Ringo Starr

Ringo Starr em Recife (Cláudio Teran)

Por Cláudio Teran

Comparar o show de Paul McCartney com o de Ringo Starr é possível ou não?  Do ponto de vista de produção e pirotecnia não dá.  Paul não tem o palco hi-tech do U2, mas sua estrutura de som, luzes telões e efeitos especiais não existem nos concertos da All-Starr Band.  Paul sempre foi o beatle dos sorrisos para a imprensa, como dizia John Lennon.  Ele acena, aparece na janela do hotel, dá adeusinho e cria uma sensação de proximidade.  Ringo não faz isso porque é outro tipo de cara. Quer vê-lo, pague ingresso.  A produção dos shows é básica. Se  apoia no beatle carisma dele e nas músicas. 

Nesse aspecto, a apresentação de McCartney também se sustenta nas canções. Em termos de carisma, os quatro Beatles não tem nenhuma diferença para mim. John, Paul, George & Ringo detém um brilho próprio único e inexplicável, que cada fã sente do seu jeito.  Paul McCartney realizou nove shows no Brasil num período de vinte e um anos. Ringo Starr fez sete apresentações num único mês!  Os inesquecíveis concertos de Paul se restringiram ao Sul e ao Sudeste. Ringo atravessou o país com sua banda e ainda encerrou uma turnê mundial no Nordeste. Deve ser caso único na história do rock, ainda mais se levando em conta a importância dele para a música mundial.

McCartney cobra caro para dar aos fãs uma experiência sensacional de proximidade. Quem paga três mil reais num pacote hotvip tem a chance de vê-lo ensaiando. As vagas são limitadas e você ganha o direito de assistir dois shows na mesma ocasião. Só que mesmo pagando alto, o expectador fica a uns cinquenta metros do palco. Dá para ver bem, e o tamanho da emoção não tem preço. Mas não se compara com o frontstage do Ringo. Pagando cinco vezes menos eu vi um dos Beatles de perto. Muito de perto. Tão de perto que eu e todos que se postaram diante da grade que separou o público do palco ficamos à distância de um aperto de mão do baterista mais famoso do rock.  Uma experiência mais que única, porque mágica.

It don’t come easy
É desse jeito que começo a relatar minha emoção. Colado a grade do palco do Chevrolet Hall, me postei diante da majestosa bateria Ludwig de tantos vídeos e de  tantas fotos montada bem ali na minha frente. Quem navegou pelos álbuns digitais dos fãs nas redes sociais notou que todos nós fotografamos a bateria ‘movidos’ pelo mesmo sentimento. Emoção pura e uma indescritível sensação de proximidade representada pelo instrumento musical que projetou o ídolo para o planeta. A casa foi lotando e a descontração que tomava conta do ambiente avançava num crescendo. Fãs de todas as idades. Velhos e novos amigos. Pessoas que não se conheciam interagindo e trocando impressões.

A incansável Cláudia Tapety e uma equipe de abnegados que prepararam com carinho e amor uma recepção que dali a pouco estaria diante dos olhos do baterista dos Beatles. Fotos, balões, cartazes, pôsteres do submarino amarelo e instruções cuidadosas do que fazer a cada etapa do show. O que eu percebi nos momentos de fila do lado de fora do Chevrolet Hall – e depois na espera pelo começo do show – foi que os fãs brasileiros finalmente entraram no mapa mundi dos que um dia viram os Beatles. Eu, que tenho tudo que a All-Starr Band lançou e muita coisa não publicada oficialmente, lembrei-me dos ingressos e souvenires dos shows que eu não assisti e que adquiri para agregar valor à minha coleção como retalhos – partículas do inatingível. Afinal, ter Ringo Starr diante dos olhos em shows por aqui parecia impossível. Foi necessário esperar onze formações da All-Starr Band, mas valeu a pena. O sonho virou verdade. E isso é um fato.

Lampião no rock
Havia bandeiras também. E camisetas, bonés, faixas e certamente um dos mais pitorescos objetos levados para um concerto de rock and roll: um chapéu de Lampião feito em couro, artefato tipicamente nordestino, que andou por mil cabeças antes de estacionar nos pés de Ringo Starr num voo certeiro até o palco. Aquele chapéu, lançado aos pés de Ringo Starr por José Carlos Almeida, foi carinhosamente apanhado pelo ídolo e depositado ao lado de sua maravilhosa bateria Ludwig. O deleite foi geral, até porque imaginamos que o objeto seria jogado de volta, o que não aconteceu. Nosso singelo contato direto com um dos quatro caras mais famosos do rock estava selado. E a impressão é que o chapéu virou souvenir para Ringo Starr.

