Antes que dezembro termine… deixe estar.
Um resumo do que foram os lançamentos “ Get Back” e “ Let it Be” em 2021
Por Vladimir Araújo
O mês de janeiro de 1969 entraria para a história dos Beatles por razões diversas e inesperadas. Não, nenhum álbum com invenções mirabolantes estava nos planos para ser gravado, nenhuma nova invenção de estúdio prestes a ser posta em prática. O que a banda queria após a viagem épica e psicodélica de “Sgt. Peppers (1967) e das fantasias com cores indianas do “Álbum Branco” (1968) era apenas um retorno. Uma volta ao básico.
Cinquenta anos depois, o que se percebe daquele criativo final de década é que mesmo sem que fosse programado o grupo daria aos fãs um dos maiores testemunhos da história do rock. A banda de Liverpool sempre foi tratada em tons superlativos e aqui cabe mais um: nunca um grupo deixou-se mostrar de forma tão escandalosamente visceral.
Entre os dias 2 e 31 de janeiro de 1969, o que foi permitido ser captado por gravadores Nagra e câmeras espalhadas pelos estúdios Twickenham e Apple em Londres, e agora revelado ao público, possui o condão de alterar significativamente a história da banda contada até hoje. As mais de oito horas do documentário dirigido pelo neozalandês Peter Jackson mostram John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr nus. Que os fãs esqueçam os terninhos e cortes de cabelo do início da carreira do grupo. Esqueçam também as aventuras de estúdio, as apresentações ao vivo. Os retratos ali expostos, mostram quatro indivíduos com suas idiossincrasias, vaidades, egos inflados e uma absurda genialidade musical e que se disporiam inclusive, a se deixar filmar em público, pela última vez, no alto do prédio de seus próprios estúdios. Está tudo ali, para quem quiser ver, ouvir e tirar conclusões.
Ainda que não tenha realizado um filme perfeito, Jackson já pode considerar seu “Get Back” como um novo capítulo em uma história que durante cinco décadas pensou-se estar totalmente contada. Confirma-se com esse material que não estava. É o que se percebe ainda, nos produtos que acompanharam o documentário.
Um mês antes do lançamento do filme, chegaria às lojas uma caixa com 57 faixas distribuídas em 5 CD´s e um Blu-Ray, devidamente acompanhados por um livro com prefácio escrito por Paul McCartney, lembranças do engenheiro Glyn Johns, detalhadas notas feitas pelo historiador, autor e produtor de rádio Kevin Howlett e ainda um ensaio do jornalista e escritor John Harris. Ilustrado em formato de scrapbook, o livro traz fotos raras e inéditas de Ethan A. Russell e Linda McCartney, bem como imagens nunca antes publicadas de letras manuscritas, notas das sessões de estúdio, esboços, correspondência dos Beatles, caixas de fitas, molduras de filme.
Diante da caixa “Let it Be ( Special Edition)” o fã pode se perguntar: trata-se de um lançamento com envergadura para ser classificado como definitivo? Resposta: claro que não. Como também não foram definitivos os CD´s da série Anthology, os luxuosíssimos boxes nos quais Paul McCartney vem reeditando sua carreira solo, a recente reedição do álbum “All Things Must Pass” de George Harrison e ainda as reedições de “Sgt. Peppers”, “Álbum Branco” e “Abbey Road”, lançadas respectivamente em 2017, 2018 e 2019.
Porém, que não se tenha a menor dúvida: todos esses lançamentos merecem lugar de destaque obrigatório na coleção de qualquer fã. Àqueles que não raro se incomodam por nessas reedições sempre faltar essa ou aquela versão já presente em discos piratas, é preciso compreender primeiramente que nunca vai haver espaço para tudo. A estes um questionamento: seria preferível não ouvir oficialmente os outtakes do Sgt. Peppers ? Em nome de uma completude que nunca será alcançada, preferiria o fã deixar de ter acesso por exemplo aos míticos takes de Esher do Álbum Branco com qualidade sonora absolutamente perfeita? Acredito que não.
