Por Cláudio Teran
Eu tinha só 18 anos em 1980. Trabalhava de office boy (meu primeiro emprego) e ainda vivia em Bagé (RS). Tinha ficado em recuperação de Química e em Matemática. Estava chegando ao fim meu período escolar, era o tempo do Terceiro Científico. Creio que todos souberam do acontecido no dia 9. Mesmo com a comunicação via satélite, tudo era bem mais lento.
Por essa época, a Ananda Apple (hoje repórter da Globo/SP) tinha um programa na Rádio Alpha FM de Pelotas e tocara pela primeira vez “(Just Like) Starting Over” com áudio precário. Todos sabiam que John produzira um disco após 5 anos de silêncio e que em breve o LP chegaria às lojas. Eu saí cedo de casa na manhã do dia nove e fui para o escritório de advocacia do Dr. Carlos Limberger. Lá me esperavam os serviços tipicos de um office-boy: entregar cartinhas de cobrança aos caloteiros da cidade era um desses oficios. Quando retornei ao meio-dia e pouco, encontrei meu pai sentado na sala assistindo o Jornal do Almoço, pela TV Gaúcha. Num dos intervalos entrou o Carlos Campbell (então apresentador do Jornal Hoje) e anunciou: “ex-beatle é assassinado com cinco tiros, detalhes no Jornal Hoje”.
Eu estava no banho quando meu pai esmurrou a porte e disse: “meu filho, mataram um dos Beatles”. Eu gelei! Corri a sala, perguntei se ele ouvira direito. E ele: “SIM, VAI SAIR NO HOJE”. Incrivel que até aquela data ninguém do meu círculo sabia. Esperei quieto o JH começar. E quando começou, Carlos Campbell usou um tom grave na voz para anunciar: “JOHN LENNON FOI ASSASSINADO NO FINAL DA NOITE DE ONTEM EM FRENTE AO EDIFICIO ONDE MORAVA, EM NOVA YORK. O ASSASSINO É UM FÃ DOS BEATLES QUE FOI PRESO LOGO DEPOIS DO CRIME”. E entrou um intervalo curto. Quando retornou, veio toda aquela torrente de imagens dos fãs a porta do Dakota, as pessoas com velas, capas de discos, chorando. Um correspondente da Globo, Luiz Fernando Silva Pinto falou por telefone, informando que uma comoção tomava conta de NYC. “É uma cidade acostumada às tragédias, mas talvez nenhuma outra tenha comovido tanto as pessoas como a morte do ex-beatle que celebrou a paz e a liberdade”, disse ele em tom poético e triste.
Na minha casa todos pararam tudo e ficamos assistindo. O JH foi quase todo de informações sobre o caso. Tudo muito desencontrado, muito esparso. A Globo não soube informar, na realidade, as razões do crime. Paulo César Vignolle de Souza, meu amigo de infância bate à porta e quando eu abri ele tentava segurar o choro. Eu também. A gente sempre ia juntos para o trabalho e naquele começo de tarde, que coisa – estávamos chorando no meio da rua, e olha que para um sujeito de 18 anos como eu, tímido, circunspecto – aquela criação machista, e… ora, nada segurava as lágrimas rolando. Nunca esqueci de outra cena: encontro com um sujeito mais ou menos da minha idade, colega de escola que ao me flagrar chorando na rua disse: “não acredito que tu tá chorando por aquele maconheiro. Porra, já morreu tarde. Eu não choraria nem se fosse o Freddie Mercury”. Não falei nada, ele era um cara que achava que Beatles e Renato e Seus Blue Caps era quase a mesma coisa, então já naquele tempo eu sabia que com gente assim não se debate.
No escritório por incrivel que pareça não apareceram os 3 advogados para trabalhar. Nem a secretária. Fiquei só lá e chorei pra burro. Não fui para a escola à noite porque realmente não dava, eu não conseguia pensar noutra coisa. Tinha aula de recuperação. Faltei. Em casa o Cid Moreira passou quase todo o Jornal Nacional contando tudo, e aí todas as imagens históricas se descortinaram na minha frente na telinha: John desde a infância, com os Beatles, no auge, carreira-solo etc. A Globo usou Hélio Costa para repercutir a coisa em NYC e ele mostrou desclarações do Presidente Jimmy Carter, de Sammy Davis Jr, Dean Martin e outros tantos. A Globo também usou muitas fotos com as capas dos jornais do dia 9 em NYC. Um deles ficaria mundialmente famoso pela manchete: JOHN LENNON SHOT DEAD.
