Paul McCartney

Entrevista: Paul McCartney

347038_n

Ano passado (2014) Paul McCartney assustou seus fãs ao cancelar várias apresentações no Japão depois de acometido de uma doença misteriosa. Chegou a ser internado e depois foi misteriosamente levado para Londres. Não se sabe o que aconteceu. As informações divulgadas na época não foram conclusivas nem esclarecedoras. O fato é que Paul saiu de cena e passou um bom tempo relaxando. Depois retornou. Triunfal, e tocou nos EUA.

Na primeira entrevista concedida após o acontecido ele não deu detalhes de nada. Nem foi perguntado. Mas informou sobre o que andou fazendo. Enveredou também por temas polêmicos, baseado naquilo que se viu no clipe produzido para a música Early Days (NEW). E também se confundiu em algumas declarações.

Paul está de volta ao Japão. Então é um bom momento para resgatar aquela entrevista – inédita para o público brasileiro. Boa reflexão e boa leitura.

THE LONG AND WINDING ROAD
Uma conversa em profundidade sobre as últimas experiências de dance music de Sir Paul. Ele também diz por que não tem planos de se aposentar das turnês e fala sem rodeios como foi realmente ser um Beatle.
Por: SIMON VOZICK-LEVINSON
Trad: CLAUDIO TERAN

No final de maio, quando Paul McCartney cancelou e em seguida adiou 12 datas de sua turnê mundial “Out There” citando ordens médicas que o aconselhavam a descansar depois de hospitalizado brevemente por conta de um vírus misterioso contraído em Tóquio, os fãs ficaram preocupados. McCartney não. “As pessoas me dizem: ah, isso deve ter sido terrível para você e eu respondo que na verdade não foi não”, disse ele à Rolling Stone. “Ninguém nunca me disse para descansar. Foi como férias de verão na escola ou algo assim. Eu pensei: sim, eu posso parar um pouco”.

McCartney diz que o tempo fora da estrada serviu para recuperar o atraso em todos os tipos de atividades que a sua pesada agenda de shows não permite fazer. “Eu aproveitei bem o tempo ocioso em casa, na Inglaterra”, afirmou. “Meu enteado tinha um roteiro de filme e eu me dediquei a ler e pensei numa trilha sonora para ele. Também comecei a correr um pouco e foi ótimo, tudo num clima leve, calmo. Então fui para o meu estúdio de gravação e fiz músicas novas, alguma coisa experimental e isso foi como um despertar musical que fez eu me sentir melhor”.

Um dia depois de seu retorno triunfal aos palcos em Albany, Nova York, (05/07) McCartney recebeu a Rolling Stone para uma conversa de uma hora. Ele contou como passou seu tempo fora da estrada – incluindo as experiências de estúdio e uma viagem para Ibiza com a esposa Nancy Shevell – e também falou das lembranças que tem de ir a shows de rock na adolescência nos anos 1950 em Liverpool; sobre os equívocos acerca de John Lennon, e muito mais.

Conte-nos mais sobre a música em que você esteve trabalhando
Eu tenho um estúdio a cerca de 20 minutos de distância de onde eu vivo. Às vezes vou pra lá e noutras eu trabalho em casa no meu computador. Mesmo não sendo um cara realmente de computador eu tenho um programa de música que estou usando há alguns anos, chamado Cubase. É incrivelmente viciante. Eu digo que só vou navegar nele por pouco tempo e de repente lá se vão seis horas, então alguém tem de me cutucar e dizer: vá para casa agora. Normalmente eu trabalho o meu lado orquestral no computador, mas então alguém me diz que isso não é tecnicamente um programa de orquestra. É mais um programa de pop, mas eu gosto dos resultados. Como eu estava com muito tempo para não fazer nada eu pensei “ótimo, vou começar como se estivesse em uma pista de dança ou algo assim”.

Eu também tenho um sequenciador que usei anos atrás. Eu fiz um álbum com isso, McCartney II, onde experimentei com sequenciadores e sintetizadores. Então me deu vontade de voltar a usar. E juntei as coisas com o Cubase. Foi muito legal. Eu peguei o BPM (Business Process Management) do sequenciador, combinei com o computador, e coloquei alguns tambores a partir do computador. Depois enviei para o Pro Tools e estraguei tudo – porque o caminho não deveria ter sido esse, mas foi assim que começou.

