Thomas Arques interpreta George Harrison na banda paulista All You Need Is Love que conta também com Sandro Peretto (John Lennon), César Kiles (Paul McCartney), Renato Almeida (Ringo Starr) e Anselmo Ubiratan (George Martin). O grupo lançou um DVD triplo com um show gravado no HSBC que atingiu a marca de 25 mil cópias vendidas. O guitarrista gentilmente nos recebeu em sua casa em São Bernardo do Campo para um agradável bate papo. Por Adailton Lacerda.
Como e quando começou o seu interesse por música?
Desde pequeno ouvia meu avô tocar violão. Gostava de ouvi-lo, mas eu ainda era muito jovem. Passados alguns anos, montaram uma escola de música em frente à casa em que eu morava e pensei: “É a minha chance”. Já havia pedido para o meu avô me ensinar algumas coisas. Peguei gosto, comprei um violão e comecei a estudar música. O primeiro solo que tirei foi o de And I Love Her. Eu fazia acordes, mas achava que nunca conseguiria tirar uma música. Um dia estava com o violão e a fita K7 rolando e resolvi tentar. E saiu certo.
Como se interessou pelos Beatles?
Minha tia sempre gostou muito e tinha os vinis. Às vezes ela comentava sobre eles com meu pai, que viveu a época. Tinha a coletânea Love Songs que ela colocava pra tocar e eu achava legal. Até que resolvi ouvir pra valer. Pedi emprestado e trouxe pra casa. Ouvi e falei: “Isso é coisa finíssima. É fabuloso. Não tem nada igual”. Isso foi em meados dos anos 80. Veio de família. Todos curtiram a época, então veio naturalmente.
Por que George Harrison?
Quando comecei a ouvir Beatles mais a fundo, me interessei pela simplicidade que ele tinha. Sempre aquela nota certa no lugar certo e timbres maravilhosos. O solo de All My Loving, por exemplo, é uma composição dentro da composição. Fico maravilhado com essas coisas. Ele não tocava para aparecer. Estava a serviço da música. Paul e John pediam solos ao George. Imagine a responsabilidade. Got To Get You Into My Life não tem guitarra a música quase inteira, mas quando entra aquele riff não precisa de mais nada. Se eu conseguisse fazer frases de guitarra como as de Maxwell’s Silver Hammer ficaria feliz pro resto da vida. George é um dos maiores guitarristas que já existiu.
Como foi formada a banda All You Need Is Love?
Toco com o César Kiles desde 1993. A banda se chamava Just Beatles e tinha outra formação. Ao longo dos anos nos desenvolvemos tanto musicalmente como teatralmente. Desde o início tocávamos os arranjos originais. Procurávamos ser os mais fiéis possíveis mesmo ainda sem os instrumentos iguais. O César foi tocar em outras bandas e conheceu o Renato, o Sandro e o Anselmo. Nessa época fiz outros trabalhos tocando rock em geral. Até que eles se desligaram das outras bandas e retomamos o trabalho. Vimos que, por mais que tenhamos ficado muito tempo sem tocar juntos, rolou aquela química de novo. As experiências que todos tiveram em outras bandas somaram bastante. Desenvolvemos o All You Need Is Love que felizmente está crescendo e agradando muito.
Como foi o laboratório para interpretar os Beatles? Notei que cada um possui as respectivas características de cada beatle, e parece muito natural.
Nós não falamos: “Você vai ser o George, você o John, etc”. Eu não teria como interpretar o Paul que é o mais comunicativo. O César já tem a facilidade. Eu fico mais na minha. O Sandro fica sério no palco e dá umas tiradas sarcásticas como o John. O Renato é palhaço pra caramba. Ele não se acha engraçado, mas numa dessas você começa a rir porque ele tem o jeito brincalhão. De tanto estudar, a gente acaba agregando coisas assim. Não ficamos pensando que está chegando a hora de fazer tal movimento. Sai naturalmente. Nada é ensaiado, e isso é um diferencial. Assim o show flui bem e com uma naturalidade impressionante. E quem está assistindo percebe isso.
