Por João Lennon
Os Beatles ao fazer sucesso, colocando “Please, Please Me” em primeiro lugar nas paradas, abriram um precedente. Até então, nenhuma banda pop ou rock inglesa era levada realmente a sério. Com isso, mais portas abriram para diversas outras bandas daquele país, entre elas, os Rolling Stones.
Uma “rivalidade” entre os dois grupos foi criada em torno deste evento, na verdade, uma grande jogada de marketing, feito pelo empresário e produtor dos Stones (Andrew Oldham), que havia trabalhado com os Beatles. Para promover os Stones, Andrew decidiu criar uma imagem oposta aos Beatles, que eram tidos pela mídia como uma banda “comportada”, e esculpiu aos poucos uma imagem “rebelde” para seu quinteto.
Na verdade, as duas bandas eram amigas. Na primeira vez que se encontraram, foi através de Giorgio, dono de um clube em Londres no qual os Stones se apresentavam com freqüência antes de ficarem famosos. Giorgio, querendo fazer um filme sobre os Beatles, conseguiu contato com eles e os convidou ao Crawdaddy para assistirem os Rolling Stones. Ao aparecerem lá no meio do primeiro set, os Stones se sentiram intimidados, pensando “Putz! São os Beatles!” Conversaram depois, entre sets, todos se dando muito bem. Os Beatles acabaram ficando e assistiram todo o segundo set também, maravilhados pela música e a atmosfera. Depois foram todos para Edith Grove, onde Brian, Mick e Keith moravam, e ouviram o disco demo dos Stones, alguns discos de Muddy Waters e Jimmy Reed. Conversaram muito sobre a metamorfose que estava se passando entre a juventude e os interesses eclodindo na forma de uma música que a representasse como o rock ‘n’ roll ao invés do jazz, bolero ou polka que os pais geralmente ouviam.
Brian pediu e ganhou uma foto autografada pelos quatro que ele colocou em um lugar de destaque na casa e todos foram convidados pelo ‘fab four’ a assistirem a apresentação no Royal Albert Hall na quinta seguinte. Para não precisar pagar ingresso, Mick, Keith e Brian, os únicos que não tinham empregos, compareceram levando as guitarras de John, Paul e George para dentro do teatro, entrado por uma porta lateral. Neste momento, Brian é confundido com um dos Beatles por uma horda de meninas.
Passado algum tempo, os Stones conseguem fazer sucesso com seu primeiro compacto “Come On”. A Decca, gravadora que contratou os Stones por indicação de George Harrison, faz pressão para que eles lancem um segundo single, mas os rapazes não conseguiam escolher uma canção adequada dentro das várias do repertório. Foi quando por um acaso, Andrew descendo a Jermyn Street a pé, vê um taxi encostando. “Olá Andrew; entre.” Era Paul McCartney acompanhado de John Lennon que vinham de um outro compromisso. Como já se conheciam dos tempos em que Andrew trabalhava para Brian Epstein, ele foi logo contando a situação delicada em que os Stones se encontravam em relação ao seu próximo lançamento fonográfico. Paul então oferece “I Wanna Be Your Man” que ele havia começado a escrever pensando em um número para seu baterista Ringo Starr cantar. O taxi então desvia para o Studio 51, onde a banda ensaiava e prontamente ofereceram a canção. “A letra só tem o refrão” disse John, “mas se vocês gostarem da música, terminamos ela agora mesmo”. Com John na guitarra e Paul, usando o baixo do Wyman, ensinam a música e cantam o refrão. Sendo canhoto, Paul teve que tocar o instrumento ao contrario, exercendo a difícil tarefa com perfeição, para o espanto de Wyman. Após ouvirem a canção, Brian diz que gostou e então todos concordaram que era uma ótima canção. John e Paul foram então para uma sala ao lado para terminá-la e cinco minutos depois estavam de volta. “Esqueceram algo?” perguntou Bill, “Querem um violão para ajudar?” “Não, está pronta.”
Logo que Lennon e McCartney deixam o recinto, os Stones começaram a mexer na música para enquadra-la mais ao seu som. Brian tocando slide guitar deu outra sonoridade e todos ficaram satisfeitos. No De La Lane Studio, no dia 7 de Outubro, a banda parte para gravar finalmente o seu segundo compacto. Brian abandona a idéia original do slide tradicional, em prol do uso de um gargalo de garrafa na guitarra, o que deu um som totalmente novo dentro da concepção que os Stones tinham da música um mês antes. Esta inclusive é a primeira vez que se grava o chamado ‘bottle neck guitar’ (guitarra com gargalo de garrafa) no Reino Unido. Como sobrou pouco tempo de estúdio para gravar o lado B, inventaram um tema na hora, fortemente inspirado em “Green Onions” de Booker T. & The MG’s. A canção foi batizada “Stoned”. O compacto chegou às lojas em 01-NOV-63. Os Beatles só vieram a gravar esta canção, com Ringo nos vocais, posteriormente, para o segundo álbum dos Beatles – With The Beatles, lançado em 23-NOV-63.
Coincidências – Os Beatles foram responsáveis diretos pelo sucesso dos Stones. No passar dos anos, pode-se notar várias “coincidências” em relação a estas duas bandas:
- A capa do primeiro álbum dos Stones segue o mesmo estilo de With The Beatles, porém com uma inovação: foi omitido o nome da banda, sendo que os Beatles esperaram até Rubber Soul para lançarem um disco, cuja capa não possuia seus nomes;
- “As Tears Go By” sai com arranjos para violão e cordas, imitando “Yesterday”;
- Os Beatles usaram sitar hindu em “Norwegian Wood” e os Stones aproveitaram a onda, como várias outras bandas, para lançar “Paint It Black”, tendo Brian Jones no sitar;
- Algumas músicas dos Stones lembram outras dos Beatles. O refrão de “I’m Free” inverte o (hold me, love me) de “Eight Days A Week”. “The Singer Not the Song” tem o mesmo início de “Not A Second Time”.