Uma semana se passou e eu fiz um par de faixas, o que despertou meu paladar musical. Fiquei muito feliz com o resultado. Eram pequenas coisas experimentais funky, instrumentais. A primeira que fiz tem uma levada africana, então eu dei-lhe o título de trabalho, “Mombaça”. A segunda é um pouco mais rápida, mas também tem um acento africano. Eu a chamei provisoriamente de “Botswana”. Acabou sendo uma boa semana. E foi engraçado, eu conversei com Joe Walsh sobre isso e ele me disse: “sim, o melhor caminho para criar as coisas é dessa forma, sem pressão, de um jeito apenas experimental, porque acaba sendo muito mais divertido e faz bem à alma”. Concordo. Foi realmente muito libertador.

Você escuta muita dance music atualmente?
Eu ouço no rádio. Tenho um amigo que fez uma compilação de áudio e vídeo para mim com coisas que tocam em pistas de dança e novos lançamentos. Eu gosto de por pra tocar enquanto estou cozinhando ou no carro, e escuto só o que me interessa. Gosto também de ver quem está fazendo o quê. Vejo faixas como, “Pharrell’s Happy” antes de uma quebra na cena, e penso: ‘oh, isso é um muito cativante. vai ser um sucesso’. Eu ouço um monte de dance music dessa maneira.

Curiosamente, já que tinha tempo sobrando eu disse a Nancy: ‘ei nós podemos ter um feriado! Um feriado real. Que tal sairmos por aí?’ Então fomos para Ibiza. Obviamente há um monte de dance music lá. Nós não chegamos a ir a uma discoteca e nem precisou, pois o ritmo está no ar, faz parte daquele lugar. A casa que alugamos não tinha um bom sistema de som, então eu pensei: ‘estamos em Ibiza’. Eu realmente tenho que ser capaz de obter um sistema de som melhor. Então eu encontrei os caras certos e eles apareceram e instalaram. Ficou tão bom que nós pensamos até em alugar a casa por uma noite e chamar 600 pessoas. Pelo espaço dava até para fazer uma “rave”. [Risos] mas nós não fizemos nada disso, e então eu toquei aquelas músicas que eu tinha feito no estúdio e me pareceram muito boas.

Você tem planos de voltar ao estúdio e gravar mais?
Sim, eu tenho um monte de músicas que eu escrevi, e algumas que preciso dedicar mais tempo para terminar. Não há data fixa, mas na parte detrás da minha mente eu quero alguns meses para fazer mais músicas e pretendo gravar e decidir o que eu quero fazer com elas. Mas sem pressa. No momento não tenho horário reservado em nenhum estúdio, mas tá bom assim, voltar a gravar é projeto para o futuro.

Agora você está de volta a estrada, em uma turnê que está rolando há mais de um ano. O que lhe mantém ativo nos palcos?
Bem, eu gosto de lembrar que desde quando eu era criança costumava ir a shows. Esta foi o que se pode chamar de fase pré-pré-pré-Beatles. Eu era apenas um garotinho em Liverpool sem dinheiro, e estava economizando para sempre. Então era muito bom se o show me deixasse satisfeito – e eu realmente ficava puto se não fosse assim, já que a grana era curta mesmo. Então eu tenho essa coisa, se as pessoas pagaram para ver tem de saírem satisfeitas, então vamos dar-lhes uma noite boa. Uma grande festa para que ao voltar pra casa pensem: sim, eu não me importo de gastar esse dinheiro. Essa é a filosofia por trás de muito do que eu faço.

Um dos primeiros shows que eu vi foi o de Bill Haley. Eu era tão jovem que ainda estava de calças curtas, tinha uns 13 anos mais ou menos. Era o rock and roll chegando a Liverpool e eu estava animado. Economizei para estar lá e tenho até hoje o ingresso que me garantiu um dos lugares do Liverpool Odeon, mas curiosamente outro cara tocou durante a primeira metade do show e nada de Bill Haley! Anos mais tarde esse cara virou um promotor musical que tinha sua própria banda. Lembro que na segunda metade do evento Bill saiu detrás das cortinas e foi logo para o count in: ‘one, two, three o’ clock, four o’clock rock’, e fez “Rock Around the Clock”! Essa é quase como o nascimento do rock and roll. E foi emocionante. As cortinas se abriram e os Comets estavam todos lá, muito loucos com suas jaquetas Tartan. Isso valeu a pena, gostei, mas também fiquei chateado com o ato de abertura porque achei que fui enganado. Então o tempo me ensinou que é preciso garantir a satisfação plena de quem paga para ver. Uma vez eu comprei um LP de Little Richard, tinha foto dele na capa, mas ele cantava apenas uma faixa no álbum. Fui enganado, quem dominava o disco era uma tal de Buck Ram Orquestra. Isso não se faz.