Qual a importância da participação do Anselmo Ubiratan e demais músicos de apoio para as apresentações?
O Anselmo é o nosso maestro. Ele interpreta o George Martin e transcreveu todos os arranjos. A orquestra não é fixa porque não dá para levá-los a todos os lugares e os locais pequenos não comportam. Mas quando vamos tocar em lugares como Manaus, por exemplo, usamos músicos locais pra diferenciar. E isso cria um vínculo com o pessoal da cidade também. Quando não há orquestra, o Anselmo faz tudo nos teclados. Ele tem um monte de teclados e computadores do lado. Não sei como ele consegue (risos), mas ele tem o dom. A partir da fase Sgt. Pepper’s é primordial para o espetáculo.
Fale sobre suas guitarras e equipamento.
Até agora tenho as Gretsch Country e Tenessee, a Rickenbacker de 12 cordas, a Epiphone Casino e a Fender psicodélica. Em breve a Telecaster Rosewood do Let It Be. A Les Paul que uso é de cor diferente. Não existe da cor que o George usava porque era pintada. Estou atrás dessas duas. A mais difícil de conseguir foi a Ricky 12 cordas porque hoje em dia há uma fila de espera na fábrica de 3 anos. Por acaso o César achou em uma loja nos EUA para pronta entrega. A primeira foi a Gretsch Country que é a mais famosa. Às vezes fico olhando pra ela e penso: “Caramba! É ela mesmo aqui na minha frente”. É mais empolgante quando vejo que é o mesmo timbre. Uso amplificador Vox também. Futuramente teremos os amplificadores Fender que os Beatles usaram a partir do Álbum Branco. Cada coisa que acrescentamos ao equipamento e nos faz chegar mais próximos do timbre original empolga mais e nos faz aprimorar mais.
Como é o espetáculo? O que o público vê no show do All You Need Is Love?
O show é cronológico. No espetáculo completo usamos 4 figurinos: beatlemania com ternos, Sgt Pepper’s com as fardas coloridas, Magical Mystery Tour com as roupas do clipe I Am The Walrus e a última fase (Álbum Branco, Let It Be, Abbey Raod). Fazemos um resumo de toda a obra dos Beatles. Em cada fase mesclamos os sucessos com aquelas que curtimos tocar e não são tão usuais como And Your Bird Can Sing e Another Girl. Às vezes fazemos um show específico. Reproduzimos o Shea Stadium no Tom Jazz em São Paulo. Usamos as mesmas roupas e tocamos as músicas com o mesmo andamento que os Bealtes tocaram na ocasião. Isso chama a atenção. Sempre procuramos fazer coisas diferentes e alterar o set list com coisas novas.
Como surgiu a ideia da gravação do DVD? Vocês são a única banda que conseguiu o direito de gravar e comercializar canções dos Beatles.
Logo que começamos com o All you Need Is Love queríamos fazer algo que niguém havia feito. Então pensamos no DVD. Não sabíamos se venderia, mas fomos em frente. Batalhamos muito nisso e somos a única banda que tem o direito de gravar e lançar as músicas dos Beatles. Mostramos o trabalho para pessoas que detem esse tipo de liberação e viram que é um trabalho sério. Comercializar um DVD assim, acredito que era inédito até então. Está nas lojas. E essa autorização também chama a atenção e felizmente deu certo. Esse ainda é o primeiro. Pretendemos fazer mais.
Vocês estão tocando por todo o Brasil? Com está a agenda?
Felizmente está sempre cheia. É sempre bom quando vamos a um lugar que ainda não havíamos ido, como Vitória recentemente que foi muito legal. E o pessoal vem cumprimentar a gente. Procuramor ir a tudo que é lugar do Brasil e futuramente para o exterior. Temos planos de turnê nos EUA e Inglaterra.