Voltemos para a caixa do álbum “Let it Be”. Desnecessário falar que muita coisa ficou de fora e o lançamento traz inclusive incongruências na edição de algumas faixas em relação à caixa homônima lançada no Japão. Mas, os áudios aos quais o fã tem agora a oportunidade de ouvir são não menos que sensacionais. Sem tecer comentários, por desnecessário, ao disco original, que aparece com nova mixagem e encartado no CD 1, o que se tem nos outros discos são verdadeiros achados.
Sim, a maior parte dessas gravações já era velha conhecida da pirataria, mas o que importa é perceber que esta é a primeira vez em mais de 50 anos que esses takes, outtakes e demos estão sendo oficialmente disponibilizados, e com uma limpeza de som capaz de agradar até aos mais exigentes ouvidos.
A partir daí, o que o fã experimenta é um verdadeiro deleite. Os exemplos são vários. Do take 4 e quase embrionário de “Two of Us”, a “Oh Darling” numa versão onde John e Paul dividem os vocais; de uma espécie de suíte com quase 11 minutos (takes de Glyn Johns) onde “Don’t Let Me Down,” “Dig a Pony,” e “I’ve Got a Feeling são tocadas, à apresentação que George Harrison faz de sua então novíssima “For You Blue”. Entre os takes é possível ouvir a banda trabalhando em faixas como “Polythene Pam” e “She Came In Through The Bathroom Window” que só viriam a ser aproveitadas no álbum Abbey Road, gravado após Let it Be. Sublime resgate, presente ainda “Without a Song”, cover feito pelo tecladista Billy Preston e também o nascimento de clássicos como “Get Back” e “Let it Be”.
Não fosse um documentário de 8 horas e uma caixa de CD´s suficientes, o fã é novamente convidado a ingressar nos estúdios, desta vez pela porta de “The Beatles: Get Back”, livro em capa dura que, no decorrer de quase 300 páginas traz o registro fotográfico das sessões em fotos na sua maioria inéditas. Como outro presente para os admiradores do grupo, a publicação traz a transcrição em ordem cronológica do que era falado nas sessões. “The Beatles: Get Back” é o primeiro livro oficial do grupo desde o best seller “ The Beatles Anthology”, publicado em outubro de 2000.
Nos últimos anos os dois beatles vivos, Paul McCartney e Ringo Starr, juntamente com os espólios de Lennon e Harrison, vem trabalhando anualmente nas reedições dos discos da banda. Caixas com os quatro últimos já foram lançadas. O que virá daqui para frente? Giles Martin, filho do eterno produtor do grupo, George Martin e presente em todos esses projetos já declarou que não se incomodaria em revisitar “Revolver”, álbum de 1966. Por enquanto nada se comenta, nada se confirma.
O que temos para hoje é que muito mais que um material feito para fãs, o livro “Get Back”, a caixa de CD´s e o filme de Peter Jackson, revelam-se ao final e indiscutivelmente, um verdadeiro documento para a história do rock´n roll. De repente, é como se todos nós fossemos convidados a estar presentes naquela fria manhã londrina onde a banda realizou sua última apresentação ao vivo.
Vladimir Araújo é advogado, professor, pesquisador e mestrando em Estudos da Tradução pela Universidade Federal do Ceará.
SERVIÇO:
Let It Be Special Edition [Super Deluxe 5 CD/ Blu-ray Audio Box Set]
(Oversize Item Split, With Blu-ray, Boxed Set)
Artist: The Beatles Format: CD Release Date: 10/15/2021
LABEL: Capitol
NUMBER OF DISCS: 6
UPC: 602507138691
GENRE: Rock
The Beatles: Get Back
Editora : Callaway Arts & Entertainment; 1ª edição (12 outubro 2021)
Idioma : Inglês
Capa dura : 240 páginas
ISBN-10 : 0935112960
The Beatles: Get Back
Direção: Peter Jackson
Gênero : Docussérie
Duração : aprox. 8h
Onde: Disney +