- Brian Jones participa nos vocais de “Yellow Submarine” e toca sax em “You Know My Name”
- O LP Between The Buttons tem a ver com Revolver: ambos trazem alusões sutis a drogas e imitações musicais de Bob Dylan e Kinks;
- A parceria de compositores Jagger/Richard nasceu como uma imitação de Lennon/McCartney. A parceria dos Stones é tão fictícia quanto a dos Beatles. Poucas músicas são de Paul e John juntos. E Mick e Keith, ao começarem a compor, realmente o faziam em parceria. Mas en 1967, no LP Between The Buttons, surgem as primeiras músicas compostas somente por Mick (“Yesterday’s Papers”) ou Keith (“Connection”).
- Sgt Pepper’s e Satanic Majesties. Até o autor das capas de ambos os discos é o mesmo, Michael Cooper. Durante as seções de gravação do Sgt. Pepper, constantemente apareciam Mick Jagger, Brian Jones e Keith Richards. Na capa do Sgt. Pepper há aquela faixa escrita “Wellcome The Rolling Stones”;
- “We Love You”, a música onde os Stones agradecem o apoio recebido durante sua prisão segue a onda de paz e amor de “All You Need is Love”. Também contou secretamente, devido a problemas contratuais entre a EMI, com a participação da dupla Lennon-McCartney nos vocais. Os Stones chegaram a ser severamente criticados por imitar os Beatles até mesmo na voz, pois ninguém sabia que John e Paul haviam participado da gravação;
- Na apresentação na TV em que os Beatles cantam “All You Need is Love”. Lá está, entre outros, Mick Jagger fazendo parte dos backing vocals;
- Os dois grupos saem da fase psicodélica no mesmo período: os Beatles com “Lady Madonna” e os Stones com “Jumpin’Jack Flash”
- No Rock and Roll Circus, em 11-DEZ-68, John canta “Yer Blues”, acompanhado por Keith Richards no baixo (the soul brother de Mick Jagger, nas palavras de John), Eric Clapton na guitarra solo e Mitch Mitchell (do Jimmy Hendrix Experience) na bateria;
- A capa do LP Beggar’s Banquet teve sua capa original rejeitada pela Decca e saiu com capa branca, lembrando o Álbum Branco;
- Também são semelhantes os títulos de Let It Be e Let It Bleed;
- Na apresentação dos Rollling Stones no Hyde Park, em Londres, em 05-JUL-69, logo após a morte de Brian Jones, no final do show, a câmera focaliza Paul McCartney, se levantando lá no meio da multidão, e se virando para ir embora;
Apple – No final de 1966, os Beatles foram aconselhados pelo seu departamento de finanças a diversificar seus investimentos gastando um pouco mais do dinheiro ganho para não serem devorados pelo imposto de renda. Uma vez caindo na categoria de super taxação, John, Paul, George e Ringo estavam pagando cerca de 90% dos seus ganhos em imposto. O primeiro entre vários passos que os Beatles tomariam no verão de 1967, em função desta sugestão, seria de criar uma firma prontamente batizada de Beatles Company. Outros projetos incluiriam o de montar uma boutique de modas e a compra de uma ilha.
Paul McCartney convida Mick Jagger a pensar sobre a possibilidade das duas bandas se juntarem como sócios. A notícia chegou a ser divulgada, embora apenas como boato. A proposta é um reflexo do fato de os Beatles estarem sem seu empresário Brian Epstein e os Stones, estando sem representação, presos ao duelo jurídico envolvendo Eric Easton, Andrew Oldham e Allen Klein.
Os Beatles visionam uma firma que irá dar condições para outros artistas produzirem artisticamente, e estes trabalhos chegarem ao mercado de consumo, sem o costumeiro tratamento frio e impessoal das grandes empresas e gravadoras, somente interessados em lucro. Paul sonha alto e projeta planos para uma firma que irá englobar música, poesia, além de produzir e vender manufaturados. Embora Mick Jagger chegasse a cogitar a possibilidade de os Rolling Stones unirem esforços e fortunas com os Beatles, ele estava na verdade mais interessado em limitar o empreendimento em apenas ser proprietário de um estúdio de primeira linha. Suas conversas com Paul giravam em torno do estúdio para servir às duas bandas, não comprando muito a idéia deles conseguindo gerenciar uma grande corporação que cuidaria de todos os aspectos dos negócios.
Com a visível diferença entre os ideais dos dois, Mick se desculpou explicando que, na prática, todo capital de giro da banda estava preso na justiça, em função do caso pendente entre Easton e Oldham. Mantendo a mente aberta para o futuro, Jagger autoriza sua secretária particular Jo Bergman a procurar um novo escritório para os negócios dos Rolling Stones, onde teria também um espaço para se montar um estúdio. Solicitou também que fosse registrado o nome Mother Earth, considerando este um nome ideal para o futuro estúdio.
A Beatles Company acabaria se tornando a Apple Corp. e os Stones teriam que aguardar mais três anos até poderem ter em suas mãos, o hoje conhecida selo Rolling Stones Records. De bom, o assunto serviu para colocar os Stones nos jornais sensacionalistas fofocando sobre assuntos mais artísticos, do que os últimos relatos policiais.
Enfim, os anos 60 se foram e os Beatles, infelismente, não seguiram o exemplo dos Stones de ficarem unidos até hoje, mas a rivalidade continua…
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