Como vê a beatlemania nacional? Estando no palco, como é a reação das pessoas?
Beatles estão sempre fortes e no Brasil é impressionante. Nos shows vemos crianças de 5 anos de idade cantando as músicas. E não é balbuciando, é cantando a letra mesmo. Então Beatles não tem idade. A primeira vez que fomos para o Nordeste estava lotado e o pessoal levanta e fica pulando. Em todo lugar que a gente vai e fala em Beatles, as pessoas ficam alucinadas. Em Belo Horizonte ficamos impressionados. Quando abriu a cortina vimos gente pendurada no teto (risos). Vemos as pessoas empolgadas e queremos tocar mais ainda.
Qual música te dá mais prazer em tocar e qual a mais difícil em termos de execução?
Mais difícil pra banda acho que a partir da segunda fase. Músicas como I Am The Walrus ou A Day in the Life com aquela evolução da orquestra no meio. Na terceira fase tem Something, por exemplo, que tem uma parte orquestral riquíssima. Os arranjos passaram a ser mais rebuscados. Ano passado tocamos Tomorrow Never Knows. Como fazer aquilo tudo ao vivo? É preciso estar muito centrado para fazer. E quanto mais difícil, mais gratificante. Quanto às mais prazerosas, cada época eu diria uma música diferente. Hoje toquei Savoy Truffle e de repente posso tocar Chains. Depende muito do momento.
Alguma situação inusitada durante um show?
Já chegaram pro Sandro e falaram “Seu John Lennon, tenho todos os seus discos”, ou “tenho o disco que você está atravessando a rua” (risos). Tem coisas curiosas e inusitadas. Uma vez em Teresina, a energia elétrica acabou no meio do show e ficou tudo escuro. Não sei se pensaram que o show tinha acabado e começaram a subir no palco e nos cumprimetar e tirar fotos. Foi engraçado.
Qual é a melhor coisa de fazer um show/turnê dos Beatles?
O prazer de estar no palco tocando Beatles é o melhor de tudo. O reconhecimento é consequência disso. Você está lá tocando músicas que gosta de uma banda fantástica que você ouve desde pequeno e ama pra caramba. É estar lá fazendo o que gosta e sendo verdadeiro. Podemos estar em um lugar grande ou no boteco da esquina. Tratamos todos igualmente. E o público percebe isso e retribui. É maravilhoso.
Há contato com outras bandas cover?
Temos bastante contato com o pessoal da Zoom Beatles, com o Beatles Alive do André Dias que estiveram no Concert For Assale. Infelizmente não pudemos comparecer, pois estávamos no Rio de Janeiro. Sempre falamos com o Beatles 4Ever, com o grupo Liverpool. Um pessoal que ajudou bastante no DVD com equipamentos e dicas de figurino e músicas. Não tem como não conversar com outras bandas. “All You Need Is Love”, então seguimos isso. Infelizmente há pessoas que acham que isso é uma competição. Pra mim, música quando vira competição fica estranho. Música é diversão, liberdade e tem muito mais gente que pensa assim também. Percebemos isso na amizade com outras bandas. Estamos sempre nos ajudando e é excelente.
Você tem aulas com o Beto Ianicelli. Como o conheceu?
Conhecia há muito tempo, mas não tinha tanto contato. Quando ele lançou o Beatle Songs, teve um show no Little Darling em São Paulo. Fui lá e toquei com ele e com a Zoom Beatles. Então comecei a ter mais contato com ele. O Beto é uma pessoa que está em um nível elevado ao extremo. É gente finíssima, um mestre, engraçado, desligado pra caramba (risos). Ele manja muito de música, não apenas Beatles. E cada vez que tenho aulas com ele é uma diversão. Se deixar, ficamos o dia inteiro conversando e tocando. Quem tiver a oportunidade de conhecer e tocar com ele, é fabuloso.