Então nós estávamos sempre muito conscientes sobre isso. Lembro-me de falar com Phil Spector no começo dos Beatles e ele dizia: vocês tem que valorizar muito o lado A com o que tem de melhor, e coloquem uma boa música no lado B. Tinha uma na época, “Sally Go Round the Roses”, cujo lado B vinha com a versão instrumental com o título, “Cante Junto Sally Go Round the Roses”. ‘Ah Phil, você não pode fazer isso, cara, as pessoas pagaram por um single com duas músicas, isso é enganação’, comentamos. E ele disse: ‘Não, vocês podem fazer da mesma forma porque o certo é isso’. Foi uma lição que seguimos diferente. Tornou-se, na verdade, a grande política Beatle colocar sempre uma canção de qualidade do lado B. É por isso que temos Strawberry Fields de um lado e Penny Lane do outro. E as pessoas agora ressaltam isso. Foi um fator de sucesso dos Beatles, eu acho. Tivemos vários lados B matadores, ao ponto de que muitos dizem que a segunda faixa era tão boa ou melhor que o lado A. Isso contribuiu para valorizar o dinheiro dos fãs quando compravam o disco. George Martin costumava chamar de “VFM” (Value For Money, ou, quanto vale seu dinheiro).
NOTA DO TRADUTOR
Paul McCartney confundiu o produtor nesta declaração. A música “Sally Go Round the Roses” do grupo vocal feminino The Jaynetts foi lançada em 1963, quando os Beatles estavam no começo. Foi um sucesso nos EUA, mas não emplacou no Reino Unido. O produtor não foi Phill Spector, mas Abner Spector, um nome conhecido pelo trabalho que desenvolveu na Chess Records. Ele também foi compositor, promotor e executivo da A & R Records, nasceu na Filadélfia e produziu diversos artistas, inclusive nomes da fase inicial do rock and roll. E teve canções de sua autoria gravadas por nomes como Peggy Lee, Sammy Davis, Jr, The Corsairs e Billy Eckstein. Ele não tem parentesco nenhum com o controvertido Phill Spector. Abner Spector morreu em 2010 aos 93 anos, e certamente foi com ele e não com Phill que Paul conversou.

Ontem à noite você mudou seu habitual setlist um pouco. Tocou “On My Way to Work”, do seu álbum mais recente, sem combinar com a banda. Você já sentiu vontade de tocar o que bem entender, fugindo do ensaiado?
Sim, de vez em quando tenho vontade de fazer isso por pura diversão. Mas não é como se eu fosse o Phish (banda de rock de Burlington, EUA, conhecida por tocar de improviso). Certamente tem pessoas na platéia que gostam quando fazemos isso, mas eu sou consciente de que também tem um monte de gente que não quer improvisações. Ontem à noite no show, eu disse: ‘eu sei o que vocês pensam dos novos números’. Porque quando fazemos os antigos – algo como “And I Love Her” – eu vejo todos os celulares subindo e as pequenas luzes brilhando como na Disneylândia, ou como se fossem isqueiros acesos. E por que você só pega o telefone nessas? Porque são as favoritas. Essa é a realidade. É como naquele concerto do Bill Haley. Eu não quero enganar as pessoas. Então, misturar ocasionalmente faixas novas com as antigas faz parte, mas o objetivo sempre é agradar as várias facetas da plateia.

As pessoas dizem: “Mas por que você se importa cara? Alguém como Bob Dylan só toca o que quer e isso é legal, mas é aí que me vem as lembranças que me assombram daqueles concertos que eu fui e dos discos que eu comprei. Eu não quero que meu público pense: ‘ei, nós viemos para ouvir os grandes sucessos e você tocou um monte de merda’.

Seu amigo Eric Clapton disse recentemente que está pensando em se aposentar das turnês. Essa intenção tem algum apelo para você?
Obviamente, quando você chega a uma certa idade isso pode acontecer. Eu tinha um gerente e ele uma vez aconselhou que eu me aposentasse, e na época eu tinha 50 anos. Ele disse: ‘eu não tenho certeza se é decente para um cara de 50 anos continuar fazendo o que você faz’. Eu pensei sobre isso por um segundo e respondi: ‘não!’ Ele insistiu. ‘Quando você vai desistir?’ E eu repliquei perguntando também. ‘Quando é que vai ser? Quem sabe?’ Penso que as coisas são diferentes agora. A margem foi esticada e ninguém quer ficar velho. Os Stones estão na estrada e eu vou ao show deles e penso: não importa a idade. Eles podem e continuam tocando muito bem. E eu falo com crianças e jovens que dizem exatamente a mesma coisa em relação a mim.

