No dia oito de dezembro de 1980 eu era só um rapaz de dezoito anos que tinha ficado de recuperação no terceiro científico do Colégio Estadual Dr. Karlos Kluwe, na minha amada Bagé, no Rio Grande do Sul. Trabalhava durante o dia como office boy (meu primeiro emprego) e estudava à noite. Passei com louvor em História, Geografia, Português, Inglês, Literatura, mas fui mal em Química e Física – que sempre detestei.
Na noite daquele dia eu fiz a última prova da recuperação e a sorte estava lançada. Deixei o Estadual por volta das onze da noite acompanhado de uma colega que demorou demais fazendo a prova dela, sendo a última a deixar a sala de aula. Era um tempo sem internet, sem telefonia celular e sem a velocidade que a informação tem hoje. Por isso eu só soube que John Lennon tinha sido assassinado na noite anterior através da edição do Jornal Hoje do dia nove. Podia ter sabido mais cedo se eu vivesse numa capital, quem sabe. Recordo-me de voltar para o trabalho na parte da tarde impactado pela voz do repórter da Globo que disse no telejornal: “O ex-beatle John Lennon foi assassinado com cinco tiros em Nova York”.
“Não se perdeu grande coisa, é um maconheiro a menos no mundo”, disse o babaca de um colega de trabalho daquele tempo, diante dos meus olhos marejados. Debruçado nessas lembranças eu fico analisando como o tempo voou nesses trinta e um anos. Reflito sobre as viradas que o mundo deu nesse período de três décadas em que trocamos o analógico pelo digital. Penso em quem eu era e no que sou hoje. E no passar dos anos com a persistente companhia dos Beatles como trilha sonora.
John Lennon estaria fazendo o que faz Paul McCartney? Teria aceitado a elevação a categoria de Sir? A coleção remasterizada dos Beatles teria sido lançada? Projetos como LOVE e Anthology teriam sido feitos? Como seria uma turnê de John? É mais prudente deixar qualquer dessas perguntas sem respostas. Lennon tinha só 40 anos quando foi tirado da vida. Não duvido que com todas as transformações do mundo, nesses trinta e um anos, o pensamento dele aos 71 estivesse adaptado aos novos tempos.
Mas você se imaginaria numa longa fila às portas de um estádio para assistir o concerto de uma excursão que ele nunca fez após a separação dos Beatles? E o que Lennon teria feito nesses trinta e um anos em termos de lançamentos eventos e ações em prol de sua carreira individual? Vou me perguntando sobre essas coisas com uma saudade imensa. Saudade de um John Lennon que acabamos não tendo. Nos seus dez anos de vida pós Beatles ele trocou o grupo mais sensacional de todos os tempos por Yoko Ono. Permaneceria a japonesa nos discos de Lennon pós Double Fantasy? Persistiria ela em interferir (e usufruir) do espaço artístico do cara? Se formos julgar pela derradeira entrevista que ele concedeu (e que foi publicada em Janeiro de 2011 pela revista Rolling Stone), podemos depreender que sim. Mas será que com toda a mudança dos ventos, John Lennon insistiria em não separar sua vida pessoal com Yoko da carreira artística? Conseguiria ele se apresentar ao mundo sem a incômoda presença dela?
A melhor maneira de responder a essas indagações é individual. Tenho minha visão dos fatos e o amigo leitor tem a sua. Certamente convergimos num ponto: a falta que John Lennon faz. Sem ele um pedaço enorme do lado intuitivo e emocional dos Beatles desapareceu para sempre. Por esse ângulo é uma perda comparável à de George Harrison. Só que Lennon, por mais mudado que estivesse hoje aos 71 anos, ainda seria um sujeito inquieto e relevante.
O que falta então, além da presença física dele? Falta algo que Yoko Ono já provou que nunca dará aos fãs. A japonesa faria seu melhor se devolvesse John Lennon ao seu público através de lançamentos pensados para quem o acompanha e o idolatra há mais de 40 anos. Yoko poderia compreender melhor o sentido dos Beatles para o mundo se permitisse a um cineasta como Martin Scorcese que contasse a saga de John Lennon como fez com as histórias de Bob Dylan e George Harrison. Yoko poderia dar a Lennon postumamente a carreira solo formal que ele acabou não tendo, em parte pelo extrapolar da presença dela. Quem seria o amigo de John a quem Yoko poderia confiar a produção de um Concert For Lennon, nos moldes daquele que foi produzido em homenagem a George Harrison? John não convivia com praticamente nenhum de seus contemporâneos quando se foi, mergulhado na vida marital.
Eu me somo aos que sentem falta do John Lennon como um beatle, não exatamente na banda, mas como artista com o desenvolvimento de uma carreira individual semelhante a dos outros três. Tudo o que eu gostaria nesses trinta e um anos era ter mais John Lennon com o mínimo possível de Yoko. Se ela entendesse isso, poderia reapresentar o marido ao mundo.
CLAUDIO TERAN
[email protected]
Comente