Images of broken lights
Estávamos ali tão próximos da ação que, enquanto os minutos e as horas avançavam, pudemos acompanhar tudo que se passava. Os roadies checando o instrumental, ligando os amplificadores e afinando as guitarras que dali a pouco incendiariam a noite.  Vimos o músico Mark Rivera aparecer ao fundo do palco só para observar o tanto de gente que estava na casa. A espera pelo show de Ringo em Recife foi assim. E ainda reservaria momentos de irreverência que só acontecem neste país. Um coro bastante forte vaiou em alto e bom som o telão do Chevrolet Hall por exibir uma equivocada propaganda que anunciava “grandes atrações” para os dez anos de existência do lugar: Belo, Ivete Sangalo, Garota Safada… pois é. Foi tanta vaia que o telão silenciou.

Outro aspecto curioso da passagem de Ringo Starr pelo Brasil é que o sucesso de suas apresentações se deveu à força da beatlemania nacional. De maneira geral, os shows foram elogiados por canais de Rádio e TV, sites e jornais. Mas foi uma turnê sem mídia. No Chevrolet Hall e pelo Recife não havia um mísero cartaz anunciando que naquele 20 de novembro um dos Beatles tocaria na cidade em única apresentação. Não precisou. Os fãs fizeram a diferença por onde a All-Starr Band passou. E foi isso que valeu.

Mixed Emotions
Passava das oito e meia da noite e o clima era de show time.  De repente as luzes se apagam e aqueles caras, Wally Palmar, Edgard Winter, Mark Rivera, Gary Wright, Richard Paige, Rick Derringer & Gregg Bissonette estavam ali, muito diante dos meus olhos. Extremamente próximos, não me canso de repetir. Na viagem da minha mente era como se eu tivesse acabado de entrar pelo tubo da Televisão para sair do outro lado – no palco dos DVDs com as turnês 2010, 2008, ou 2006 da All-Starr Band.  Agora era real.  Ouve-se então uma voz forte que quebra a expectativa e berra: “ladies and gentleman please welcome Ringo Starrrrrrrr and His-All Starr Baaaand”. 

Os acordes de “It Don’t Come Easy” começam, seguidos do coro de vozes da introdução. E então a mágica se materializa… e a poucos metros a minha frente surge o cara.  Como pode Ringo Starr ter setenta e um anos com aquela forma física? O rosto sorridente dele parecia brilhar mais ante a recepção entusiasmada de gritos e aplausos do público. Ele chegou vestindo preto dos pés a cabeça, do jeito que um bom e velho soldado do rock deve ser. Tênis pretos cabelos a escovinha num tom tipo cor de chocolate ou algo assim. O corpo esguio e os óculos escuros. Um beatle na Veneza Brasileira. Por mais fidedigna que seja a narrativa, só quem realmente viveu é que sabe exatamente o que sentiu.  O baterista da banda mais importante e mais famosa de todos os tempos pega o microfone e canta e dança e interage do seu jeito desengonçado. E eu ali bem aos pés dele, não sabia se olhava gravava, fotografava, aplaudia ou vibrava. Emoções mixadas.

Can I have a little more
Nós, fãs, não somente curtimos o show e fotografamos Ringo Starr. Vimos com nitidez o homem e o mito. O rosto e a pele. As marcas do tempo em sua face e o jeito como ele se move no palco. Sem falar nos seus gestos familiares que conhecíamos dos filmes. Como minha cabeça estava quase encostada nos retornos de áudio do palco, tive o prazer de ver Ringo bem ali quando ele se postava nos espaços entre uma caixa e outra. E o que dizer dos momentos em que ele apontava para cada um de nós e fazia gestos como se dissesse: “ok my friend, I’m talking with you. Yeah you”. 

Nas fotografias a história dessa proximidade ficou congelada para sempre. Há fotos que devassaram os óculos escuros para revelar os olhos azuis do homem. E os cliques digitais também retrataram a barba, o cabelo e as tatuagens que ele carrega do lado interno dos dois braços. Não duvido que o Ringo Starr de 71 anos tenha o mesmo peso do beatle Ringo aos vinte e poucos, pois sua forma física é impressionante. Outros exemplos de interação que não tem preço vieram após a interpretação de “It Don’t Come Easy”:  “hello Recife, I Love Brasil”, bradou Ringo. Outro dos pontos mais emocionais para mim foi  quando ele seguiu para a bateria e atacou com suas baquetas a levada de “Choose Love”, numa sintonia perfeita com Gregg Bissonette. Me veio à mente o que eu sempre fiz diante dos vídeos da All-Starr Band, atento à ação, à espera de closes para ver o cara tocar.

