Dora Amorim Do Caderno C/JC
“George tinha duas personalidades bem distintas. Para ele ou era preto ou branco”. O comentário do baterista Ringo Starr sobre o amigo e colega de banda George Harrison veio bem a calhar para o filme George Harrison: living in the material world, do cineasta Martin Scorsese, sobre o guitarrista dos Beatles. A obra já exibida pela televisão americana, pelo HBO, no início de outubro, deve estrear no Brasil, no mesmo canal, ainda em 2011.
Há exatamente dez anos, o guitarrista falecia, aos 58 anos, vítima de um câncer. O filme de Scorsese não se debruça apenas na produção musical de Harrison, embora ela ocupe, é claro, um papel definitivo na sua vida. “Todas as relações de George foram estabelecidas a partir da música”, diz Olívia, esposa do guitarrista. No entanto, talvez o mais curioso seja a forma como George vivia no “mundo material”. Em meio ao frenesi em torno dos Beatles, ele tinha uma rotina extremamente espiritualizada. Meditava todos os dias e era amigo íntimo do músico indiano Ravi Shankar.
Conhecido como o beatle quieto, Harrison é visto também como o integrante mais amoroso e amigável. Mas, não deixava de protagonizar momentos mais raivosos. Com depoimentos de Olivia e Dhani Harrison, dos músicos Eric Clapton, Paul McCartney, Ringo Starr, da ex-mulher Pattie Boyd, do diretor Terry Gilliam, entre outros amigos, a produção tem quase três horas e meia.
É um filme sobre um homem quieto e recluso, que aprendeu a lidar com a fama e encontrou na religiosidade indiana um conforto para a vida terrena, era um Hare Krishna de cabelos grandes e barbas. Um músico extremamente inventivo, um bom amigo, um pai protetor e um marido que amava as mulheres. Pelo menos essa é a resposta de Olívia ao ser questionada sobre as puladas de cerca: “George amava as mulheres e elas também amavam ele”.
Depois de ter dirigido No direction home (2005), documentário sobre Bob Dylan e Shine a light (2008), sobre os Rolling Stones, Scorsese foi convidado por Olívia, produtora executiva, para liderar o projeto. Living in the material world tem os seus momentos confusos e deixa de fora algumas explicações. O fim da relação entre Pattie e George e o casamento dela com o amigo do músico, Eric Clapton, por exemplo, é tratado através de vários olhares controversos.
Embora comente a origem da composição de My sweet lord, não há nenhuma menção ao plágio, pelo qual George foi acusado. Em compensação, Scorsese dá aos espectadores ótimos depoimentos, como o de Paul McCartney tentando justificar a sua liderança nos Beatles ou de Ringo Starr falando das últimas palavras que escutou do amigo.
Atrás de flores vermelhas, George encara a câmera com desconfiança. É dessa forma que Scorsese inicia e termina a obra, com a imagem do beatle quieto, que soube conciliar as cobranças do mundo material e as conquistas de uma cultura espiritualizada.
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