e aprimorar seu talento musical. Troca justa. Não sejamos ingênuos.
Pois bem. Acordei naquela segunda-feira de carnaval no Rio de Janeiro, dando graças a Deus ao chegar na minha varanda e notar que o Cristo Redentor estava encoberto por nuvens. A temperatura, ainda bem, estava amena. Isso me permitiu usar a minha blusa preta dos Beatles. Otherwise, seria impossível. Recrutei uma grande amiga, que adora os Beatles e odeia carnaval como eu. Seria quase uma prova para nós. Também estava conosco um querido amigo de Belo Horizonte, que havia se rendido ao carnaval de rua carioca. Meu marido, também beatlemaníaco, me acompanhou (como sempre). Mas ele gosta mais de carnaval do que eu.
O bloco estava marcado para sair às 15 horas. Chegamos por volta das 14 horas ao local. Munida de uma cervejinha na mão, óculos do John Lennon no rosto, filtro solar (always!), máquina fotográfica e celular-gravador, logo fui procurar um dos caras que estavam fantasiados de Sargento Pimenta (alguém falou do meu lado: “olha, estão igual às Paquitas!”. Céus! Não devemos julgar as pessoas, é feio…, pensei eu com meus botões). Quando consegui falar com um deles, disse que eu estava ali para fazer um relato do bloco para o principal portal dos Beatles da América Latina (uhuu!) e fui prontamente encaminhada ao simpático Gustavo Gitelman, um dos fundadores do bloco. Fiz uma entrevista com ele de aproximadamente uns 4 minutos. Gustavo me explicou que eles não eram apenas um bloco de carnaval comum, mas uma orquestra. E era verdade. A banda conta com, aproximadamente, 60 pessoas na bateria – que ensaiaram toda semana durante um ano inteiro para fazerem sua performance no carnaval – e mais uns 10 instrumentistas (guitarra, baixo, voz, segunda voz, instrumentos de sopro, …). Não era apenas um bando de malucos colocando batuque nas músicas dos Beatles. Eles tinham estudado sobre o assunto, embora Gustavo tenha me confessado que somente um dos fundadores, Alexandre Ades, era realmente beatlemaníaco. O resto, como Gustavo descreveu, gostava e já tinha até o Anthology!
Depois da simpática entrevista, me dediquei a ver a multidão que ia se aproximando. Muita gente jovem. Alguns, pareciam estar indo pro terceiro bloco do dia. Outros, pareciam estar indo para o primeiro bloco em muitos anos, como eu. Crianças, gente mais velha. Tinha uma senhora do meu lado que, literalmente, se acabou e cantou todas as músicas (como eu). Quando o bloco começou, por volta das 15:30h, já não era possível respirar muito bem. O próprio Gustavo Gitelman me confessou que eles não estavam esperando toda essa repercussão e que se soubessem que viria tanta gente, teriam feito em outro lugar. Mas ele também me confessou que havia um certo charme no fato do Sargento Pimenta desfilar perto da rua Capitão Salomão e da rua General Dionísio… ponto para o toque de irreverência que deveria sempre acompanhar qualquer coisa relacionada aos Beatles! Mas que o bloco deveria ter se apresentado num lugar mais amplo, isso deveria.
Versões incríveis de “Help”, “With a little help from my friends” (com dois andamentos diferentes, muito bom!), “I wanna hold your hand”, “Twist and shout” (muito astral, mãozinhas levantadas para o alto!) e da própria “Sargent Pepper’s Lonely Hearts Club Band” tomaram conta da multidão que, fanática ou não, celebrava os Beatles durante o carnaval carioca e emanava boas vibrações. Até mesmo o hino do bloco – uma letra em português colocada em cima da melodia de “Ob-la-di, Ob-la-da” fisgou a minha atenção. Obviamente, algumas coisas deveriam ser revistas – mais trabalho na parte vocal, mais empenho em alguns arranjos. Mas também não sei se foi o som de rua que não me permitiu uma audição mais aguçada.
Em determinado momento, estava ali, sufocada, mas feliz, cansada, mas cantando. Quando me toquei que vi o Paul McCartney mais de perto do que estava vendo o Bloco e enfrentando menos obstáculos para conseguir tal feito. Peguei minha galera e fomos para a varanda da minha casa, de onde ouvimos claramente o resto do bloco (“Hey Jude” foi espetacular) por mais duas horas, degustando uma cerveja estupidamente gelada.
Bloco do Sargento Pimenta – certamente estarei nas festas que vocês ainda vão realizar pelo Rio de Janeiro. De preferência em lugares amplos, com ar condicionado e banheiros limpos. Ignorá-los, seria como se os Beatles tivessem ignorado o sábio conselho de Chuck Berry: “Roll over Beethoven and tell Tchaikovsky the news!”. É uma ótima maneira de me reconciliar um pouco com a minha brasilidade, sem deixar de lado a paixão que carrego comigo por este quarteto que arrecada fãs e milhões por onde passa. Falando em arrecadar, importante citar: o bloco do Sargento Pimenta contribui com o Ecad.
* Luciana Sarmento Scheiner é mestre em Comunicação (com dissertação sobre os Beatles) e doutoranda em Letras (com tese sobre Paulo Leminski)
Fotos: Andrei Scheiner (Clique pra aumentar)
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