Então isso é o fator decisivo. Será uma pena se Eric resolver se aposentar, porque, merda, ele toca realmente muito bem! Mas ele é aquele tipo de cara, uma pessoa caseira em essência. Nós já conversamos sobre isso. Eu me lembro dele brincando sobre como eu toco em pé por quase todo o show. Ele disse: eu me sento. Isso é coisa dos caras que tocam blues. Mas ele é bom demais um dos melhores. Então eu digo a ele: ‘sim, se for o jeito sente-se, Eric. Mas não se aposente’.

Um monte de gente se alimenta com a vida na estrada, especialmente quando você tem uma vida familiar muito boa. Mas para mim, eu quero tudo. Eu tenho uma vida privada muito boa numa grande casa, e uma ótima vida na estrada – não é como se estivéssemos naqueles ônibus Greyhound antigos. As plateias são tão calorosas e o feedback é tão bom que você quer sentir mais e mais esse contato. As pessoas me dizem: ‘você não se cansa?’ É um show de três horas, e eu estou no palco a cada segundo. Eu fico pensando nas leis da lógica. Por elas eu deveria estar muito cansado – mas estou revigorado. Há algo sobre essa coisa do palco que só me dá energia. E tem sempre um dia de folga depois, o que é mais do que costumávamos ter.

Quem atentar para os setlists dos Beatles vai lembrar que durava pouco mais de meia hora – uns 35 minutos se nós estávamos muito bem. Mas podia durar apenas 25 minutos se estivéssemos irritados. [Risos] É, cara. Eu costumava fazer metade dos vocais principais, John fazia a outra metade, de modo que é, tipo, 15 minutos cada. Em seguida George iria fazer algo, Ringo faria alguma coisa, de modo que as minhas partes duravam menos do que 15 minutos. E você era jovem, então, fisicamente a gente não sentia a pressão. Mas as coisas mudaram para o que temos hoje, os shows são bem maiores e eu me sinto bem. E gosto de estar com a banda. Amo tocar. Eu toco muito mais guitarra do que eu costumava fazer. E eu ainda estou aprendendo também e isso contribui para a satisfação. Eu estava dizendo a alguém num dia desses que um dos primeiros shows que fizemos – eu nem acho que eram os Beatles, foram os Quarrymen – uma das primeiras vezes que eu toquei com John foi um show que começou muito cedo num lugar chamado “Co-Op Hall”. Eu tinha um solo numa das músicas e eu congelei quando meu momento chegou. Toquei, mas foi o pior solo da minha vida, então na hora pensei: ‘eu nunca vou tocar guitarra novamente’. Assim, durante anos, eu só fiquei no baixo e arriscava um pouco de piano, e um pouco isso, aquilo e aquilo outro. Mas hoje em dia, eu toco guitarra e isso é uma coisa que me atrai. Eu gosto. Então a resposta à pergunta, você vai se aposentar é: ‘quando eu me sentir como Eric sim, mas certamente não será agora’.

Você acaba de lançar um videoclipe para sua canção “Early Days”, onde o refrão diz: “Eles não podem tirar isso de mim se eles tentarem/Eu vivi os primeiros dias.” O que você está querendo dizer?
É revisionismo. Eu sei que a minha memória tem chips e eu posso voltar exatamente aqueles dois rapazes sentados em uma sala tentando escrever “I Saw Her Standing There” ou “One After 909”. Eu posso ver isso muito claramente ainda, cada minuto de John e eu escrevendo juntos, tocando juntos, gravando juntos. Eu ainda tenho memórias muito vívidas de tudo isso. Não é porque ele desapareceu. Desde que John morreu tragicamente tem havido uma grande quantidade de revisionismo, e é muito difícil ir contra isso, porque você não pode dizer: não, espere um minuto, cara. Eu é que fiz isso ou aquilo. Porque senão as pessoas dizem que você está pisando na sepultura de um homem morto. É chato. Você fica um pouco sensível em relação a isso e pensa: quer saber? Esqueça. Eu sei o que eu fiz. Muita gente sabe o que eu fiz. John sabe o que eu fiz. Talvez eu devesse me preocupar menos com isso. Demorou um pouco, mas hoje eu consigo enfrentar essas coisas numa boa.

