George Harrison

Há 11 anos: Do efêmero ao eterno


Morte de George Harrison emociona o mundo e destaca seu legado

A morte do ex-Beatle George Harrison não cessa de comover o mundo, suscitando um sentimento inesgotável de perda, tanto maior quanto mais se faz perceptível a rica e complexa personalidade e o legado daquele que foi um dos principais sustentáculos da revolução musical e de costumes que sacudiu o século XX, criando um novo paradigma de estilo e compreensão do viver, na sociedade contemporânea.

Diz-se que quando os tempos estão grávidos de mudança parem os avatares que encarnam sua mensagem mais profunda. O parto, no entanto, é precedido de sinalizações que deixam entrever a revolução ainda silenciosa que avança pelas entranhas mais profundas do meio social e cultural a serem abalados.

Essas sinalizações são como fios da intricada teia de eventos-troncos que abrem caminho para uma infinidade de possibilidades que se emulam na busca de ser a portadora do ato final de deflagração da metamorfose perseguida. Geralmente, são atos despidos de portentosidade: pode ser um banho de tina, cuja água transborda e faz o banhista gritar: Eureka! – resolvendo uma equação há muito buscada.

Pode ser também um pai que, fugindo aos rígidos preceitos disciplinares, consuetudinários, deixa-se levar por um ímpeto de liberdade e cede sua estimada garagem para que o filho dê curso a suas “treslouquices“… e surge o Machintosh, primeiro computador individual, pelas mãos do irrequieto Steven Jobs.

Ou pode ser ainda o motorista de ônibus que dá de ombros para moral vitoriana e deixa que o filho George Harrison exploda o porão com os acordes frenéticos de sua guitarra…e o mundo vira de ponta cabeça e descobre, maravilhado, que é possível viver sem amarras mentais e mergulhar na euforia estonteante da liberdade, da espontaneidade e do respeito ao diferente.

Que têm esses jovens – John, Paul, George e Ringo – transgressores, cabeludos e irreverentes que cativam corações e mentes, ao menor contacto com suas melodias febricitantes, como sereias sedutoras de contemporâneos odisseus? Terão chegado os últimos dias anunciados pelos profetas?: “Vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos jovens terão visões e vossos velhos sonharão“ (At 2,17-18).

Os que ouviram estas palavras de Pedro, no romper do Pentecostes, diziam estupefatos: “Como é que os ouvimos falar, cada um de nós, no próprio idioma em que nascemos?` (At 2, 8-9) – pois eram pessoas procedentes de várias nações.

E eis que diante dos olhos céticos e racionalistas dos filhos do século XX, uma nova glossolalia irrompe sob forma musical, fazendo-se entender simultaneamente por anglo-saxões, latinos, japoneses, hindus, malaios, turcos, gregos, árabes, nepaleses… – todos tocados pela mesma emoção e embalados pela mesma poesia, já que identificados com sua linguagem musical.

Que outro meio poderia ser mais adequado para fazer explodir as fronteiras artificiais que separam os homens pela nacionalidade, cor da pele, classe social, religião, ideologia? Foram eles – os Beatles – o instrumento providencial para fazer cair as escamas dos olhos do preconceito, da discriminação e do exclusivismo e levar os homens a enxergarem que a Humanidade é una e uno é o Cosmo e todo o criado.

Uma conscientização fundamental, no preciso momento da História em que o poder adquirido sobre a Natureza cegava os poderosos do mundo e lançava-os na jactância de ameaçar com destruição o planeta, num arroubo de arrogância e estupidez.

A dinamitação das amarras mentais desencadeou uma revolução paradigmática que enterrou de vez o século XIX (este só veio a morrer, de fato, a partir daí) A revolução dos costumes irrompeu como um maremoto, alcançando todos os quadrantes da Terra. Como toda ruptura, veio acompanhada por um período de excessos.

Os Beatles não escaparam de seus efeitos colaterais e viveram todas as experiências marginais da permissividade. Mas, por serem movidos por uma experiência artística verdadeira, inevitavelmente teriam de abeirar-se do mysterium tremendum. Logo, perceberam que não poderiam encontrar no efêmero e no mundo ilusório das drogas o alimento substancioso capaz de matar sua sede de infinito.

Assim, voltaram-se para a busca interior (“O Reino dos céus está dentro de vós”), indo ao encontro, primeiro (por só terem tido acesso a uma caricatura de Cristianismo) da tradição espiritual do Oriente.

Dessa forma, escaparam das viagens sem volta em que sucumbiram Jimmy Hendrix, Janis Joplin e tantos outros de sua geração. Envolveram-se na luta pela paz, confrontando-se com a lógica amoral do establishment, denunciando, sobretudo, a guerra do Vietnã.

Como prova de que essa procura foi alcançada, aí estão as palavras de George Harrison ao morrer: “Todo o resto pode esperar, só não a busca de Deus e o amor ao próximo”. Descanse em paz, George.

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José Carlos Almeida

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