Eu sempre imaginava que um dia teríamos um lançamento que isolaria a imagem e o som da percussão para dar ao fã o direito de ver e ouvir Ringo em ação por mais tempo, balançando a cabeça e sentindo o ritmo pulsando no ar. Bom, isso acabou. Não preciso mais de imagens isoladas porque eu vi e escutei muito de perto Ringo Starr tocar bateria, rufar seus tambores e soar seus pratos. O cara esteve a uns cinco ou oito metros do meu alcance visual mandando ver. E de lá do seu kit ainda nos brindou com “Boys” e “I Wanna Be Your Man”.

Drum solo
Indiscutivelmente a maior bossa do concerto da All-Starr Band aconteceu na metade do show, quando os roadies colocaram um prato e uma caixa de bateria na frente do palco, preparando o cenário para a canção “The Other Side of Liverpool”. No final, Ringo acrescenta uma percussão especial com duas baquetas e arranca mais aplausos e gritos do público. Para um sujeito que sempre recusou a se exibir com longos solos de bateria, foi um momento especial.

We all live in a yellow submarine
Quando “Yellow Submarine” tocou, o ambiente de interação terminou de se estabelecer. Pela reação dos fãs eu não duvido que Ringo tenha realmente se surpreendido. Cenas da beatlemania clássica dos anos sessenta se materializaram diante dos olhos dele, certamente, já que várias gerações de fãs cantavam e se divertiam num flagrante perfeito de unanimidade. Balões amarelos tomaram conta do espaço enquanto o público inteiro cantava aqueles versos simples e de todos tão conhecidos. A reação da All-Starr Band era devolvida em mais empenho e mais descontração. Os músicos estavam à vontade, transmitindo à plateia o tanto que se divertiam diante daquela situação. Improvisos naturalmente não faltaram, como foi o caso do bom guitarrista Rick Derringer, que se entregou a um longo solo no final de uma de suas canções, arrancando de Ringo à bateria uma observação jocosa: “aos guitarristas presentes, essa foi a lição número um”.

Volto aos vídeos da All-Starr Band. Em todos os lançamentos oficiais, gravados geralmente em locações nos Estados Unidos, a plateia assiste sentada. Os shows são bons, mas não escapam de um estilo burocrático e previsível. Ver ao vivo e no Brasil, com a plateia em pé diante do palco, foi completamente diferente. Tanto que a energia do público não diminuiu nos momentos em que os All-Starrs se revezaram ao microfone com Ringo tocando bateria. Na noite anterior ao show, o guitarrista Rick Derringer conversou com o colaborador do Beatles Brasil, Ricardo Martinelli.  E Martinelli contou a ele que seu hit “Hang on Sloopy” tinha sido um sucesso conhecido de todos em nosso país pela versão em português da dupla Leno & Lilian, “Pobre Menina”.

Derringer assimilou isso de tal maneira que, ao anunciar a música em Recife, disse que cantaria “Poobrreee Meniinaaa nao teninguêm”, arrancando aplausos gerais. Gary Wright e Richard Page também usaram expressões em português para interagir com os brasileiros, sendo que este último arrancou suspiros da galera que estava na adolescência na década de oitenta e curtiu nas FMs da vida o hit “Broken Wings”. Não se pode deixar de mencionar Edgard Winter, porque o cara é multi-instrumentista e faz uma performance impecável cujo ponto alto é o longo solo instrumental “Frankenstein”, que mistura jazz com rock and roll e expõe não somente a competência dele, mas dos demais All-Starrs.