Eu sei que eu tenho toda a memória e ela ainda está intacta, e eles não sabem. Como eu disse no último versículo, porque eles não estavam lá. Eu acho que você vai encontrar isso na maioria das bandas, mas no caso dos Beatles é pior do que em qualquer outro caso. Por exemplo, eu estava de férias, uma vez e lá estava uma menina na praia com um garotinho americano. Ela disse: olá acabei de participar de uma aula de apreciação dos Beatles na escola. Eu disse: uau, isso é ótimo. E pensei: vou ser legal com ela. Olha vou te contar uma pequena história dos bastidores dos Beatles. Falei sobre algo, contei como aconteceu, era uma história divertida, e ela reagiu imediatamente. Olhou pra mim, e disse: não, isso não é verdade. Nós estudamos Beatles na sala de aula e não foi assim que aconteceu. Então foda-se, pensei. Não tem jeito cara. Essas coisas contadas por gente que não viu não viveu e não sabe como foi estão sendo ensinadas na escola.

Quando Sam Taylor fez o filme Nowhere Boy ela trouxe o script e nós conversamos. Somos amigos. Eu li e falei: Sam, isso não é verdade. John não andava em pé no teto do ônibus de dois andares. Ela replicou: ora Paul, mas isso dá uma grande cena. Também discordei do caráter de Mimi, tia de John. Alertei que ela não era como está colocado no roteiro. Mimi é apresentada como muito sarcástica, uma puta velha, e ela não era nada disso, muito pelo contrário. Era apenas uma mulher a quem foi dada a responsabilidade de cuidar de John Lennon, e não era uma tarefa fácil. E ela tentou dar o seu melhor. Era uma pessoa discreta, mas tinha um brilho nos olhos. Eu disse: Sam eu vivia por lá escrevendo e tocando com John, e Mimi nunca me destratou. Você tem que mudar isso. Algumas coisas ela alterou, mas, no final, Sam Taylor e sua produção concluíram que não estavam fazendo um documentário, mas um filme, e daí pronto, viajaram nas ideias inventaram coisas que jamais aconteceram na realidade. E acaba sendo isso que fica na cabeça das pessoas.

É o caso da primeira música que gravamos. “In Spite of all the Danger”, foi apresentada como uma ode de John à sua mãe. Isso não é verdade, mas num filme, inventar esse tipo de coisa – dizem os roteiristas – funciona melhor. Lembro-me da sessão e de todas as circunstâncias que levaram a essa música que nós escrevemos juntos. É só verificar a letra para sacar que não tem nada a ver com uma ode angustiada. Nós estávamos copiando coisas americanas que ouvíamos. Canções que falavam sobre situações de perigo, e foi por isso que fizemos, mas para Sam Taylor o que serviu para criar um clima no filme foi inventar que é uma balada angustiada.

Para voltar ao meu ponto original, o que acontece em filmes é que geralmente são baseados em livros e esses livros que são escritos sobre o significado das canções, como Revolution in the Head – eu li por causa isso. É uma espécie de livro de banheiro, um bom livro para mergulhar. Lá está escrito: McCartney escreveu tal coisa como uma resposta amarga a Lennon. E eu digo: isso não é verdade. Mas a mentira está publicada, fixada como história. E este livro especificamente é conhecido como um dos mais respeitados veja bem. E eu digo: Ok, mas este é um fato da minha vida. Estas histórias musicais erradas ou mal contadas sobre os Beatles não deveriam estar aí. Há milhões delas, só que o fato é que muitas estão incorretas.

Eu imagino que deve ser frustrante.
Bem, costumava ser frustrante, mas eu não me estresso com isso, está tudo bem. “Early Days” foi um desabafo sobre essas coisas, mas o principal é que é uma música de memórias. Sou eu lembrando os fatos, andando pela rua, vestido de preto, com as guitarras a nossa volta. Lembro até da rua exata. Era um lugar chamado Menlove Avenue. [Pausa] Alguém vai achar um significado: Paul e John em Menlove Avenue. Veeeeeeenham. E é assim com a história dos Beatles, o que nós sabemos e o que os outros contam. Tudo tem que conter a porra de um significado. É bom, mas quando você foi uma parte da realidade sabe que simplesmente não era assim. Foi muito mais normal e bem mais simples do que se imagina.

Cláudio Teran

Comente

Clique Aqui Para Comentar

Quer comentar?

Editor

José Carlos Almeida

+55 11 95124-4010