Qual o seu álbum favorito dos Beatles?
Eu diria que o Please Please Me. Apesar de ser o primeiro disco, gosto justamente por isso. Porque ali eles ainda não eram OS BEATLES. Eram uma banda lançando o primeiro disco e dizendo “estamos aqui”. Ainda não eram conhecidos mundialmente, mas já se percebe a empolgação e a musicalidade, apesar de ter sido gravado em um único dia. Ali começou tudo o que dura até hoje.
E quais os seus álbuns favoritos das carreiras solo?
All Things Must Pass do George é soberbo. Lançar de cara um álbum triplo não é pra qualquer um. Band On The Run do Paul é indiscutível. Só tem música boa. Parece coletânea. Do John é difícil dizer porque gosto de todos. Imagine, por exemplo, é um disco maravilhoso. O Double Fantasy é fantásco. Do Ringo acho bem legal o primeiro (Sentimetal Journey). Gostei muito do Liverpool 8 e do Y Not. Os últimos discos do Ringo são excelentes.
Você foi aos shows do Paul McCartney? Como foi a emoção?
Estive no Morumbi. Não poderia perder. Só quem esteve lá pode dizer o que é aquilo. Ver o cara lá no palco mandando bala. Quero chegar na idade dele tocando muito também. Aquele monte de músicas que você ouviu a vida inteira em CD, vinil, fita e de repente o cara está lá na sua frente tocando aquelas músicas. A guitarra Epiphone Casino que vemos a foto no Beatles Gear sobre os equipamentos e de repente o Paul lá tocando ela. Você está vendo ele tocando a guitarra na qual ele fez o solo de Taxman. É mágico!
Irá ao show do Ringo Starr?
Sim, estaremos lá. Vamos ver se nos encontramos com ele. É difícil, mas se conseguirmos estar na frente dele, o que dizer? Oi? (risos). Afinal, é o Ringo.
2011 é o décimo ano da partida do George para uma outra jornada. Como você definiria a importância dele?
O George, não apenas como músico, mas como pessoa é incrível. Veja sua atitude com o Concert For Bangladesh, por exemplo. Ele era e é, onde quer que esteja, uma pessoa iluminada. Tinha muita coisa boa pra passar. Queria sempre o melhor pra todo mundo. Era aquela pessoa que se você estivesse na frente dele sentiria uma enorme paz. E era uma pessoa simples. Lembro de quando recebi a notícia da morte dele. Era como alguém muito próximo partindo. Você percebe nas músicas e nas entrevistas que ele estava em um nível superior e tinha muita luz. George fará falta até o fim dos tempos.
E como você definiria a influência dos Beatles?
Eles chegaram com músicas e comportamentos diferentes. Não era como as regras diziam que deveria ser. Isso deu um “start” para as pessoas começarem a pensar de outra forma. Dizer que os Beatles foram influentes é o mínimo que se pode falar. Veja como era antes e depois deles. Hoje em dia apontam coisas modernas, mas eles já tinham feito e dito muitas coisas. Quanto mais você olha pra eles em todos os aspectos, mais absorve coisas. É inesgostável o que eles têm pra ensinar. É uma escola que você tem sempre o maior prazer do mundo de frequentar.
Eu gostaria que você deixasse uma mensagem para os beatlemaníacos.
Falo em nome de todos do All You Need Is Love que os Beatles são eternos e ainda temos muito a aprender com eles. O Brasil tem paixão pelos Beatles. Vemos isso aqui no Portal. E nós queremos compartilhar essa paixão com todo mundo. Nosso trabalho é fazer isso perdurar cada vez mais. Queremos que os Beatles fiquem nos corações das pessoas para todo o sempre. E queremos que todos do Portal acompanhem nossos shows. Teremos o maior prazer de receber todo mundo. É um prazer conversar com quem tem a mesma paixão que a gente.
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