Every time I see your face
É difícil apontar um momento especial do show, porque a meu ver todo o evento foi perfeito, mas se tivesse de escolher um, seria a interpretação de “Photograph”. Essa música eu venho escutando desde a primeira metade da década de setenta. Recordo de ouvi-la nas emissoras de rádio AM da minha Bagé, lá no Rio Grande do Sul, quando eu era apenas um garoto. “Photograph” jamais saiu do repertório de todas as formações da All-Starr Band, mas ver sua execução no Chevrolet Hall em Recife foi diferente. Quando Ringo, em pé diante de seus súditos, bem na boca de cena do palco, se preparou para canta-lá e os acordes começaram – foi justamente ali que minha emoção maior aflorou, um momento meu pessoal em que os olhos marejaram e eu viajei em segundos pela minha própria vida. Por fatos e coisas que aconteceram. Coisas da minha própria história. Enquanto Ringo cantava “everytime I See your face…” eu voltei ao meu quarto de menino na década de setenta e me vi sentado na cama com um dos primeiros troféus da minha então iniciante coleção beatle, o compacto simples de vinil com “Photograph” de um lado e “Down and Out” do outro.  Aquele garoto que eu fui jamais poderia imaginar que um dia veria Ringo Starr no Brasil, muito de perto fazendo e acontecendo.

Friends will be friends
Se Paul McCartney mantém Hey Jude em seu repertório porque é a canção que todos querem ouvir e cantar junto, a Hey Jude do Ringo também é do repertório dos Beatles. ‘With a Little Help From my Friends’ é a tradução perfeita do que é o show, do que vem sendo a All-Starr Band nos palcos da vida. E é a forma sutil de Ringo deixar claro que dividir os holofotes com a ajuda dos amigos acaba dando sentido e coerência a história dele como músico de acompanhamento. Esta composição eterna é a certeza de que um tempo de felicidade diversão e alegria foi garantido para todos do primeiro ao último acorde…

Bonus tracks
O clima de pós-show em Recife ainda reservaria surpresas no dia seguinte. Por volta de onze horas da manhã eu, Vladimir Araújo, José Mendonça, Marcelo Fróes, Júlio Serra e outros tantos nos encontramos no aeroporto dos Guararapes para voar de volta para casa. Quando estávamos no check in veio a informação de que a All-Starr Band estava no saguão bem próximo da área do embarque internacional. Corri até lá e encontrei Gary Wright, Mark Rivera, Rick Derringer e Edgard Winter sentados com seus pertences pessoais, batendo papo enquanto aguardavam como passageiros comuns o momento de viajar. Estabelecemos um diálogo rápido e amável onde lhes agradeci pelo grande show da noite anterior. Além dos apertos de mão de praxe, pedi para tirar fotos com eles, o que foi prontamente aceito e resultou nos cliques que aí estão.

Logo em seguida mais fãs começaram a aparecer e o tour manager levou os caras para a sala de embarque. Marcelo Fróes então alertou para um fato: Ringo Starr também estava no aeroporto em algum lugar. A logística dos shows da All-Starr Band na América trouxe Ringo e os músicos num avião de carreira da American Air Lines. Depois, nos deslocamentos entre o Chile, Argentina e pelo Brasil, a banda contou com um jatinho fretado. Como o último show ocorrera em Recife, seria lógico que dali a banda embarcasse noutro voo de carreira de volta aos Estados Unidos.

No momento das fotos com a All-Starr Band, um dos fãs perguntou: “e Ringo?”. Edgard Winter, sorridente, disse: “eu não sei, você o viu Gary?”. E Gary Wright respondeu: “Não”.  Mas havia sim um cheiro de Ringo no ar. Concluímos que se ele estava no Aeroporto dos Guararapes, por certo se encontrava em alguma área reservada. Aproxima-se a hora de viajar e seguimos todos para a sala de embarque. Enquanto rola aquela espera básica, avistamos novamente, ao longe, na área internacional, todos os músicos da All-Starr Band. Uma vidraça separa uma ala de outra no aeroporto dos Guararapes e os caras estavam do outro lado. 

Eram quase doze horas do dia vinte e um de novembro em Recife, quando a fila do embarque internacional começou a andar. Os All-Starrs deixaram o povo passar e se postaram nos últimos lugares. Lá da vidraça, alguns fãs olhavam e acenavam. Também era possível ver que uma aeronave da American Airlines estava na pista. E aí a surpresa. Ringo Starr e Barbara Bach aparecem ao lado de dois ou três seguranças. E atravessam rapidamente a sala do embarque internacional, enquanto da vidraça os fãs que tiveram a felicidade de ver berravam. O beatle parou fez seu clássico sinal de paz & amor e seguiu para o avião. Pouco depois eu estava a bordo do jato da Gol que me traria de volta a Fortaleza. Pela janela deu para ver o avião da American Airlines seguindo para a pista ,levando embora do Brasil o ídolo que vimos de tão perto. A decolagem aconteceu logo em seguida.

See you next time, Ringo Starr!

Cláudio Teran

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