O JN também mostrou Ringo Starr com uma tristeza inesquecivel no olhar, deixando o Dakota. Disse Cid Moreira: “O ex-baterista dos Beatles interrompeu as férias para levar suas condolências a Yoko Ono”. E disse mais: “As reações dos outros companheiros dos Beatles foram desencontradas. George Harrison não quis falar, disse que estava muito triste e não conseguia compreender o acontecido”, narrou Cid Moreira. E continou: “Paul McCartney está envolvido na gravação de um novo disco e deu uma declaração sobre a morte do parceiro de tantas composições famosas, afirmando que lamentava muito”. Na tela apareceria somente as imagens de uma entrevista concedida por Paul (e muito criticada posteriormente) na qual ele revelava pouca ou nenhuma emoção pela morte de John. McCartney esclareceria tempos mais tarde que ficou tão travado com o ocorrido que teve uma reação estranha a principio, para só sentir a ficha cair bem mais tarde.
Aquela acabou sendo uma noite terrível para mim. Meu LP Shaved Fish foi tocado acho que um milhão de vezes. Deitado na minha cama, no meu velho quartinho de garoto de 18 anos, fotos do S.C. Internacional na parede, entremeadas por fotos e posteres dos Beatles e fotos individuais (de alguma edição da revista Contigo) com os quatro Beatles em carreira solo nos anos 70. Simples assim. Um ou dois dias mais tarde, Yoko Ono conclamou os fãs do mundo inteiro a ficar em silêncio durante dez minutos – à uma hora da tarde – em homenagem a John e eu fui um dos muitos que fez isso. Na sexta-feira daquela semana a Globo levaria ao ar um histórico Globo Repóter onde fazia um apanhado geral de toda a vida carreira e trajetória dos Beatles e de John Lennon. Nesse especial eu vi pela primeira vez os Beatles no Cavern cantando Some Other Guy. A Globo colocou uma legenda na imagem afirmando que a música se chamava OVER THE CANNION. ‘Over the Cannion’ foi o que os experts em inglês da produção da TV Globo entenderam de ouvido, quando John entra cantando: ‘some other guy now’ (hehehehe).
Menos de um mês depois o Double Fantasy me chegou pela primeira vez, gravado numa fitinha cassete transparente, aquelas Scotch (lembram, qurentões?) e então eu escutei pela primeirissima vez “Starting Over”, “Cleanup Time”, “I’m Losing You”. Naquela mesma semana o Brasil perdia Vinicius de Moraes para um infarto fulminante. Parece que não se passaram trinta anos! Ou seja, é um vazio de três décadas! E se eu olhar para dentro da minha própria vida, posso lhes dizer que aconteceu de tudo nesse logo espaço de tempo comigo. Felizmente mais ‘good times’ que ‘bad times’. Ao escrever essas palavras eu o faço de uma forma que surpreende a mim mesmo porque não sabia que tinha tão bem gravados na memória todos aqueles acontecimentos de 30 anos passados e que se descortinam agora, na madrugada do dia 8 de dezembro de 2010, trinta anos depois.
Da minha escola, o Colégio Estadual Karlos Kluwe, eu saí quinze dias mais tarde com um boletim amarelo ostentando o carimbo APROVADO. A transposição daqueles muros representava o fim do período escolar, e o ingresso num futuro incerto. Claro que eu não sabia o que viria. Até aquela ocasião eu jamais havia chorado a perda de ninguém. E chorei por John Lennon. O que se seguiria a partir de 1981 seria um movimento forte de beatlemania no mundo. No Brasil ressurgiram os fãs-clubes com seus jornaizinhos e as pessoas interagindo por correspondência. Os discos voltaram às lojas. Comprei na finada rede de lojas JH Santos (RS) uma caixa prateada com toda a carreira-solo de Lennon. Enquanto isso o rock dos anos 80 entrava em cena e liquidava o movimento Discoteca.
E eu? Segui pela vida e, aos 48 anos de idade, assisti o segundo especial LENNON NYC no GNT, com narrativas plangentes de Roy Cicalla, Bob Gruen, Klaus Voorman, Jim Keltner, Elton John, Jack Douglas e David Jeffen e entendi com eles que John, com seus excessos e seus acertos, seu carisma e expontaneidade é o tipo de sujeito que entra na sua vida para nunca jamais sair.
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